segunda-feira, 24 de novembro de 2014

É possível voltar atrás no aquecimento da atmosfera global até 1,5°C ainda neste século? *

A comunidade mundial definiu como teto o aquecimento global de 2°C acima dos níveis de temperatura pré-industriais, mas os pequenos estados insulares e os países menos desenvolvidos têm demandado que se traga de volta o aquecimento para abaixo de 1,5°C até 2100.

Isto ainda pode acontecer desde que sejam implantadas as mais agressivas estratégias de mitigação. Ainda assim é pouco provável que sejamos capazes de evitar os impactos previstos para 1,5°C de aquecimento, que incluem grandes danos aos sistemas de recifes de coral e ocorrências regulares de extremos de temperatura incomuns em grandes porções continentais, conforme destaca o relatório "Turn Down the Heat: Confrontando o novo clima Normal" (TDTH) lançado ontem pelo Banco Mundial (http://www.worldbank.org).

Isso não significa, no entanto, que a elevação da temperatura da atmosfera do Planeta fique necessariamente presa a 1,5°C, nem que seja impossível limitar o aquecimento a 1,5°C tal como solicitado pelos países mais vulneráveis.

Ainda é viável limitar o aquecimento a 1,5°C até 2100. Projeções climáticas feitas com base em cenários futuros de emissões de gases de efeito estufa (GEE) econômico-energéticos mostram que, no melhor dos casos, o aquecimento atingirá o pico de aproximadamente 1,5°C em meados do século antes de diminuir lentamente para abaixo deste nível. E com emissões negativas continuadas pós 2100, o nível de aquecimento pode cair ainda mais.

Infelizmente o pico de 1,5°C até meados do século ainda resultará em danos significativos. Já no atual nível de aquecimento de 0,8°C acima das temperaturas pré industriais os impactos da mudança climática estão sendo sentidos em muitas regiões do planeta. A mudança climática já deixou sua marca negativa sobre o rendimento das culturas, fez espécies marinhas migrarem para águas mais frias, aumentou as ondas de calor e seca, colocou pressão sobre os recursos hídricos e danificou recifes de corais.

Mesmo se a mais agressiva ação de mitigação conseguir limitar o pico do aquecimento a cerca de 1,5°C, ainda assim acontecerão danos substanciais na forma de ondas de calor extremo, problemas com os recursos hídricos e riscos para a segurança alimentar regional. Tanto o IPCC quanto o relatório TDTH mostram que perto de 1,5°C de aquecimento são altos os riscos para sistemas únicos e ameaçados como os recifes de coral, e mostram também que o aumento do nível do mar continuaria por muito tempo após 2100.

O exemplo dado no comunicado de imprensa do Banco Mundial ilustra a escala de risco posta pelo aquecimento de 1,5°C sobre a emergência de ondas de calor extremo: nas três regiões abrangidas pelo relatório TDTH, a ocorrência de ondas de calor extremo incomuns hoje praticamente ausentes aumenta de modo a cobrir entre 10 e 60% dos territórios da América Latina e Caribe, Oriente Médio e África e Sul e Sudeste da Ásia quando o aquecimento global atingir cerca de 1,5°C.




Sobre a viabilidade da manutenção do aquecimento abaixo de 2°C e de redução para abaixo de 1,5°C até 2100

O relatório do grupo de trabalho III da 5ª avaliação do IPCC identificou muitas opções de mitigação que têm uma chance provável de manutenção do aquecimento até 2100 abaixo de 2°C com a faixa central de estimativas entre 1,5 e 1,7°C: “um número limitado de estudos têm explorado cenários que são mais propensos do que não a trazer a mudança de temperatura de volta para abaixo de 1,5°C até 2100”.

Os cenários que indicam a viabilidade de um nível de aquecimento menor que 1,5°C “caracterizam-se por (1) implantação de ação de mitigação imediata; (2) rápido escalonamento do portfólio completo de tecnologias de mitigação; e (3) desenvolvimento econômico de baixa demanda de energia” (IPCC WGIII SPM página 17).

De acordo com o IPCC, os custos de redução de emissões para a limitação do aquecimento a 2°C são modestos, mesmo sem serem somados cobenefícios como os da segurança energética e de melhorias na saúde geral devido à redução da poluição do ar. Estes custos implicariam reduções anualizadas de crescimento do PIB global estimadas em 0,06% ao longo do século, em relação a uma linha de base de 1,6 a 3% de crescimento anual.

A viabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C até meados do século e baixa-lo a menos de 1,5°C até 2100 é embasada pelo IPCC e pela literatura científica mais ampla (por exemplo Luderer et al 2013; Rogelj et al 2013b; Rogelj et al 2013a).

Da mesma forma, o Emissions Gap Report 2014 recentemente publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente avaliou a literatura sobre os cenários de 1,5°C e concluiu pela viabilidade de limitação do aquecimento global abaixo de 1,5°C até 2100, dede que sejam implantadas ações fortes e precoces de mitigação cujas oportunidades estão se perdendo a cada década de aumento de emissões.

Uma meta-análise das trajetórias de emissão dos cenários do IPCC mostra que para alcançarmos uma alta probabilidade de manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C durante o século e, a seguir, trazê-lo de volta a 1,5°C até o final do mesmo, as emissões de CO2 teriam de ser zeradas já em 2045, no mais tardar em 2065, sendo que as emissões teriam que ser negativas após essa data. Já as emissões totais de GEE teriam que chegar a zero em 2060 - e não mais tarde do que 2080 - com emissões negativas depois destas datas.

Mesmo se todas as emissões de GEE cessassem hoje, a inércia do sistema climático levaria o aquecimento a continuar até cerca 1,2°C acima dos níveis pré industriais, na melhor estimativa, antes de embarcar em um declínio gradual (Schaeffer et all, 2012).

No longo prazo, o limite de aquecimento de 1,5°C requer concentrações de GEE inferiores a de 400 ppm de CO2e. Como uma súbita cessação de todas as emissões é improvável, qualquer via de mitigação visando 1,5°C ou abaixo envolve necessariamente um perfil de pico-e-queda destas concentrações.

Ainda é possível confiar na manutenção do aquecimento abaixo de 2°C, dependendo de ação de mitigação agressiva. Mas se atrasarmos mais uma década na implantação destas ações, provavelmente, ficaremos atados à perspectiva de aquecimento acima de 2°C.

Assim, embora os desafios sejam elevados, ainda é viável manter o aquecimento abaixo de 1,5°C até ao final do século. No entanto, a cada década perdida, esses desafios aumentam e podem, em algum momento, tornarem-se intransponíveis.

A hora de agir é agora.

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* Texto adaptado por Délcio Rodrigues de ‘Is it possible to return warming to below 1.5°C within this century? Science background note on the World Bank report “Turn Down the Heat: Confronting the New Climate Normal”, briefing note produzido para Climate Analytics por Bill Hare, Michiel Schaeffer, Olivia Serdeczny, Carl Friedrich-­‐Schleussner; Berlin 23 de novembro de 2014


Referências
Luderer G, Bertram C, Calvin K, et al. (2013) Implications of weak near-­‐term climate policies on long-­‐term mitigation pathways. Clim. Change online fir:

Rogelj J, McCollum DL, O’Neill BC, Riahi K (2013a) 2020 emissions levels required to limit warming to below 2 °C. Nat Clim Chang 3:405–412. doi: 10.1038/nclimate1758

Rogelj J, McCollum DL, Reisinger A, et al. (2013b) Probabilistic cost estimates for climate change mitigation. Nature 493:79–83. doi: 10.1038/nature11787

Schaeffer M, Hare W, Rahmstorf S, Vermeer M (2012) Long-­‐term sea-­‐level rise implied by 1.5 °C and 2 °C warming levels. Nat Clim Chang 3–6. doi: 10.1038/nclimate1584

UNEP (2014) The emissions gap report 2014. A UNEP Synthesis Report.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A conclusão mais importante do IPCC: precisamos eliminar as emissões de gases de efeito estufa

Publicado originalmente por Kelly Rigg no Huffington Post em 3/11/2014



Acordei esta manhã em Amsterdam com uma manchete de primeira página que nunca imaginei ler: “Em 2100 Emissões Devem ir a Zero" (minha tradução do original holandês). Referindo-se ao relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no fim de semana, o jornal Volkskrant deu manchete para o que considero ser a mais importante conclusão do IPCC.

Não era manchete a mais arrebatadora do IPCC. Outra dizendo que estamos a caminho de impactos globais "graves, generalizados e irreversíveis" recebeu a maior parte da atenção. Esta pode ser um choque apenas para aqueles que não vêm prestando muita atenção. Agora, que as emissões líquidas de CO2 precisam ser reduzidas a zero, e não apenas por um percentual para este ou aquele ano, é revolucionário.

Deixe-me explicar porquê.

Como uma cidadã consciente, digamos que eu decida fazer o meu dever e reduzir minhas emissões de CO2 em 10% este ano, ou em 40% em 2020, ou em qualquer outro percentual (afinal, qual é o quinhão de reduções adequado a uma residente de um rico país ocidental?) Como faço para descobrir o que devo fazer na prática? Quais são as minhas emissões totais? Qual a percentagem de redução de emissões que eu alcançaria deixando de comer carne uma vez por semana, ou me tornando vegetariana? Ou substituindo minha velha geladeira por um modelo mais novo e eficiente? Ou dirigindo um carro elétrico?

Certamente existem calculadoras de emissões que poderiam me ajudar a descobrir essas coisas. Mas eu suspeito que apenas alguns poucos radicais, relativamente falando, iriam até este ponto.

Mas se em última instância vou ter que eliminar minhas emissões de CO2 por completo, e se esta “em última instância” acontecerá mais cedo do que tarde, minha perspectiva muda totalmente. Não preciso de uma calculadora de emissões para descobrir o que preciso fazer.

Isso não vale só para os indivíduos. É ainda mais importante para empresas, investidores, serviços públicos, governos e outros, cujas ações vão literalmente determinar o destino dos nossos filhos, netos e gerações futuras. Levar as emissões a zero implica banir os combustíveis fósseis. Isso faz com que qualquer expansão do sistema energético, a base de carvão ou petróleo, por exemplo, seja uma barganha com o diabo. A partir de agora, qualquer investimento que nos amarre a emissões futuras de CO2 deve ser considerado neste contexto.

Alguns temem que um prazo muito longo para a supressão gradual das emissões enfraqueça a urgência desta medida. 2100? Mas isto está a mais de 85 anos de distância! É moleza, não precisamos nos apressar! Mesmo a supressão gradual das emissões líquidas até 2050 – algo que é tecnicamente viável e nos dará uma chance muito maior de afastar mudanças climáticas globais catastróficas - parece um prazo muito longo.

Na verdade, ainda é necessário que as emissões globais parem de aumentar e comecem a baixar rapidamente antes do final desta década. Mas podemos e devemos comunicar este imperativo como o primeiro dos muitos passos necessários para nos mantermos no caminho da eliminação total dos combustíveis fósseis durante a segunda metade do século.

Além de ser fácil de entender, a chamada pela eliminação total serve a outro propósito. Os governos comprometeram-se a manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C (e vale a pena lembrar que a maioria dos países tem pressionado pelo limite muito mais seguro de 1,5°C). Assim como é difícil para os indivíduos traduzirem reduções de emissões percentuais em ações práticas, é difícil manter os governos encarregados da aplicação de um conceito abstrato como o aumento da temperatura global na avaliação de políticas nacionais concretas. Não admira que o conjunto de políticas governamentais atuais some um devastador 4°C de aumento de temperatura até 2100.

