segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A mudança climática está aqui e agora e pode levar a um conflito mundial


(Seca no Sistema Cantareira, SP - foto de Cuca Jorge)

Nicholas Stern - The Guardian, 14-02-2014

As chuvas e tempestades recordes que trouxeram inundações em todo o Reino Unido são um sinal claro de que já estamos experimentando os impactos das mudanças climáticas.

Muitos comentaristas têm sugerido que estamos sofrendo condições meteorológicas extremas sem precedentes. Há razões poderosas para argumentar que isso é parte de uma tendência.

Quatro dos cinco anos mais úmidos registrados no Reino Unido ocorreram a partir do ano 2000. Durante esse mesmo período também tivemos os sete anos mais quentes.

Isso não é uma coincidência. Há um crescente número de evidências de que extremos diários de precipitação estão se tornando mais intensos, em linha com o que se espera a partir da física fundamental, como o Met Office ressaltou no início desta semana.
Uma atmosfera mais quente contém mais água. Adicione a isso o aumento do nível do mar, particularmente ao longo do Canal da Mancha, o que está aumentando as tempestades, e fica claro por que o risco de inundações no Reino Unido está aumentando.

Mas não é só aqui que os impactos das mudanças climáticas têm sido sentidos por meio de eventos meteorológicos extremos nos últimos meses. A Austrália acaba de ter seu ano mais quente jamais registrado, durante o qual sofreu ondas de calor recorde e incêndios graves em muitas partes do país. E tem havido mais calor extremo ao longo das últimas semanas.

A Argentina teve uma de suas piores ondas de calor no final de dezembro, enquanto o mesmo aconteceu em partes do Brasil e, outras, foram atingidas por inundações e deslizamentos de terra após chuvas recorde.

E as águas superficiais muito quentes do Pacífico Noroeste durante novembro passado alimentaram o Tufão Haiyan, o ciclone tropical mais forte a atingir terra firme em qualquer lugar do mundo, que matou mais de 5.700 pessoas nas Filipinas.

Este é um padrão de mudança global que seria muito imprudente ignorar.
O IPCC apontou em setembro passado para um padrão de mudança de condições climáticas extremas aparente desde 1950, caracterizado por mais ondas de calor e chuvas em muitas partes do mundo, enquanto a Terra se aqueceu em cerca de 0,7oC.

O mesmo IPCC concluiu de todas as evidências científicas disponíveis que é 95% provável que a maior parte do aumento da temperatura média global desde meados do século 20 é devido a emissões de gases de efeito estufa, desmatamento e outras atividades humanas.

A tendência de aumento da temperatura é inegável, apesar dos efeitos da variabilidade natural do clima que fazem com que a taxa de aquecimento se acelere ou retarde temporariamente em períodos curtos, como temos visto ao longo dos últimos 15 anos.

Se não cortarmos as emissões enfrentaremos consequências ainda mais devastadoras, que poderiam elevar a temperatura média global em 4oC ou mais acima dos níveis pré-industriais até o final do século XXI.

Isso seria muito acima do limiar de aquecimento de 2oC, que os governos dos países já concordaram que seria perigoso violar. A temperatura média não esteve 2oC acima dos níveis pré-industriais pelos 115 mil anos anteriores, quando as calotas de gelo eram muito menores e o nível global dos oceanos pelo menos cinco metros mais alto que hoje.

A mudança para um mundo assim poderia causar migrações em massa de centenas de milhões de pessoas para longe das áreas mais afetadas. Isso levaria a conflitos e guerras, não à paz e prosperidade.

Na verdade, os riscos são ainda maiores do que percebi quando trabalhei na revisão da economia das mudanças climáticas para o governo do Reino Unido em 2006. Desde então, as emissões anuais de gases de efeito estufa aumentaram fortemente e alguns dos impactos, tais como o declínio do gelo do mar Ártico, começaram a acontecer muito mais rapidamente.

