Cientistas afirmam que o desmatamento e as mudanças climáticas são responsáveis pelas florestas não produzirem as nuvens de vapor que trazem chuva para o centro oeste e sudeste do Brasil
A seca sem precedentes que afeta São Paulo é atribuída à ausência dos “rios voadores”, as nuvens de vapor da Amazônia que normalmente trazem chuva para o centro e o sul do Brasil.
Alguns cientistas brasileiros afirmam que a falta de chuva que secou rios e reservatórios na região central e sudeste do Brasil não é apenas um capricho da natureza, mas uma mudança provocada por uma combinação do desmatamento contínuo da Amazônia com o aquecimento global.
Esta combinação, dizem eles, está reduzindo o papel de “bomba d’água gigante” da floresta amazônica que libera bilhões de litros de vapor d'água das árvores para a atmosfera.
O meteorologista José Marengo, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, foi o primeiro a cunhar o termo “rios voadores” para descrever os grandes volumes de vapor que sobem da floresta, viajam em direção ao oeste e então, bloqueados pela Cordilheira dos Andes, voltam-se para o sul do continente.
As imagens de satélite do Centro de Previsão de Tempo e Clima do INPE mostram claramente que, durante janeiro e fevereiro deste ano, os rios voadores não conseguiram chegar ao sudeste, ao contrário dos cinco anos anteriores.
O desmatamento em todo o Brasil atingiu proporções alarmantes: 22% da Amazônia), 47% do Cerrado e 91,5% da mata atlântica.
Os últimos números do Deter, o sistema de detecção de desmatamento em tempo real baseado em imagens de satélite operado pelo INPE, mostram que, depois de cair por dois anos, o desmatamento na Amazônia voltou a subir em 10% entre agosto de 2013 e julho de 2014.
Tocantins, Pará e Mato Grosso, os três estados da região amazônica que mais sofreram desmatamento, registram temperaturas médias mais elevadas.
Já em 2009, Antônio Nobre, um dos principais cientistas do clima do Brasil, alertou que, sem os “rios voadores”, a região que produz 70% do PIB da América do Sul se transformaria em deserto.
Em uma entrevista ao jornal Valor Econômica Nobre disse que "destruir a Amazônia para o avanço da fronteira agrícola é como dar um tiro no próprio pé. A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que puxa umidade do Atlântico para o continente e garante a irrigação da região”.
“É claro que precisamos de agricultura”, disse ele, “mas sem árvores não haveria água e sem água não há comida”.
“Uma tonelada de soja precisa de várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão e o etanol. A água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim o Saara seria verde porque tem um solo extremamente fértil”.
Como outros cientistas do clima, Nobre acha que o papel da floresta Amazônica na produção de chuva tem sido subestimado. Em um único dia, a região amazônica bombeia 20 bilhões de toneladas de vapor para a atmosfera, mais do que as 17 milhões de toneladas de água que o rio Amazonas descarrega a cada dia no Atlântico.
“Uma árvore grande com uma copa de 20 metros de diâmetro evapora até 300 litros por dia. Um metro quadrado de floresta pode conter entre oito e 10 metros quadrados de superfície de folhas e evapora de oito a 10 vezes mais do que a mesma área de oceano. Este rio voador, que sobe para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra”.
O temor é que, se a floresta amazônica continuar a ser desmatada no ritmo atual, eventos como a seca sem precedentes de 2010 ocorrerão com maior frequência. As queimadas feitas pelos agricultores para limpar áreas para plantio ou criação de gado a tornarão mais vulnerável.
Nobre explicou: "A fumaça de incêndios florestais introduz muitas partículas na atmosfera, seca as nuvens, e não chove. Durante o período de seca, e de incêndios, a floresta sempre reteve um pouco de chuva que a deixava úmida e não-inflamável, mas agora dois meses se passam sem chuva, a floresta fica muito seca e o fogo lambe o solo da floresta. As árvores da Amazônia, ao contrário das do Cerrado, não têm resistência ao fogo".
O aviso de Nobre feito em 2009 dizia que, se o desmatamento não cessasse, haveria uma catástrofe em cinco ou seis anos. Cinco anos depois, suas palavras provam terem sido proféticas enquanto São Paulo e todo centro e o sudeste do Brasil sofrem sua pior seca, com efeitos devastadores sobre a agricultura, a geração de energia e abastecimento doméstico e industrial de água.
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* Jan Rocha para a Climate News Network, publicado em www.theguardian.com em 15/09/2014; traduzido por Délcio Rodrigues
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