Nisto uma meta obrigatória de progressiva eliminação ajudaria enormemente. Nos permitiria perguntar, quando da avaliação de qualquer projeto: este projeto nos coloca no caminho certo para termos emissões líquidas zeradas até 2050? Se não, o projeto não estará de acordo com os 2°C definidos pelos governos como teto para o aquecimento global e não deve ser permitido. É simples assim. Procurar mais petróleo no Ártico? Não. Xisto betuminoso? De jeito nenhum.

Na prática, a eliminação progressiva das emissões implica empenho e planejamento para um futuro alimentado em 100% por energias renováveis. E com os custos das energias renováveis declinando rapidamente - em alguns mercados as fontes de energia renováveis são já competitivas com os combustíveis fósseis - este futuro pode vir a ser realidade mais cedo do que pensamos.

Se você acha que esse conceito é apoiado apenas por grupos verdes ‘hard-core’, pense novamente. Uma nova iniciativa conhecida como ‘Track 0’ está acompanhando de perto estas discussões e compilou evidências de aumento de apoio nos mais altos níveis de influência.

O ‘Trillion Tonne Communiqué’, por exemplo, assinado por mais de 160 líderes empresariais influentes, apela para a definição de um cronograma que zere as emissões líquidas antes do fim do século.

Angel Gurria, secretário-geral da OCDE tem feito fortes apelos para que os governos nos coloquem em um caminho que zere as emissões líquidas resultantes da queima de combustíveis fósseis na segunda metade deste século. Dia desses, Gurria disse que “diferentemente da crise financeira, não temos a opção de tirarmos um ‘bailout’ climático da manga”.

O IPCC fez um apelo científico pela progressiva eliminação total das emissões. Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades do mundo em setembro exigindo uma solução para a crise climática. Quando os governos se reunirem em Paris em 2015 para adotar um novo acordo para o salvamento do clima eles precisam demonstrar que ouviram.

Perda de Espécies, falta d'água em cidades e aumento do custo da energia elétrica são impulsionados pela devastação da Amazônia



Mais de 20% da área original da Floresta Amazônica já foi destruída. Na última década o governo federal conseguiu minimizar o problema, mas a devastação ainda acontece a uma razão de mais de 1.300 km2 por ano. Ou seja, uma área equivalente à do município de São Paulo é devastada todos os anos na Amazônia.

A emissão acumulada de gases de efeito estufa que vem do desmatamento é a principal causa do Brasil ser hoje classificado como o 4º maior responsável pelo aumento da temperatura global.

Para a biodiversidade, o desmatamento e a consequente perda de habitats são fatores de estresse adicionais às já observadas mudanças climáticas globais. O relatório síntese da 5ª avaliação do IPCC lançado no último dia 2 de novembro mostra que existem nove chances em 10 de que uma grande fração das espécies esteja se defrontando com aumentos no risco de extinção devido às mudanças climáticas, especialmente quando estas interagem com outras fontes de estresse. As plantas não conseguem se mover rápido o suficiente de modo a acompanhar as taxas atuais e projetadas de mudança no clima das diferentes paisagens.

Além de contribuir para a mudança do clima do Planeta, o desmatamento da Amazônia contribui para a falta d'água em São Paulo e em muitas outras cidades do Sudeste e, também, para o aumento dos preços da energia elétrica.

Isto ocorre porque cada árvore da floresta Amazônica bombeia 500 litros de água por dia para atmosfera por meio da evapotranspiração. Juntas, as 390 bilhões de árvores de 16 mil espécies diferentes existentes na Amazônia bombeiam 20 bilhões de toneladas de água por dia para atmosfera, mais água do que o Rio Amazonas despeja diariamente no Atlântico, criando verdadeiros “rios voadores”.
Estes rios voadores se transformam em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, no Paraguai, parte da Bolívia, da Argentina e Uruguai. Estudos do meteorologista Pedro Silva Dias, da Universidade de São Paulo, mostram que até 70% da precipitação que ocorre em São Paulo na estação chuvosa depende do vapor d’água amazônico.

Quanto maior o desmatamento menor o número de árvores que fazem este bombeamento e menos chuva cairá. Sem chuva, os reservatórios ficam vazios, as torneiras secas e mais e mais termelétricas precisam ser acionadas para compensar a hidroeletricidade não gerada nos reservatórios.
No último período chuvoso, do final de 2013 ao início de 2014, os rios voadores não chegaram a São Paulo e o nível do Sistema Cantareira, o principal manancial de abastecimento de água da maior região metropolitana do país, atingiu no dia 11 de outubro de 2014 o menor nível da história - 5,1% de sua capacidade de armazenamento -, mesmo contando o ‘volume morto’ do sistema nunca anteriormente computado. Calculado nas mesmas bases, o nível do Cantareira há um ano era 57,8%. Com isto uma população de mais de 20 milhões de pessoas vê ameaçado seu fornecimento de água.

Mas esta não é a única consequência para os cidadãos. O baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste fizeram o preço da energia elétrica no mercado de curto prazo ultrapassar R$700 por MWh, sendo que a média histórica deste preço é menor que R$ 100 por MWh. A principal razão disto é a entrada em cena das termelétricas de reserva, que emitem muito mais gases de efeito estufa e têm custos de geração de energia bem maiores. Como isto não estava previsto, o governo federal intermediou empréstimos para as empresas geradoras junto a um grupo de bancos que já chegam a mais de R$26 bilhões, conforme avaliou o ministro José Jorge do Tribunal de Contas da União (TCU).

O impacto destes aumentos de custos sobre a tarifa de energia elétrica é ainda controverso. Ele é estimado entre 20% e 25% por Walter de Vitto, da consultoria especializada Tendências, e em 2,6% por Márcio Zimmermmann, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia.
E devem aumentar ainda mais os custos para os consumidores de eletricidade: em meados deste ano Hermes Chipp, diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), afirmou que as usinas termelétricas deverão ficar ligadas até o final do ano. Isto porque, segundo projeções do ONS, os reservatórios das usinas das regiões Sudeste e Centro-Oeste devem chegar a 18,5% em novembro, caso as previsões meteorológicas se confirmem. Em qualquer caso as termelétricas permanecerão ligadas, segundo Chipp, com o objetivo de garantir o armazenamento, não deixar cair demais o nível dos reservatórios e dar alguma tranquilidade ao ONS.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

IPCC convoca cidades de todo o mundo para o combate às mudanças climáticas

O novo plano diretor de São Paulo e a expansão das faixas de ônibus e bicicleta estão em linha com as propostas do painel internacional de cientistas para a redução de emissões de gases de efeito estufa das cidades



As cidades de todo o mundo são vilãs das mudanças climáticas por serem responsáveis por 75% das emissões globais de CO2. O transporte e as edificações são os maiores emissores dentro das cidades.

O relatório síntese da 5ª avaliação do IPCC afirma que “as próximas duas décadas serão uma janela de oportunidade para a mitigação das mudanças climáticas em áreas urbanas, já que uma grande parte destas serão desenvolvidas durante este período”. Isto decorre da previsão da ONU segundo a qual nas próximas décadas haverá um grande incremento na urbanização no mundo em desenvolvimento.

O Brasil já passou por isto e é hoje um dos países mais urbanizados do mundo. Segundo o IBGE 85% dos brasileiros moram hoje em cidades. As cidades brasileiras também são certamente grandes emissoras, mas infelizmente não existem informações sobre o total de suas emissões, já que os inventários existentes não incluem as cidades entre os setores estudados.

Mas algumas das grandes cidades brasileiras estão estudando suas emissões de GEE para entenderem onde se dão as maiores emissões e como atacar o problema. Eduardo Jorge, quando foi secretário do verde e do meio ambiente da prefeitura de São Paulo mandou elaborar um inventário das emissões do município de São Paulo. Resultado principal: 82% das emissões da cidade vêm do consumo de energia, sendo que só os combustíveis queimados por veículos no município respondem por 61% das emissões totais. Daí que o melhor caminho para reduzir as emissões da cidade é seguir restringindo o uso do automóvel e expandindo e melhorando o transporte público.

Por seu lado, o relatório síntese do IPCC lançado ontem em Copenhague mostra que as cidades terão que se adensar, ampliar o foco no transporte público de massas e adotar o planejamento integrado de modo a reduzirem suas emissões, com o que, provavelmente, se transformarão em lugares mais agradáveis para se viver. O relatório propõe a promoção de bairros de uso misto, o desenvolvimento das cidades orientado pelo transporte, o aumento da densidade e a criação de postos de trabalho próximos às áreas residenciais, todas ações que podem reduzir direta e indiretamente o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa.

É interessante notar como o novo Plano Diretor de São Paulo segue em parte estas recomendações. O urbanista Nabil Bonduki, vereador da cidade e relator do projeto de lei que instituiu o novo plano diretor do município (PDE), disse em entrevista que o PDE buscou adequar o mercado imobiliário às políticas públicas, por exemplo, obrigando que novas construções levem em conta a dinâmica do transporte coletivo. De acordo com o PDE, prédios mais altos só poderão serem construídos em torno das linhas do metrô ou dos corredores de ônibus, o que valoriza estas artérias, enquanto o miolo dos bairros fica reservado a edifícios de no máximo 28 metros de altura.

O novo PDE de São Paulo segue a racionalidade do IPCC ao buscar aproximar o trabalho e a moradia para reduzir a demanda por transporte e ampliar a mobilidade, seja na promoção de bairros de uso misto ou na busca de inclusão social. Entre as diretrizes do plano que contribuem com a redução das emissões futuras estão o aumento de impostos para os edifícios com mais de uma vaga de garagem por apartamento, o estímulo aos prédios residenciais que reservem seu andar térreo para comércio e serviços, a criação das Zonas Especiais de Proteção Ambiental que deve dobrar a área do município ocupada por parques e a localização central das novas Zonas de Especial Interesse Social.

A moradia social ganhou importante espaço no novo PDE. As ZEIS, onde pode haver desapropriações para habitação popular, passam a ocupar 33 km², quase o dobro dos 17 km² do plano anterior. Nestas, 60% das construções deverão serem destinadas a famílias de renda menor que três salários mínimos. Estas famílias não ficarão mais confinadas à periferia porque as ZEIS expandem-se agora por bairros centrais e históricos, como Bela Vista, Brás, Santa Ifigênia, Campos Elísios e Pari.

A sintonia das propostas contidas no relatório síntese do IPCC com as propostas da atual administração de São Paulo vai além do novo PDE. A prefeitura estendeu recentemente 400 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus, o que resultou, segundo a SPTrans, empresa responsável pela coordenação do transporte público, em benefícios para mais de 2,3 milhões de passageiros que passaram usar diariamente as novas faixas exclusivas. Um estudo da CET, Companhia de Engenharia de Tráfego da cidade, mostrou que a velocidade média dos ônibus que agora circulam nas novas faixas aumentou em 68,7%, passando de 12,4 Km/h para 20,8 Km/h.

Além dos 400 km de corredores de ônibus, o impulso que o município vem dando ao transporte público passa pelo bilhete único mensal que beneficia quem usa mais de três vezes por dia o transporte público e pela modernização da frota de ônibus, que está sendo renovada com veículos que possuem ar condicionado e wi-fi.

As faixas exclusivas para bicicletas, que ganharam apoio de 88% da população, também devem ser incluídas no rol de propostas da prefeitura de São Paulo que contribuem com a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Entretanto estas políticas municipais se chocam com a política de redução de impostos para automóveis do governo federal, que tem expandido a frota de automóveis das cidades brasileiras, e com o congelamento informal de preços da gasolina, que tem dado incentivos adicionais ao uso do automóvel.