Nós também subestimamos a importância potencial de retroalimentações fortes do sistema terrestre, como o degelo do permafrost que libera metano, um poderoso gás de efeito estufa, bem como pontos de inflexão além dos quais algumas mudanças no clima podem se tornar irreversíveis.

O que temos experimentado até agora certamente é pouco em relação ao que pode acontecer no futuro: lembremos que última vez que a temperatura global foi 5oC diferente da de hoje, o Planeta foi tomado por uma era do gelo.

Assim, os riscos são imensos e só podem ser sensivelmente manejados pela redução das emissões de gases de efeito estufa, o que exigirá uma nova revolução industrial de baixo carbono.

A história nos ensina quão rapidamente as transformações industriais podem ocorrer através de ondas de desenvolvimento tecnológico - tais como a introdução de energia elétrica - baseadas na inovação e descoberta.

Já estamos vendo tecnologias de baixo carbono serem implantadas em todo o mundo, mas mais progressos requererão investimento e enfrentamento dos preços reais da energia, incluindo aqueles gerados pelas emissões prejudiciais dos combustíveis fósseis.

Infelizmente o ritmo atual de progresso não é rápido o suficiente, com muitos países industrializados sendo lentos na transição para formas de crescimento econômico mais limpas e eficientes.

A falta de visão e vontade política dos líderes de muitos países desenvolvidos não apenas prejudica sua competitividade no longo prazo, como também coloca em risco os esforços de cooperação internacional e o novo acordo que deverá ser assinado em Paris, em dezembro de 2015.

Atraso é perigoso. Inação só poderia ser justificada se pudéssemos ter uma grande confiança de que os riscos colocados pelas alterações climáticas são pequenos. Mas isso não é o que 200 anos de ciência climática estão nos dizendo. Os riscos são enormes.

Felizmente países mais pobres, como a China, estão mostrando liderança e começam a demonstrar ao mundo como investir no crescimento de baixo carbono.

O Reino Unido deve continuar a ser um exemplo para outros países. A Lei de Mudanças Climáticas de 2008, que obriga o Reino Unido a reduzir suas emissões em pelo menos 80% até 2050, é considerada em todo o mundo um modelo de como os políticos podem criar o tipo de sinal necessário ao setor privado, que poderia gerar bilhões de Libras em investimento. O enfraquecimento da Lei seria um grande erro e prejudicaria o forte compromisso assumido por todos os principais partidos políticos.

Oscilações e mensagens inconsistentes de ministros, bem como a incerteza sobre as políticas de possíveis futuros governos, já estão minando a confiança das empresas. Riscos políticos induzidos pelo governo tornaram-se um sério obstáculo para o investimento privado.

Em vez disso, o Reino Unido deve trabalhar com o resto da União Europeia para melhorar a estrutura de mercado e a rede integrada de energia. Isso também aumentaria a segurança energética, reduziria custos e emissões. Qual melhor maneira para unificar a Europa?

O governo também terá que garantir que o país torne-se mais resiliente aos impactos da mudança climática que não podem mais serem evitados, inclusive, investindo maiores somas em defesa contra inundações.

Deve resistir a apelos de alguns políticos e partes da mídia para financiar a adaptação a mudança climática por meio de cortes à ajuda exterior. Seria profundamente imoral penalizar os 1,2 bilhões de pessoas que vivem em extrema pobreza ao redor do mundo.

Na verdade, o Reino Unido deve aumentar a cooperação com os países pobres para ajudá-los a se desenvolver economicamente em um clima que está se tornando mais hostil em grande parte por causa das emissões passadas dos países ricos.

Uma maneira muito mais sensata de arrecadar dinheiro seria implantar um preço alto sobre a poluição por gás de efeito estufa em toda a economia, o que também ajudaria a reduzir as emissões. É essencial que o governo aproveite esta oportunidade para fomentar a onda de desenvolvimento tecnológico de baixo carbono e a inovação que vai impulsionar o crescimento econômico e evitar os enormes riscos da mudança climática não gerenciada.

---
Nicholas Stern é presidente do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment da LSE e presidente da Academia Britânica.