Os subsídios ao automóvel do governo federal custam caro para os habitantes das cidades, como disse em entrevista recente o médico e ciclista Paulo Saldiva, especialista nos efeitos à saúde da poluição do ar e pesquisador das Universidades de São Paulo e Harvard. Saldiva lembrou que todos pagamos pelos subsídios dados à gasolina e ao automóvel, pagamos com 4 mil mortes adicionais por ano apenas em São Paulo por causa da poluição e mais 1.500 mortes em acidentes de trânsito. Pagamos também com três anos a menos de expectativa de vida por causa da baixa qualidade do ar.

O relatório síntese do IPCC recomenda que, para além do planejamento urbano, se atue sobre as edificações e diz que projetos de edificações inteligentes podem reduzir massivamente o uso de energia, até chegando a zero com conceitos de isolamento térmico e aproveitamento passivo da energia solar e eólica.

As cidades brasileiras estão atrasadas na promoção de edificações de baixo consumo de energia. Os códigos de obra, legislação que regula o padrão das construções, são municipais e quase todos ultrapassados, sendo que nenhum estabelece metas de consumo máximo por metro quadrado, como o fazem legislações modernas para a construção como a da Espanha. Um exemplo: alguns dos códigos de obra dos municípios brasileiros chegam a promover a insustentabilidade das edificações quando obrigam, por exemplo, a instalação de infraestrutura para chuveiro elétrico ou aquecedores a gás, equipamentos perdulários e geradores de emissões de gases de efeito estufa, e não abrem espaço para a instalação de aquecedores solares, equipamentos muito mais sustentáveis.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Brasil cai mais uma vez e é o 36o em ranking de proteção ao clima



O Brasil é o 36º país em desempenho na proteção ao clima segundo índice que avalia 58 países que em seu conjunto são responsáveis por 90% das emissões globais de gases de efeito estufa. O relatório de 2014 do índice de proteção ao clima elaborado pela GermanWatch e pela rede internacional de ONGs Climate Action Network afirma que o país não conseguiu se recuperar da queda que teve no ranking no ano passado e continua em tendência descendente.

O Índice de Proteção do Clima é um instrumento projetado para aumentar a transparência da política climática internacional e seu objetivo é colocar pressão política e social sobre os países que até agora não tomaram ações ambiciosas de combate às mudanças climáticas. O índice também busca destacar os países que têm as melhores políticas climáticas.

O relatório pode ser acessado no endereço http://germanwatch.org/en/download/8599.pdf

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A sua crise é pior que a minha. Não, a sua é que é pior.



Os representantes das campanhas do PT e PSDB, Mauricio Tomalsquim e Adriano Pires, gastaram quase todo o tempo do debate sobre energia promovido pela Globo News trocando acusações. Como os candidatos, aliás.
AS duas crises a que eles se referiam, o apagão de 2001 e a atual crise de financiamento da operação do setor elétrico brasileiro têm características diferentes geradas por visões de mundo distintas.
Como agora, o apagão do PSDB de 2001 teve como gatilho a falta de chuvas, mas se revelou à população imediatamente na forma de falta de energia e foi resultante do baixo investimento acumulado ao longo dos anos. A ênfase de FHC no papel das agências reguladoras e na privatização do setor não conseguiu animar investidores e a energia faltou quando São Pedro não cooperou.
A crise atual do setor elétrico será sentida pela população nos próximos 2 ou 3 anos na forma de elevação de tarifas, já que energia não faltou, pelo menos até agora. Novamente, o gatilho da crise é a falta d'água nas represas (culpa novamente de São Pedro?), mas esta está sendo coberta pela queima de combustíveis fósseis nas termelétricas instaladas desde o apagão. Como estas têm custos mais altos e como seus estão sendo regidos pelo jogo de oferta e demanda do mercado livre, sua energia é necessariamente mais cara, e este aumento de custos será cobrado dos consumidores e contribuintes no futuro próximo. O TCU avalia o total da encrenca em R$ 61 bilhões adicionais, que podem se transformar em R$ 100 bilhões adicionais, se considerarmos também o que deve ocorrer em 2015.
A ênfase de Lula e Dilma na regulação do setor elétrico e na oferta de preços adequados aos investidores nos leilões de energia conseguiu trazer os investimentos que faltavam, mas estes foram destinados a grandes hidrelétricas de baixo armazenamento de água e a termelétricas, com algumas sobras do banquete sendo destinadas às eólicas.
Quanto a combustíveis, o uso da Petrobrás para manter a inflação sob relativo controle esmagou o setor sucroalcooleiro e reduziu em muito a capacidade de investimento da empresa. E a intenção de transformar a Petrobras em uma empresa de energia, para além do petróleo, ficou reduzida às termelétricas a gás. Beijinho no ombro para os sonhados investimentos de monta em bioenergia e energia solar.
Não está faltando planejamento como muitos dizem, e como disseram ambos os debatedores criticando os governos um do outro. Faltam diretrizes para a sustentabilidade da energia no Brasil. Falta uma visão de futuro que dê respostas à mudança climática, até porque a única coisa que é comum às duas crises é o gatilho da falta d'água.

(O debate entre Mauricio Tomalsquim e Adriano Pires pode ser visto em http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2014/10/representantes-de-dilma-e-aecio-debatem-no-globonews-miriam-leitao.html)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O bom e o ruim



O lado bom é que o CEO da Google, Eric Schmidt, disse hoje (24/09/2014) que a empresa errou ao apoiar o American Legislative Exchange Council, um grupo diz que a mudança climática pode ser benéfica e que se opõe à regulação ambiental. Ele chegou a dizer que a ALEC e outros grupos de duvidam das mudanças climáticas estão "literalmente mentido".

O lado ruim é que passou pela cabeça da diretoria da empresa apoiar este tipo de gente.

Brasil já é o quarto maior responsável pelo aquecimento global



Não dá mais para os representantes do governo brasileiro se esconderem atrás do discurso das responsabilidades comuns porém diferenciadas nas negociações internacionais do clima.

Um estudo publicado na revista científica Environmental Research Letters mostra que somente sete países são responsáveis por mais de 60% do aquecimento global. Na ordem: 1o. EUA; 2o. China; 3o. Rússia; 4o. Brasil; 5o. Índia; 6o. Alemanha; e 7o. Reino Unido. E o estudo não produziu este ranking se baseando nas emissões correntes de gases de efeito estufa, mas sim nas contribuições acumuladas para o aumento da temperatura global.

Os EUA são líderes inequívocos com 20% do aquecimento observado até agora, ou seja, somente os EUA aumentaram a temperatura média global em 0,15 oC. China e Rússia são responsáveis por 8% cada; Brasil e Índia por 7%; e Alemanha e Reino Unido por aproximadamente 5% cada.

O estudo National contributions to observed global warming pode ser obtido em http://iopscience.iop.org/1748-9326/9/1/014010

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Mudanças climáticas: o momento "Caraca!"

Artigo de Marlowe Hood* traduzido para o português por Délcio Rodrigues



PARIS (22/09/2014) Levei mais de dois anos embalando e etiquetando o insight surgido da meia década de cobertura de pandemias de gripe, partículas subatômicas furtivas e derretimentos de camadas de gelo. E tenho que agradecer a Godzilla (e, também, a um crítico de cinema) o momento de iluminação que colocou tudo em foco.

Apesar da longa gestação, senti o despertar do canto de cisne antes mesmo de um estalar de dedos: era um terço ciência, um terço saúde... e 100% mudança climática. Pelo menos essa é a maneira como senti quando experimentei o que o filósofo australiano e estudioso do clima Clive Hamilton - autor, notável, de "Réquiem para uma espécie” (que vem a ser a nossa) - chama de “momento caraca!”, quando todo o peso da calamidade que ameaça engolir violentamente nosso planeta se choca com nossa relutância instintiva em contemplar o final dos tempos.

Para mim, cético por natureza e formação, a trovoada veio enquanto conversava com um grupo de cientistas proeminentes ao qual tinha sido solicitado, para uma conferência de Oxford em 2009, que imaginasse um mundo com a atmosfera aquecida em 4oC. O que emergiu foi um quadro indescritível de miséria desoladora: guerras pela água, centenas de milhões de refugiados do clima, vetores de doenças galopantes, fome no atacado (o cenário de 4oC de aquecimento é hoje considerado como uma projeção "intermediária" para o final do século XXI).

Mas o verdadeiro choque “mijo-nas-calças” foi perceber que pode ser tarde demais para prender os cães do inferno. E se, em outras palavras, a distopia climática não for uma advertência fantasiosa, mas uma realidade produzida para a qual a humanidade está caminhando rapidamente em alegre abandono? Na verdade, o que faz os cientistas climáticos perderem o sono – e eu vi um deles explodir em lágrimas durante sua fala – é a possibilidade mensurável de termos estragado irrevogavelmente o termostato do planeta e colocado em movimento forças naturais que, em um relativo piscar de olhos, farão da Terra um lugar bem menos hospitaleiro para a nossa surpreendida espécie.

Do que eu estou falando? Recentemente soubemos, por exemplo, que o gigantesco Manto de Gelo da Antártida Ocidental ultrapassou um “ponto de não retorno” a partir do qual seu derretimento acelerado - desencadeado principalmente pelo aquecimento da água do oceano – se tornou o motor de sua própria morte, tanto causa como efeito. Isso significa que, mesmo que conseguíssemos zerar todas as emissões humanas de CO2 amanhã, mesmo assim, o Manto diminuirá até desaparecer, elevando o nível do mar em vários metros. Bye-bye Bangladesh e todos os demais megadeltas e seres humanos que nestes vivem e mal se alimentam do que neles plantam. Olá tempestades que farão Sandy parecer uma maré alta um pouco mais ventosa (haverá alguma justiça climática: a Flórida passará de pau grosso a lápis fino e todo o imprudente desenvolvimento costeiro será apagado). Se isso vai acontecer em um século ou três realmente não importa - ainda não haverá tempo suficiente para nos adaptarmos.

E isso é apenas um dos vários cataclismos autoengrenados prestes a derrubar o equilíbrio físico-químico que hoje os cientistas chamam de Sistema Terra. Outro é a grande reserva de carbono – equivalente a várias vezes todo o CO2 lançado até agora à atmosfera durante a era industrial - enterrada, principalmente na forma de metano, no que é equivocadamente chamado de ‘permafrost’ da Sibéria e do Canadá. As temperaturas subárcticas, que vêm aumentando duas vezes mais rápido que a média global, já começaram a liberar este tesouro tóxico enterrado, e – a partir de um certo ponto – não haverá maneira de parar o processo.

A parte assustadora é que podemos já ter ultrapassado este ponto sem saber disso.

Existe uma chance de que essas coisas não venham a acontecer? Claro. Há também uma chance de o Sol implodir antes que eu termine de digitar esta frase (Ufa! Essa foi por pouco). É tudo uma questão de calcular as probabilidades, a forma pela qual os cientistas falam sobre o futuro. Mas se você realmente ler os estudos e ouvir os especialistas, o prognóstico é realmente sombrio, sinistro como as imagens do Ceifador Sinistro, figura normalmente associada à morte.

Agora mesmo você deve estar se perguntando: “Se as coisas são assim tão ruins, por que eu já não sei disso?”

Talvez você saiba. Talvez você tenha ouvido a notícia... mas não estava realmente ouvindo. O instinto de sobrevivência reage instantaneamente quando enfrentamos um rinoceronte ou um drogado com uma pistola na mão. Mas, paradoxalmente, os seres humanos têm uma tendência comprovada a ignorar ameaças mortais que não requerem atenção imediata, por exemplo, um cataclismo climático. Longe dos olhos, longe do coração (quanto a isto, tanto Freud quanto os psicólogos evolucionistas concordam). Conviver com o apocalipse, afinal de contas, é por si só um “meme” para a loucura (lembre-se da imagem do barbudo solitário com um cartaz pendurado no pescoço dizendo "o final está próximo”).

Mas nem tudo é culpa sua. As pessoas que conhecem os fatos - ONGs ambientalistas, grandes poluidores, cientistas do clima - não estão dispostas, cada grupo por suas próprias razões, a tocar os sinos de alarme do nível DEFCON 1 (Nota do tradutor: DEFCON, ou ‘defense readiness condition’, é uma escala de alarme usada pelas forças armadas dos EUA; o nível 1, ou DEFCOM 1, é o mais rigoroso da escala e significa que uma guerra nuclear é iminente).

Os ambientalistas ainda estão se recuperando do fracasso espetacular que tiveram em 2009 quando marcaram a Cúpula do Clima de Copenhague como a “última chance”. Ficaram esgotados e perdidos, e desde aquele momento têm medo de soarem estridentes. Chame isso de síndrome do galinho Chicken Little.

Os que lucram com o carbono, é claro, tem toda a razão para minimizar a ameaça. E eles têm cinicamente gasto montes de dinheiro fazendo exatamente isso, sussurrando em nossos ouvidos que o risco é duvidoso e distante, enquanto o custo de agir agora seria ruinoso. E, mesmo quando o peso das evidências força os mais intransigentes céticos a admitir que a mudança climática é uma clara - e atual - ameaça, eles saem dizendo: “Agora é tarde demais, melhor nos prepararmos para o inevitável”. Foi quando o “Big Oil & Friends” veio a público propor soluções técnicas fantasiosas – como colocar um bilhão de minúsculos espelhos em órbita no espaço próximo, semear os oceanos com limalha de ferro ou estocar CO2 em cofres geológicos – para garantir o “business-as-usual”.

Finalmente, os cientistas são prejudicados pelos códigos e cultura de sua profissão. Tanto previsões quanto prescrições de políticas públicas os tornam enjoados. “Este não é meu trabalho” - já ouvi isso uma centena de vezes (A mídia, por sua vez, tornou as coisas piores, fabricando incertezas, adoramos uma corrida de cavalos. Quanto aos políticos, basta lembrar que eles não são eleitos pelas gerações futuras).

A revista científica Nature publicou uma figura que mostra os "limites planetários" para nove equilíbrios químico-biológicos distintos que, juntos, ajudam a compor o Sistema da Terra. Segundo os cientistas, a humanidade já está fora do "espaço seguro de operação" de pelo menos três destes: a mudança climática, o ciclo do nitrogênio e a perda de biodiversidade.

Mas há uma outra força - e é aí que entra Godzilla - que também nos impede de ver nosso futuro como uma mistura de “World War Z”, “O Dia Depois de Amanhã” e “Contágio”. Em uma palavra: a arrogância.

No original japonês de 1954, o pisoteador de cidades “Gojira” é um filho mutante e radiativo do nosso recente domínio sobre as partículas elementares. A fissão atômica prometeu armas capazes de acabar com as guerras e energia ilimitada, mas a relação custo/benefício da era atômica acabou por ser muito menos vantajosa do que a anunciada. Sessenta anos depois, sugere o crítico de cinema Andrew O'Hehir, Godzilla está de volta para nos lembrar mais uma vez que a tentativa de conquistar a natureza pode ter terríveis e inesperadas consequências.

Arrogância em escala global

A noção de que nossa espécie pode e deve moldar a Terra à sua própria vontade é na verdade completamente nova. Ela surgiu com o Iluminismo e floresceu juntamente à revolução industrial, reforçada pela certeza de que a Ciência, a Tecnologia e a Educação quebrariam as correntes históricas de ascensão e declínio e impulsionariam a humanidade ao longo de uma espiral sempre crescente de interminável progresso. Para os pensadores do século 19 de todos os tipos – de Marx a Mill, de socialistas a darwinistas sociais – a inata engenhosidade e superioridade humana impulsionaria a transformação enquanto a natureza proveria uma quantidade inesgotável de matérias primas.

Na antiga tragédia grega, a arrogância - um coquetel de orgulho e excesso de confiança – condena o protagonista voluntarioso a um fim prematuro. Mas a nossa tragédia moderna está sendo encenada em um palco maior, e o personagem central é, sem dúvida, a própria humanidade.

O culto do Progresso, com 'P' maiúsculo, seguiu em grande parte sem contestação até meados da segunda metade do século 20. Mas, então, sinais de alerta começaram a aparecer em todo lugar. Hoje, os sinais de alerta se transformaram em ameaças existenciais: a nova era de extinção em massa, apenas a sexta em 500 milhões anos; um flagelo de doenças não mais intimidadas pelos antibióticos que uma vez pensamos iriam destruí-las; buracos gigantes no tecido da nossa estratosfera; um crescendo de secas, incêndios, inundações e tempestades; oceanos subindo e morrendo simultaneamente.

Pela primeira vez em 4,57 bilhões de anos de história do nosso planeta, uma única espécie não só alterou a morfologia, a química e a biologia da Terra, mas está ciente de ter feito isso. A ruptura é tão radical que muitos cientistas concordam com a ideia de que nossas ações inauguraram uma era geológica distinta. Como disse Erle Ellis, da Universidade de Maryland: “Nós não sabemos o que vai acontecer no Antropoceno (era dos seres humanos). Pode ser bom, ou até melhor. Mas precisamos pensar de forma diferente e globalmente, para tomar posse do planeta”.

“Apropriar-se do planeta”. A arrogância de nossa espécie tem sido dupla. Em primeiro lugar, nós imaginamos que poderíamos trazer a Terra de joelhos a serviço das nossas necessidades e desejos. E então, quando confrontados com evidências de que estamos envenenando a família, bem, nós persistimos em acreditar que podemos inventar uma nova fonte de água.

Mesmo o grito de guerra dos ecoguerreiros, já velho de décadas, trai uma arrogância descabida. Quando os ambientalistas exigem a salvação do planeta, o que eles realmente querem dizer é “Salve nossa Espécie”. O planeta não precisa de salvamento, nós sim. Se os seres humanos realmente fizerem naufragar a complexa teia de interações químicas e biológicas que atualmente sustenta a vida, a Terra vai encontrar um novo equilíbrio, como sempre fez. Para nossa espécie, por outro lado, a transição pode ser rude demais.

Pense nisso desta maneira: Deus(es) não pode(m) ser indiferente(s) ao seu sofrimento, mas a natureza o é. Só arrogância nos impede de perceber que a Terra pode chacoalhar-nos para fora como um parasita irritante, permitindo a alguma outra forma de vida tomar o nosso lugar.

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* Marlowe Hood foi correspondente da AFP na cobertura de ciência, saúde e meio ambiente de 2007 a 2012 e publicou este artigo em http://blogs.afp.com/correspondent/?post/Ice-sheets%2C-Godzilla-and-hubris.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Energia: um futuro renovável*

Se assumirmos que a civilização humana existirá por pelo menos mais mil anos, então certamente chegaremos um sistema de energia 100% renovável. Todas as reservas existentes de combustíveis fósseis e aquelas ainda não descobertas destes fósseis e de minerais radioativos acabarão por se esgotar até lá ou serão caras demais para serem extraídas.

Os formuladores de políticas muitas vezes agem como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Infelizmente não temos.

Como a ciência mostra claramente, as emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa devem atingir seu máximo e começar a declinar em menos de uma década [1] se quisermos manter o teto de 2°C para o aumento da temperatura média global, meta com a qual se comprometeram os governos de 192 países membros da Convenção Clima das Nações Unidas (UNFCCC).

Como mostra claramente o relatório sobre impactos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançado em março deste ano [2], acima de 2°C de aumento da temperatura média global a civilização humana tal como a conhecemos (sem mencionar o resto da biosfera) estará em sérios apuros.

Assim, a pergunta não é mais “se” teremos um futuro com 100% de energia renovável, mas sim “como?” e, ainda mais importante, “quão rápido podemos fazer isso?” e “quanto isso vai custar?”.

“Não precisamos gastar os olhos da cara salvando o planeta”, disse o co-presidente do Grupo de Trabalho III do IPCC Ottmar Edenhofer ao apresentar o capítulo “mitigação” do relatório do IPCC em Berlim, em abril passado [3]. Baseados no que agora sabemos, atingir metas climáticas rigorosas custará algo próximo a 0,06% do crescimento anual do PIB durante o resto do século, e isso sem levar em conta as vidas que serão salvas ou muito dos danos climáticos evitados. E sem levar em conta, também, a queda drástica dos custos da energia solar e da energia dos ventos dos últimos 2 ou 3 anos.

Mas as energias renováveis podem dar sua importante contribuição por conta própria? Hoje? Não. Amanhã? Por que não?

Enquanto não é difícil encontrar especialistas que afirmam que as energias renováveis não podem alimentar totalmente nossos sistemas de energia, são poucas as análises que sustentam estas declarações. Ouve-se geralmente algo como “o que você faz quando o Sol não brilha ou o vento não sopra?” acompanhado de justificativas para a utilização da tecnologia favorita do especialista, seja ela nuclear, “carvão limpo”, captura e armazenamento de carbono (CCS) ou alguma outra variação do sistema de energia que nos meteu nesta bagunça climática.

Eles convenientemente esquecem que as fontes hídrica, biomassa, solar térmica, geotérmica são tão variáveis quanto a energia dos ventos e a solar fotovoltaica. Esquecem-se que o Brasil, a Noruega e a Nova Zelândia têm sua oferta de eletricidade quase 100% renovável, e que a Dinamarca, a Suécia e outros países estão se movendo nessa direção.

Esquecem-se que com redes de transmissão de ampla cobertura e potência a energia pode ser levada com eficiência de uma região a outra e esquecem o crescente movimento de proprietários de habitações e de empresas pela autossuficiência de suas edificações, principalmente por meio da instalação de sistemas descentralizados de geração de energia solar fotovoltaica e de outras tecnologias de pequena escala cujos custos caíram drasticamente nos últimos anos.

Com armazenamento suficiente (por bombeamento de água, ar comprimido, baterias, células de combustível etc.), usinas renováveis e despacháveis suficientes e com eficiência energética, conservação de energia, redes inteligentes e sistemas de gestão da demanda, certamente é tecnicamente viável alimentar nossa economia com 100% de energia renovável, como várias simulações feitas em diferentes partes do mundo têm mostrado.

Além disso, nos países de grande penetração de fontes renováveis, como a Dinamarca por exemplo, se observa uma participação muito maior da energia elétrica no sistema de energia total, não só para o transporte, mas para o aquecimento também.

O fato é que um futuro 100% renovável é tecnicamente viável, e terá baixo ou nenhum impacto negativo sobre o PIB, especialmente quando se for considerada a economia de combustível envolvida na maioria dos casos e a necessária remoção de US$650 bilhões ao ano - ou mais - em subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis. A questão é saber se é politicamente viável.

Nós realmente temos muito pouco tempo para agir antes que a situação climática passe de mal a catastrófica, o que pode fazer com que a tomada de decisões saia das mãos de governos democraticamente eleitos para as dos serviços de emergência e até, nos piores casos, das forças armadas.

Os elevados custos de capital necessários para investimento em um futuro renovável serão mais do que pagos pela economia de combustível, sem mencionar todas as outras economias que serão obtidas pela redução de despesas em campos de refugiados, diques e combate a incêndios. No entanto, a verdadeira questão não é se podemos ou não pagar. Nós claramente não poderemos pagar pelos custos da inação... e não temos muito tempo.

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*Steve Sawyer (Secretário Geral do Global Wind Energy Council - GWEC); publicado originalmente no Huffington Post - http://www.huffingtonpost.com/stevesawyer/a-renewable-energy-future_b_5725712.html e traduzido por Délcio Rodrigues.

[1] http://www.ecofys.com/en/publication/feasibility-de-GEE de emissões-phase-out-a-meio-century/
[2] A contribuição do Grupo de Trabalho II do IPCC para o 5º Relatório de Avaliação de impactos, adaptação e vulnerabilidade foram lançadas em Yokohama, Japão, em 31 de março de 2014 - www.ipcc.ch
[3] Ver http://www.mitigation2014.org

A eficiência energética foi promovida de “combustível escondido” a “principal combustível” pela Agência Internacional de Energia



O consumo de energia evitado pelos países membros da AIE em 2010 foi maior do que a demanda satisfeita por qualquer outra fonte de energia individual - incluindo petróleo, carvão e gás.

O relatório mostra que a eficiência energética pode gerar benefícios à saúde quatro vezes maiores que o custo de ampliação dos sistemas energéticos, liberando mais energia a ser usada para os usos de aquecimento, refrigeração e ar condicionado e, assim, melhorando a saúde das pessoas por meio da redução de uma vasta gama de alergias, problemas cardiovasculares e outras doenças.

A eficiência energética pode melhorar, também, a produtividade industrial em 250%, ao baixar os custos da energia na cadeia de abastecimento e, assim, tornar os produtos mais baratos e mais competitivos, ou liberando recursos para serem usados em outras melhorias.

A AIE também descobriu que o tempo de retorno dos investimentos em eficiência energética caiu de 4,2 para 1,9 anos. Já que a maioria das empresas fazem seus cálculos financeiros considerando horizontes de tempo relativamente curtos, esta descoberta pode alterar a forma como muitas empresas pesam os benefícios de eficiência em relação ao custo inicial de investimento nas melhorias.

A eficiência energética também pode melhorar as contas nacionais reduzindo o custo da energia na infraestrutura pública, e pode aumentar o acesso à energia para as populações de baixa renda, tornando a energia mais barata.

O relatório pode ser comprado em http://www.iea.org/newsroomandevents/pressreleases/2014/september/name-125300-en.html

Lord Stern rides again

O mundo ainda pode evitar os piores efeitos da mudança climática e desfrutar dos frutos de um crescimento econômico continuado desde que a economia global se transforme dentro dos próximos 15 anos.

Combater as mudanças climáticas pode ser uma benção para a prosperidade, ao invés de um freio, mostra um estudo lançado hoje (16/09/2014) e que foi produzido por algumas das maiores instituições mundiais, entre elas a ONU, a OCDE, o FMI e o Banco Mundial. O estudo teve coautoria de Lord Stern, uma das vozes mais influentes na economia do clima.

Os autores argumentam que a transformação econômica proposta melhorará a vida de bilhões de pessoas que hoje sofrem com a poluição do ar nas cidades e de agricultores que lutam com solos pobres em países em desenvolvimento.

Porém, esta mudança exigirá uma forte ação política que defina limites para as emissões de dióxido de carbono e promova alternativas como a energia renovável, cidades sustentáveis, técnicas agrícolas modernas e sistemas de transporte melhor concebidos.

Se espera um crescimento populacional de alguns bilhões nas próximas duas décadas e trilhões de dólares em crescimento econômico. Mas se este crescimento maciço das cidades do mundo em desenvolvimento for mal gerido, e se o investimento global for feito em infraestrutura intensiva em carbono, a oportunidade única de mudança do padrão de prosperidade terá sido perdida e, como resultado, bilhões de pessoas ficarão mais pobres.

O relatório BETTER GROWTH, BETTER CLIMATE pode ser acessado em:
http://static.newclimateeconomy.report/TheNewClimateEconomyReport.pdf

Insônia

Sergio Abranches acabou com minha noite de sono. Por meio dele fiquei sabendo ontem à noite que o laboratório NOAA da NASA divulgou que o ano passado foi o quarto ano mais quente desde que as temperaturas mundiais começaram a ser medidas com precisão, em 1880. E que 2013 foi o 37o ano consecutivo em que a temperatura média anual ficou acima da média do século 20 e o 46o em que fica acima da média histórica.
Com isto, 9 dos 10 anos mais quentes nos últimos 134 anos são do século 21.
Sonhei com o Pré-Sal.

A seca agride o sudeste ao mesmo tempo em que secam os "Rios Voadores" da Amazônia*

Cientistas afirmam que o desmatamento e as mudanças climáticas são responsáveis pelas florestas não produzirem as nuvens de vapor que trazem chuva para o centro oeste e sudeste do Brasil



A seca sem precedentes que afeta São Paulo é atribuída à ausência dos “rios voadores”, as nuvens de vapor da Amazônia que normalmente trazem chuva para o centro e o sul do Brasil.

Alguns cientistas brasileiros afirmam que a falta de chuva que secou rios e reservatórios na região central e sudeste do Brasil não é apenas um capricho da natureza, mas uma mudança provocada por uma combinação do desmatamento contínuo da Amazônia com o aquecimento global.

Esta combinação, dizem eles, está reduzindo o papel de “bomba d’água gigante” da floresta amazônica que libera bilhões de litros de vapor d'água das árvores para a atmosfera.

O meteorologista José Marengo, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, foi o primeiro a cunhar o termo “rios voadores” para descrever os grandes volumes de vapor que sobem da floresta, viajam em direção ao oeste e então, bloqueados pela Cordilheira dos Andes, voltam-se para o sul do continente.

As imagens de satélite do Centro de Previsão de Tempo e Clima do INPE mostram claramente que, durante janeiro e fevereiro deste ano, os rios voadores não conseguiram chegar ao sudeste, ao contrário dos cinco anos anteriores.

O desmatamento em todo o Brasil atingiu proporções alarmantes: 22% da Amazônia), 47% do Cerrado e 91,5% da mata atlântica.

Os últimos números do Deter, o sistema de detecção de desmatamento em tempo real baseado em imagens de satélite operado pelo INPE, mostram que, depois de cair por dois anos, o desmatamento na Amazônia voltou a subir em 10% entre agosto de 2013 e julho de 2014.

Tocantins, Pará e Mato Grosso, os três estados da região amazônica que mais sofreram desmatamento, registram temperaturas médias mais elevadas.

Já em 2009, Antônio Nobre, um dos principais cientistas do clima do Brasil, alertou que, sem os “rios voadores”, a região que produz 70% do PIB da América do Sul se transformaria em deserto.

Em uma entrevista ao jornal Valor Econômica Nobre disse que "destruir a Amazônia para o avanço da fronteira agrícola é como dar um tiro no próprio pé. A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que puxa umidade do Atlântico para o continente e garante a irrigação da região”.

“É claro que precisamos de agricultura”, disse ele, “mas sem árvores não haveria água e sem água não há comida”.

“Uma tonelada de soja precisa de várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão e o etanol. A água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim o Saara seria verde porque tem um solo extremamente fértil”.

Como outros cientistas do clima, Nobre acha que o papel da floresta Amazônica na produção de chuva tem sido subestimado. Em um único dia, a região amazônica bombeia 20 bilhões de toneladas de vapor para a atmosfera, mais do que as 17 milhões de toneladas de água que o rio Amazonas descarrega a cada dia no Atlântico.

“Uma árvore grande com uma copa de 20 metros de diâmetro evapora até 300 litros por dia. Um metro quadrado de floresta pode conter entre oito e 10 metros quadrados de superfície de folhas e evapora de oito a 10 vezes mais do que a mesma área de oceano. Este rio voador, que sobe para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra”.

O temor é que, se a floresta amazônica continuar a ser desmatada no ritmo atual, eventos como a seca sem precedentes de 2010 ocorrerão com maior frequência. As queimadas feitas pelos agricultores para limpar áreas para plantio ou criação de gado a tornarão mais vulnerável.

Nobre explicou: "A fumaça de incêndios florestais introduz muitas partículas na atmosfera, seca as nuvens, e não chove. Durante o período de seca, e de incêndios, a floresta sempre reteve um pouco de chuva que a deixava úmida e não-inflamável, mas agora dois meses se passam sem chuva, a floresta fica muito seca e o fogo lambe o solo da floresta. As árvores da Amazônia, ao contrário das do Cerrado, não têm resistência ao fogo".

O aviso de Nobre feito em 2009 dizia que, se o desmatamento não cessasse, haveria uma catástrofe em cinco ou seis anos. Cinco anos depois, suas palavras provam terem sido proféticas enquanto São Paulo e todo centro e o sudeste do Brasil sofrem sua pior seca, com efeitos devastadores sobre a agricultura, a geração de energia e abastecimento doméstico e industrial de água.
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* Jan Rocha para a Climate News Network, publicado em www.theguardian.com em 15/09/2014; traduzido por Délcio Rodrigues

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Eliminação gradativa das emissões de combustíveis fósseis e 100% de energia renovável para todos

Este documento apresenta as metas climáticas defendidas pela Climate Action Network International para 2050.
A CAN é a maior rede mundial de organizações da sociedade civil que trabalham para promover a ação dos governos para a resolução da crise climática. A rede conta com mais de 900 membros em mais de 100 países. Mais informações sobre a CAN podem ser encontradas em www.climatenetwork.


(Este documento foi traduzido do inglês por Délcio Rodrigues)

A mudança climática está aqui e agora e é uma questão de sobrevivência. O Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (AR5) foi lançado recentemente e descreve os impactos das mudanças climáticas sobre o planeta, as pessoas e a natureza com ainda mais detalhe e com conhecimento científico mais robusto. Alguns impactos presentes e projetados para o futuro, tais como os relativos à segurança alimentar, ao aumento do nível do mar ou à acidificação dos oceanos, estão ocorrendo com mais intensidade do que o anteriormente previsto. Esses impactos serão críticos para todos, mas especialmente para aqueles povos mais pobres e vulneráveis.

O acordo a ser alcançado na CoP 21, a ser realizada em Paris em 2015, deve sinalizar o fim da era dos combustíveis fósseis e uma acelerada transição para que, até 2050, a energia seja 100% renovável e disponível para todos. A pedra fundamental deste acordo juridicamente vinculante devem ser ambiciosos compromissos e ações de mitigação de todos os países, sendo que a natureza e a severidade destes compromissos deverão variar de acordo com as suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e suas respectivas capacidades (RCDRC).

Para atingir profundas reduções de emissão, a ação precisa começar agora de maneira que o pico de emissão de gases do efeito estufa (GEE) seja não posterior a 2015. Isto é extremamente crítico para a estabilidade climática no longo prazo. Qualquer atraso no momento de pico de emissões aumentará o desafio de manutenção do aquecimento global em níveis toleráveis, aumentará substancialmente os custos de mitigação e adaptação e pode implicar implantação de tecnologias ambientalmente e socialmente questionáveis. Enquanto reduções no curto prazo de emissão são necessárias para mantermos a possibilidade de limitação do aquecimento a um máximo de 1,5°C, manter trajetórias de redução de emissão no longo prazo é fundamental para o alcance desta meta. Portanto, além da ação ambiciosa no curto prazo, a CoP de Paris deve, também, delinear uma visão de futuro livre de emissões de carbono sob a forma de uma meta vinculante de longo prazo.

A CAN CLAMA PELA ELIMINAÇÃO GRADATIVA DE TODAS AS EMISSÕES PROVENIENTES DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS E POR UM FUTURO COM ENERGIA 100% SUSTENTÁVEL PARA TODOS ATÉ 2050

Não é suficiente estabilizar as emissões ou abrandar seu crescimento. As emissões terão que ser zeradas. O uso de combustíveis fósseis representa cerca de 70% de todas as emissões de GEE de todos os setores em todo o mundo. Assim, tudo se confundirá com nada se não cortarmos as emissões de combustíveis fósseis a zero. Para que fiquemos dentro de um orçamento de carbono capaz de manter o aquecimento global abaixo de 2°C, mais de 2/3 de todos as reservas presentes economicamente viáveis de combustíveis fósseis terão de ficar no subsolo (1). A parcela não explorável de combustíveis fósseis aumenta quando se somam os novos e, em muitos casos, não-convencionais recursos fósseis, tais como o óleo e o gás de xisto.

Não há alternativa diferente da transição para um mundo livre de combustíveis fósseis. Esta transição deve e pode ser alcançada garantindo, ao mesmo tempo, que todos tenham acesso à energia sustentável que permita a todas as pessoas do planeta alcançar um padrão de vida decente. O acordo em Paris deve reconhecer esse fato e enviar uma mensagem de transformação para investidores, líderes empresariais e tomadores de decisão em todo o mundo.

Alcançar esse objetivo exigirá transformações imensas em todos os países e todos têm um papel em sua concretização. Os países desenvolvidos devem assumir a liderança na redução das emissões, eliminando gradativamente os combustíveis fósseis muito antes dos países em desenvolvimento e com um nível de ambição suficientemente elevado que permita a estes atingir suas metas de desenvolvimento sustentável sem que seja ultrapassado o orçamento global de carbono. Esta transformação global exigirá investimentos substanciais dos setores público e privado e compromissos políticos de cada governo. Claramente, os países desenvolvidos devem liderar estes esforços e fornecer considerável apoio financeiro e tecnológico e capacitação para os países que deles necessitam, de acordo com suas RCDRC. Os governos dos países desenvolvidos devem cumprir esse compromisso, em especial, para permitir uma transição mais rápida para 100% de energia renovável nos países em desenvolvimento. A CAN gostaria de lembrar aos governos que, na tomada de decisões sobre financiamento climático público, precisam lembrar-se de que proteger o clima, promover o desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza e garantir o acesso à energia para todos não são objetivos mutuamente excludentes, mas fazem parte de uma mesma estratégia vencedora.

O restante desta nota detalha os contornos dos passos que os países precisam tomar a fim de realizar os objetivos acima expostos. Este documento deve ser lido em conjunto com outros documentos de posição da CAN (2).

COMEÇAR AGORA: OS OBJETIVOS PODEM SER DE LONGO PRAZO, MAS PROFUNDAS AÇÕES DE REDUÇÃO DEVEM COMEÇAR AGORA

A diferença significativa existente entre os atuais esforços globais de redução de emissões e necessidades de redução que sejam consistentes com uma alta probabilidade de mantermos o aumento na temperatura média global abaixo de 1,5°C foi repetidamente reconhecida em sucessivas COPs (3). As implicações de atrasos na ação profunda de redução destas emissões são, também, bem conhecidas (4), mas sempre vale a pena repeti-las.

Atrasar os cortes nas emissões levarão a, inter-alia:
- aumentar os custos dos esforços de mitigação e adaptação necessários, bem como elevar os custos dos desastres e impactos climáticos;
- taxas de redução de emissões mais acentuadas no futuro, de modo a respeitar os limites de temperatura (com redução na certeza de sua viabilidade);
- necessidade de emprego de tecnologias ainda não testadas (5), como a bioenergia e a captura e armazenamento de carbono (CAC), cujos riscos são ainda desconhecidos em escala global. As implicações quanto à equidade -, particularmente no uso da terra nos países em desenvolvimento - e à segurança alimentar são mal compreendidas e devem ser mais estudadas a fim de que sejam evitadas retroalimentações negativas sobre os esforços de erradicação da pobreza ou de promoção do bem-estar humano.

O AR5 concluiu que, para termos uma probabilidade superior a 66% de não ultrapassagem do limite de 2°C, deve ser respeitado o orçamento cumulativo de carbono de menos de 2900 GtCO2eq (ou 790 GtC). Tendo em conta que, até 2011, já 1890 GtCO2eq (ou 515 GtC) haviam sido emitidas (6), e que cerca de 50 GtCO2eq (ou 13 GtC) são atualmente anualmente emitidas, o orçamento restante para 2015 é de cerca de 860 GtCO2eq (ou 236 GTC). Se as emissões globais anuais permanecerem no nível atual, este orçamento será completamente esgotado em menos de 20 anos, com um terço deste sendo gasto apenas nos próximos 5 ou 6 anos. Dispensável será dizer que o orçamento restante para limitar o aquecimento a 1,5°C é ainda menor e será esgotado em menos tempo. Esta situação é agravada se a probabilidade de alcance de tal limite de temperatura for aumentada de 66% para 90%.

SUPRIMIR GRADUALMENTE AS EMISSÕES DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS É NECESSÁRIO E INEVITÁVEL

Emissões zeradas ou negativadas são necessárias à estabilização em qualquer nível de concentração de GEE na atmosfera (7). A pergunta não é mais “se”, mas sim “quando” zerar as emissões de GEE? A rapidez com que estas emissões devem ser eliminadas é uma função do risco de ultrapassagem de pontos críticos que a sociedade está disposta a aceitar (como o agora inevitável colapso do manto de gelo da Antártida Ocidental) e a extensão da exposição a impactos cada vez mais graves das mudanças climáticas. A CAN acredita que, até 2100, o aquecimento da temperatura média global de superfície deve ser limitado a menos de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Limitar o aquecimento a tal nível evitará alguns dos piores impactos previstos para as mudanças climáticas, embora ainda constitua risco significativo para muitas pessoas, comunidades e regiões vulneráveis; estresse ainda maior para ecossistemas únicos como os recifes de corais e o Ártico; e continue a expor muitos a cada vez mais eventos climáticos extremos (8). Os riscos a 2°C são ainda mais perigosos e não são aceitáveis, já que colocam em jogo a sobrevivência de culturas, países e ecossistemas.

O AR5 concluiu que entre 2040 e 2070 será necessária uma redução de 90% ou mais das emissões globais de CO2 provenientes do fornecimento de energia, calculadas sobre os níveis de 2010, a fim de limitarmos a concentração de CO2eq a 450 ppm em 2100 (9). No entanto, estes 450 ppm de CO2eq em 2100 só nos oferecem uma pequena chance de manter o aquecimento abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Para termos pelo menos 50% de chance de ficarmos abaixo de 1,5°C, as concentrações atmosféricas de GEE devem ser estabilizadas abaixo de 430 ppm de CO2eq (10), o que exigiria cortes nas emissões de CO2eq globais da ordem de 70 a 95% sobre os níveis de 2010 a serem obtidos até 2050 (11). Por isso, é claro que precisamos eliminar todo o uso de combustíveis fósseis o mais rapidamente possível, no mais tardar até 2050, para manter no horizonte uma probabilidade razoável de limitação do aquecimento a 1,5°C.

Enquanto suprimir gradualmente as emissões dos combustíveis fósseis é essencial, cortes profundos em todos os gases de efeito estufa são também necessários. Qualquer solução para o desafio das mudanças climáticas deve abordar o uso da terra, que produz um quarto das emissões globais anuais de gases de efeito estufa, mais do que todos os edifícios e veículos do mundo. Para estabilizar o clima e satisfazer a crescente demanda por alimentos e outros produtos agrícolas, incluindo a garantia de meios de subsistência a milhões de pequenos agricultores, o mundo deve proteger e gerir as florestas e promover práticas agrícolas sustentáveis o mais rápido possível para que estas florestas atuem como sumidouros, em vez de fontes de emissão, sequestrando mais carbono do que liberam, mantendo ao mesmo tempo as comunidades humanas e ecossistemas dos quais estas dependem, assegurando ao mesmo tempo que a segurança alimentar de todo o mundo não seja prejudicada. Como parte desses esforços, o desmatamento zero deve ser alcançado até 2020.

A consultoria global Ecofys calculou que a eliminação de todas as emissões de GEE até 2050 garantiria 50% de chances do aquecimento global ser menor que 1,5°C ao longo do século 21, com uma chance de mais de 60% de respeito a este limite em 2100 (ou seja, com uma ultrapassagem do limite seguida de retorno abaixo deste) (12). A eliminação gradativa de todas as emissões também garantira uma chance mais de 90% de respeito ao limite de 2°C em 2100 sem extrapolação deste novo limite.

A mensagem é clara: a única direção possível para todas as emissões de GEE é para baixo. E rapidamente. Começando com uma completa e progressiva eliminação das emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.

100% DE ENERGIA RENOVÁVEL PARA TODOS

Além de eliminar progressivamente a energia dos perigosos combustíveis fósseis, precisamos construir gradualmente o futuro sistema de energia que precisamos: um sistema de energia limpa, que garanta a todos o acesso a fontes renováveis e sustentáveis de energia e evite a adoção de fontes de alto risco, como a energia nuclear. A eficiência energética e as energias renováveis tanto proporcionam redução de emissões no curto prazo quanto trazem benefícios econômicos da descarbonização no longo prazo. Muitas das tecnologias de conversão de fontes renováveis de energia já são tecnicamente maduras, colaboram melhor na superação dos desafios do desenvolvimento sustentável do que as fontes de energia convencionais e são mais rentáveis, principalmente quando são computados os custos ambientais dos combustíveis fósseis.

Os combustíveis fósseis, especialmente carvão - a fonte de energia convencional mais intensiva em carbono -, não devem ser parte da futura matriz energética. Além das emissões de CO2, os combustíveis fósseis têm muitos impactos negativos sobre as pessoas e a natureza. Os combustíveis fósseis têm muitos custos externos ocultos que se acumulam ao longo da cadeia de abastecimento e o ciclo de vida. Estes custos resultam da poluição do ar e da água desde a mineração, passando pela combustão e a eliminação de resíduos; do uso significativo de água doce; da desfiguração permanente da paisagem; da violação de direitos humanos; e dos impactos à saúde dos trabalhadores e à segurança pública. Apesar do aumento de receitas gerado para alguns países, o foco na exploração e comercialização de combustíveis fósseis tem levado a aumentos na vulnerabilidade econômica e a grandes disparidades de renda, resultando em instabilidade política global em vários países. Além disso, em muitos países, a oferta de energia elétrica baseada em combustíveis fósseis e energia nuclear conduziu a um sistema de distribuição centralizado e frequentemente inflexível, ineficiente, caro e inerentemente hostil à incorporação de grandes quantidades de energias renováveis, como solar e eólica, bem como a medidas de eficiência energética.

Cobenefícios do desenvolvimento de fontes renováveis de energia na substituição de combustíveis fósseis incluem a minimização dos impactos ambientais locais, melhoria da saúde da comunidade pela redução da poluição do ar e da água, segurança energética, redução da pobreza por meio de acesso confiável à energia descentralizada, potencial para o desenvolvimento da indústria e redução da vulnerabilidade às questões relacionadas à dependência das importações de combustíveis fósseis, como picos nos preços internacionais do petróleo.

Em muitos países em desenvolvimento não há cobertura de rede adequada para grande parte da população e soluções renováveis independentes, mini redes desconectadas de redes nacionais ou regionais são muito mais adequadas para cumprir a meta de energia sustentável para todos.

A eliminação progressiva dos combustíveis fósseis em favor de 100% de energias renováveis faz sentido econômico, especialmente quando os custos reais do sistema atual de energia são levados conta (13). Nos últimos anos, os custos da energia eólica e solar têm diminuído substancialmente. Hoje, algumas tecnologias renováveis são soluções mais econômica em um número de países e regiões e, onde os recursos são viáveis, são cada vez mais preferidas quando da incorporação de novas capacidades conectadas à rede. A fração das energias renováveis está crescendo na matriz energética global e já fornece quase 10% da energia primária para o mundo (se excluída a biomassa tradicional).

As principais barreiras ao aumento do uso de fontes renováveis de energia, em especial no setor elétrico, vêm da falta de integração regional inteligente, da necessidade de melhorias na infraestrutura, da falta de armazenamento adequado de eletricidade, das relativamente altas necessidades de capital inicial e da pressão política feita por operadores históricos na proteção de seus investimentos em combustíveis fósseis (14).

Políticas públicas como metas obrigatórias para a presença de energias renováveis na matriz energética; eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis; estabelecimento de esquemas de apoio tais como tarifas “feed-in”; leilões específicos para contratação de energias renováveis; contratos de fornecimento de longo prazo; acesso preferencial à rede pelas fontes renováveis; geração doméstica de energia renovável (15); adoção de normas de eficiência rigorosas para o consumo de energia de eletrodomésticos, edifícios e veículos; bem como implantação de “relógios” e redes inteligentes intuitivas, podem ajudar imensamente no aumento da participação e absorção de energia renovável.

TODOS OS PAÍSES TÊM UM PAPEL A DESEMPENHAR NA ELIMINAÇÃO PROGRESSIVA DAS EMISSÕES, SENDO QUE OS PAÍSES DESENVOLVIDOS DEVEM ASSUMIR A LIDERANÇA

A CAN tem há muito enfatizado a importância de um acordo equitativo em Paris (16). Enquanto mais trabalho é ainda necessário para precisar exatamente a operacionalização das responsabilidades comuns porém diferenciadas e respectivas capacidades no novo acordo, três pontos devem ser observados: (1) limitar o aquecimento a 1,5°C exigirá redução de emissões em todos os países (17) - o que é de interesse para cada país é, também, de interesse global; (2) os países desenvolvidos devem tanto zerar suas emissões o mais rápido possível quanto proporcionar substancial apoio financeiro, tecnológico e capacitação aos demais países; (3) uma ampliação significativa de investimento em todo o mundo é obrigatória para tornar possível esta transição. A provisão de financiamento para os países em desenvolvimento é um pré-requisito para muitos destes países embarcarem nesta transição.

A eliminação progressiva das emissões de combustíveis fósseis beneficia todos; seja a comunidade local devastada pelos impactos à saúde do uso de carvão ou a comunidade global que sofre de todos os impactos combinados das mudanças climáticas.

Os cobenefícios da proteção do clima são significativos, independentemente do nível de desenvolvimento de cada país. Mas como dito acima, muitos países não serão capazes de colher estes cobenefícios e eliminar progressivamente as emissões sem ajuda financeira significativa. O relatório AR5 reforçou que podemos separar quem paga pelo custo da redução de emissões do local onde a redução ocorre (especialmente se esta acontece a menor custo). Claro que isso não muda o fato de que qualquer sistema de partilha de esforços só será justo se os países desenvolvidos liderarem ambiciosos cortes de emissões, aposentarem reservas de combustíveis fósseis e erradicarem gradualmente as emissões e, também, auxiliarem financeiramente e tecnologicamente outros países a eliminar as emissões.

A ELIMINAÇÃO PROGRESSIVA DAS EMISSÕES DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS E A ENTRADA EM CENA DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS É TECNOLOGICAMENTE VIÁVEL. E PODE SER POLITICAMENTE VIÁVEL, SE ASSIM ESCOLHERMOS.

Suprimir gradualmente as emissões de combustíveis fósseis e construir um futuro com 100% de energia renovável é uma meta muito ambiciosa, que não será facilmente alcançada. Mas como neste momento poderemos ser qualquer coisa senão ambiciosos quando a sobrevivência das culturas, países e ecossistemas está em jogo? Existe realmente alguma alternativa?

Os críticos da tal transição apontarão a falta de um plano para eliminar gradualmente da economia até a última gota de combustível fóssil; os custos elevados para diversas economias; o surgimento de investimentos ociosos; e a falta de confiabilidade de um sistema baseado em energias renováveis dependentes do clima, como a solar e eólica, como razões para desconsiderar tal objetivo. Estas críticas são apenas mitos e lendas (18). Se é verdade que todas as medidas necessárias para alcançarmos uma eliminação total de emissões de combustíveis fósseis não foram desenvolvidas, existem várias propostas já formuladas. Um relatório da Ecofys mostra que, com a tecnologia disponível hoje ou em futuro próximo, cerca de 90% de todas as emissões de GEE podem ser eliminadas (19). Vários cenários sobre como arrancar para um futuro 100% renovável também já existem há tempo (20). Claramente já se sabe o suficiente para fazer a bola rolar. A necessidade é, afinal, a mãe da invenção.

É importante que os governos ao redor do mundo ouçam as advertências da comunidade científica e do mundo natural, e acelerem a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis agora, em Paris, e a concluam bem antes de 2050. Os governos devem começar a ouvir as pessoas e não os poluidores: o futuro que queremos é o da proteção do clima e de 100% de energia renovável para todos!

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1. Carbon in energy reserves and energy infrastructure; pp. 259ff, em: World Energy Outlook 2012, International Energy Agency, Paris 2012;
2. Ver http://www.climatenetwork.org/policy-information/publication/organizations/973.
3. Decisão # 1 / CP.19: Further advancing the Durban Platform;
4. AR5 WGIII Capítulo 6, P6: "As emissões realizadas até 2030 terão fortes implicações para os desafios de, e opções para, trazer as concentrações para entre 430 e 530 ppm de CO2eq até o final do século XXI (alta confiança). Cenários... com emissões superiores a 55 GtCO2eq em 2030 são predominantemente impulsionados por atrasos na mitigação. Estes cenários são caracterizados por taxas substancialmente mais elevadas de reduções de emissões no período 2030-2050, um emprego maior de tecnologias de RDC no longo prazo, e maiores impactos econômicos de transição e de longo prazo”;
5. O AR5 advertiu: “atrasos na mitigação reduzir as opções tecnológicas e, como resultado, algumas das tecnologias atualmente opcionais podem tornar-se obrigações no futuro” (WGIII CH7, p69);
6. AR5 WGI SPM p25;
7. AR5 WGIII Capítulo 6, P7: “estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) em qualquer nível vai exigir profundas reduções de emissões de GEE. As emissões globais de CO2, em particular, deverão ser levadas a zero ou abaixo de zero. Redução de emissões dessa magnitude exigirá transformações de grande escala nas sociedades humanas, desde o modo como produzimos e consumimos energia até como usamos o solo. Quanto mais ambiciosa a meta de estabilização, o mais rápido esta transformação deve ocorrer”;
8. Veja em AR5 WGII SPM, Assessment Box SPM.1; M. Schaeffer et al., Adequacy and feasibility of the 1.5C long-term global limit (Climate Analytics 2013), http://www.climateanalytics.org/sites/default/files/attachments/news/Adequacy%20%26%20feasibility%20of%201.5c%20long--‐term%20global%20limit%20--‐%20July%202013--‐v2.pdf.
9. AR5 WGIII SPM, p21;
10. AR5 WGIII SPM, p11-12;
11. AR5 WGIII SPM, nota 20;
12. N. Höhne et al., Feasibility of GHG emissions phase-out by mid-century (Ecofys 2013), available online: http://www.ecofys.com/files/files/ecofys--‐2013--‐feasibility--‐ghg--‐phase--‐out--‐2050.pdf
13. O relatório Ecofys observa que: “no cenário de alta para energias renováveis, os custos líquidos chegam ao seu pico por volta de 2040 e depois diminuem devido às economias cumulativas de combustível e aos custos decrescentes do emprego de energias renováveis que compensam investimentos em infraestrutura. O outro cenário, que assume uma significativa adoção de CEC após 2030, prevê aumento dos custos após 2050”;
14. IPCC SRREN;
15. "Meeting Renewable Energy Targets" WWF / WRI (2013) em http://awsassets.panda.org/downloads/meeting_renewable_energy_targets__low_res_.pdf;
16. Ver, p.ex. os documentos de discussão da CAN: “Discussion Paper on na Equity Reference Framework” em http://www.climatenetwork.org/sites/default/files/can_erf_discussion_paper_-_05062013.pdf; e “Equity Indicators” em http://www.climatenetwork.org/sites/default/files/can_equity_indicators_brief_-_two_page_summary.pdf;
17. Embora existam várias maneiras de conceber acordos de partilha de esforço, o AR5 chegou à conclusão que o rigor do esforço de mitigação é de “importância igual ou maior” para muitas regiões do que a abordagem específica de partilha de esforços adotada, e que esforços de todos são necessários para que sejam alcançados os níveis mais baixos de concentração examinados (entre 430 e 480 ppmCO2e em 2100) (WGIII Capítulo 6, seção 6.3.6.6).

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Privatização do estado brasileiro: é o que quer a Confederação Nacional da Agricultura (CNA)



Atenção: o agronegócio, por meio da CNA, está preparando uma verdadeira privatização do Estado brasileiro. Isto ficou claro nas reivindicações apresentadas pela Confederação no documento “O que esperamos do próximo presidente 2015-2018” entregue ontem aos três principais candidatos à presidência, Dilma, Aécio e Eduardo Campos.

Senão, vejamos:

REIVINDICAÇÃO: “Ampliação de instrumentos de gerenciamento de riscos na agropecuária que assegurem rentabilidade compatível com a de outros setores da economia”;
TRADUÇÃO: querem que paguemos pela ineficiência dos pecuaristas brasileiros que mantêm, em média, menos de uma cabeça por hectare em seus pastos.

REIVINDICAÇÃO: “Política agrícola diferenciada para as regiões Norte e Nordeste; para os produtores que enfrentam a concorrência de produtos oriundos do Mercosul”;
TRADUÇÃO: os caras se instalam em regiões não competitivas ou são incompetentes frente a seus concorrentes e querem que paguemos por isto por meio das tais “políticas diferenciadas”.

REIVINDICAÇÃO: “Aceleração dos investimentos e da concessão de trechos rodoviários utilizados no escoamento da produção agropecuária, observando o menor custo para o usuário”;
TRADUÇÃO: os caras se metem na Amazônia ou lá no fundão do cerrado, desmatam afetando comunidades tradicionais e indígenas, destroem a biodiversidade e emitem um montão de gases de efeito estufa e, depois, querem que paguemos os investimentos para que a produção seja levada aos mercados com o menor custo possível para eles mesmos.

REIVINDICAÇÃO: “Estabelecimento de um novo marco regulatório para registro e reavaliação de agroquímicos e fertilizantes” e “Criação de um colegiado técnico para reduzir a ingerência ideológica nas análises e acelerar a conclusão dos processos dos agroquímicos”;
TRADUÇÃO: não contentes em liderar a agricultura que mais consome agrotóxicos no mundo, o agronegócio quer leis que facilitem ainda mais a utilização de agrotóxicos e, mais, não querem ninguém com visão sistêmica entre aqueles que aprovam os agrotóxicos, só gente de “visão técnica” (tradução dentro da tradução, gente ligada ao agronegócio e às empresas produtoras de agrotóxicos).

REIVINDICAÇÃO: “Regulamentação da Emenda Constitucional nº 81” e “Revisão das normas que regulamentam o trabalho, como a NR 31 e a NR 15, observando as peculiaridades do setor agropecuário”;
TRADUÇÃO: fica difícil uma tradução, dada a contradição entre as demandas, mas que tal uma pergunta que pode facilitar nossa interpretação? Lá vai: quem quer ao mesmo tempo regulamentar os critérios para definição de trabalho escravo e revisar exatamente as normas que o definem só pode estar querendo relaxar as regras atuais, concordam?

REIVINDICAÇÃO: “Participação de outros órgãos governamentais [além da FUNAI] na identificação e delimitação de terras indígenas, com assessoramento de equipes técnicas multidisciplinares e “Adoção de medidas que coíbam as invasões de terras por índios e garantam o cumprimento de reintegração de posse de terras invadidas”;
TRADUÇÃO: precisa traduzir?

REIVINDICAÇÃO: “Preservação do direito de propriedade, segurança fundiária e paz no campo” e “Aprimoramento de instrumentos de prevenção de conflitos e de obtenção de terras, especialmente por meio da aquisição onerosa pelo governo”;
TRADUÇÃO: chega de reforma agrária e, paguem as terras que um dia grilei.

REIVINDICAÇÃO: “Garantia efetiva do contraditório e da ampla defesa aos proprietários rurais nos processos de identificação e titulação de terras de remanescentes de comunidades de quilombos”;
TRADUÇÃO: queremos gerar com nosso dinheiro longos processos que garantam nosso direito à terra quilombola.

REIVINDICAÇÃO: “Regularização fundiária em área rural, mediante a transferência das áreas da União aos estados da Amazônia Legal”;
TRADUÇÃO: entreguem as terras de propriedade da União aos interesses políticos locais que controlamos mais facilmente.

REIVINDICAÇÃO: “Edição de um novo marco regulatório para viabilizar as atividades de empresas brasileiras de capital estrangeiro que já operam, ou venham a operar, em território nacional” e “Eliminação das restrições e limitações à aquisição ou arrendamento de terras para a produção rural, sem prejuízo de controles cadastrais que o governo considere prudente manter”;
TRADUÇÃO: chega de restrições “ideológicas” ao grande capital internacional.

REIVINDICAÇÃO: “Regras claras e discussão com o setor rural para definição de novas áreas de proteção ambiental”;
TRADUÇÃO: nós não queremos mais parques e unidades de conservação na Amazônia e no Cerrado, pra que? Mas se ainda assim vocês insistirem, terão que pedir nossa benção.

REIVINDICAÇÃO: “Compartilhamento da gestão ambiental pelos ministérios cujas ações envolvam questões ambientais, substituindo-se o sistema de comando e controle por um novo sistema de gestão ambiental”;
TRADUÇÃO: chega de fiscais e multas ambientais, queremos incentivos monetários para cumprir o que a lei ambiental estabelece.

O documento da CNA pode ser acessado em: http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Sumario%20Executivo%20Proximo%20Presidente%202015-2018_WEB.pdf

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Crateras misteriosas são apenas o começo das surpresas do Ártico

Pesquisadores repensam observações de mais de um século enquanto testemunham os perigos inesperados e peculiares que surgem com o descongelamento do permafrost, o solo congelado do Ártico.
Por David Biello para a Scientific American, 05/08/2014; tradução de Délcio Rodrigues.


Árvores bêbadas: árvores se inclinam conforme permafrost descongela

Não são somente as crateras supostamente abertas por alienígenas na Rússia, mas também as megadepressões que aparecem repentinamente, o gelo que queima e as árvores bêbadas. O colapso em curso do solo permanentemente congelado que recobre quase um quarto das terras do hemisfério norte tem causado uma série de fenômenos surpreendentes no Ártico.

As temperaturas em todo o Ártico estão aumentando mais ou menos duas vezes mais rápido que no resto do mundo, em grande parte devido à redução da quantidade de luz solar refletida pelo solo branco coberto de neve. “Em algum momento, podemos entrar num estado do permafrost não comparável ao que aprendemos em 100 anos de observação, caracterizado por alguns processos que nunca aconteceram antes”, diz o geólogo Guido Grosse do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha da Alemanha.

As misteriosas crateras do extremo norte da Rússia são apenas um exemplo. “Não há nada descrito na literatura científica que pode realmente, totalmente, explicar essas crateras”, diz Grosse, que está neste verão do hemisfério Norte no Delta do Rio Lena, na Sibéria, local que abriga uma estação de pesquisa conjunta russo-alemã. A explicação mais provável para as crateras recém-descobertas na Rússia é um acúmulo de metano ao longo de séculos ou mais, que, em seguida, explodiu para fora do solo descongelado em algum momento dos últimos anos. “A alta pressão acumulada fez o solo, literalmente, explodir”, explica o biogeoquímico Kevin Schaefer do US National Snow and Ice Data Center. “Se isto foi realmente causado pelo derretimento do gelo de metano, ainda devemos esperar mais para comprovar”.

Estas crateras se transformarão em lagos, que descongelarão ainda mais o permafrost ao redor e no fundo, como armadilhas de água que reterão mais calor do sol. Novos lagos similares estão se formando em depressões da paisagem irregular recém-descongelada em todo o Ártico, apelidada de termocarste. Esses lagos e pântanos que cercam o termocarste criam condições lamacentas que favorecem o desenvolvimento de colônias de micróbios que se alimentam do material vegetal morto e enterrado, gerando metano no processo. Este metano borbulha para fora dos lagos e do solo e, quando concentrado, pode até mesmo se inflamar, gerando os casos relatados de chamas que dançam sobre o gelo.

Ainda mais comuns que as crateras de explosão ou as chamas sobre o gelo são as árvores bêbadas. Quando o permafrost derrete, o solo que antes era tão sólido como concreto torna-se lama, devido ao fato do solo de algumas regiões do Ártico ser composto por até 80 por cento de gelo. E dado que o gelo ocupa mais espaço do que a água, o volume do solo diminui, fazendo com que as árvores que cresciam em posição vertical se inclinem. Como resultado, florestas inteiras têm sido descritas como exércitos de bêbados. Esta é também uma má notícia para a moderna infraestrutura do Ártico: estradas, oleodutos e fundações de edifícios afundam na lama ou racham enquanto paisagens inteiras se rebaixam. “No longo prazo, haverá impactos econômicos e sociais enormes causados pela degradação do permafrost”, observa Schaefer.

Onde há declives no solo tudo pode ser ainda pior: deslizamentos lentos de lama podem destruir pouco a pouco áreas de 40 hectares ou mais e se estenderem por mais de um quilômetro. Os maiores deslizamentos deste tipo podem destruir a paisagem a taxas de um quilômetro por década e não parecem mostrar sinais de estabilização. “Um deslizamento na Rússia, que tem chamado a atenção de cientistas, se estende por mais de 70 metros de profundidade no permafrost e continua crescendo mesmo tendo começado nos anos 1970”, diz Grosse.

Talvez a maior preocupação gerada pelo degelo do permafrost é a liberação maciça e repentina de metano do oceano e do permafrost Ártico. O metano aprisiona pelo menos oito vezes mais calor do que o dióxido de carbono ao longo de décadas, levando a um aquecimento global ainda mais rápido. A má notícia frente a este verdadeiro arroto do solo do planeta é o aumento medido na quantidade de metano produzido no Ártico - cerca de 8 por cento na Estação de Alerta dos Territórios do Noroeste do Canadá. E expedições oceânicas têm observado borbulhas provenientes do gelo de metano existente no fundo do Oceano Ártico. A boa notícia é que dados de satélite que abrangem amplas porções do Ártico e que remontam já há décadas mostram pouca mudança na concentração atmosférica deste gás de efeito estufa. “Não sabemos ainda o porquê”, diz Grosse.

A maior parte dos gases de efeito estufa liberados pelo degelo do Ártico será composta de CO2. E o degelo do permafrost continuará armazenando cada vez mais calor com o aumento dos níveis de gases de efeito estufa na atmosfera, dando início a um ciclo de realimentação positiva que, em seguida, derreterá ainda mais o Ártico. Para meados do século, simulações de computador preveem que um terço da área de permafrost do Alasca pode descongelar, pelo menos na superfície, e o mesmo pode ocorrer no Canadá e na Sibéria. Uma vez que o degelo tenha se iniciado - e as plantas mortas e congeladas que compõem os três primeiros metros ou mais do permafrost tornem-se alimentos para os micróbios que liberam CO2 - o processo é irreversível. “Você não pode voltar a congelar”, diz Schaefer. “Uma vez que o processo começa, você não pode mais desligá-lo, e ele persistirá por séculos”.

O permafrost acumula vastas quantidades de carbono, cerca de 1,7 trilhões de toneladas de acordo com estimativas, ou mais do que o dobro do que hoje se encontra na atmosfera. Nem tudo vai descongelar no futuro próximo - algumas áreas de permafrost se estendem até 700 metros de profundidade -, mas cerca de 120 bilhões de toneladas podem ser liberadas até o fim deste século. O que seria suficiente para elevar as temperaturas médias globais em cerca de um terço de um grau Celsius. “Estes são grandes números”, Schaefer observa. Mas “são comparativamente pequenos frente aos projetados para a queima de carvão, petróleo e gás natural. Essas emissões são, em resumo, imensas”.

Os modelos de computador que produzem estas estimativas de quanto do carbono pode sublimar assumem como hipótese o degelo progressivo do permafrost. Essa hipótese pode se revelar errada, se nos pensarmos nas observações feitas até o momento. Os processos de descongelamento, como deslizamentos e lagos, estão acontecendo mais rápido e afetando regiões maiores do que o esperado. Como Grosse coloca: “podemos estar sendo muito conservadores em nossas estimativas”.

O descongelamento coloca em marcha um conjunto complexo de forças naturais, algumas das quais poderiam contrariar a tendência de aquecimento aparentemente inexorável. Árvores e arbustos continuarão a se mover para o norte, graças a temperaturas maiores e a estações de crescimento mais longas. Essas árvores, por sua vez sugarão CO2 do ar. O novo Observatório Orbital de Carbono da NASA deve ajudar a esclarecer quanto CO2 este processo de esverdeamento do Ártico vai sugar da atmosfera. E mesmo os lagos termocársticos podem armazenar algo de carbono no subsolo, pelo menos ao longo de milhares de anos, como sedimentos lacustres enterram plantas mortas e algas.

Mesmo o descongelamento inescapável devido aos gases de efeito estufa ja emitidos permanece obscuro. “Estamos tentando descobrir isso”, diz Schaefer. E as próprias regras que têm regido os processos Árticos durante os últimos 100 anos ou mais de exploração moderna podem não mais serem válidas. A velocidade desta crise em curso pode se acelerar e acontecer em décadas ou refrear fazendo o descongelamento acontecer ao longo de séculos e milênios. “Quais são os limites do degelo do permafrost?” pergunta Grosse. “Nós realmente não sabemos”.

Há tentativas de expandir o monitoramento do Ártico, mas enormes lacunas persistem por causa de sua vasta extensão e condições adversas. Como na maioria das ciências, as observações até o momento são limitadas a locais onde os cientistas podem chegar com facilidade, ao invés de locais que assegurariam a máxima cobertura do monitoramento. Das questões de pesquisa que emergem em torno do Ártico no Antropoceno - esta nova época geológica definida pelos impactos humanos sobre o planeta - o destino do permafrost se agiganta como um desconhecido conhecido, como a Academia Nacional de Ciências reconheceu em um relatório de abril passado.

Uma coisa é clara, no entanto: o Antropoceno se mostrou até agora hostil ao gelo, o que deve piorar à medida que um novo Ártico emerge. “Esta é uma situação sem precedentes”, diz Schaefer. “Quanto mais rápido se queima combustíveis fósseis, mais rápido o Ártico vai se aquecer”.