Se assumirmos que a civilização humana existirá por pelo menos mais mil anos, então certamente chegaremos um sistema de energia 100% renovável. Todas as reservas existentes de combustíveis fósseis e aquelas ainda não descobertas destes fósseis e de minerais radioativos acabarão por se esgotar até lá ou serão caras demais para serem extraídas.
Os formuladores de políticas muitas vezes agem como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Infelizmente não temos.
Como a ciência mostra claramente, as emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa devem atingir seu máximo e começar a declinar em menos de uma década [1] se quisermos manter o teto de 2°C para o aumento da temperatura média global, meta com a qual se comprometeram os governos de 192 países membros da Convenção Clima das Nações Unidas (UNFCCC).
Como mostra claramente o relatório sobre impactos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançado em março deste ano [2], acima de 2°C de aumento da temperatura média global a civilização humana tal como a conhecemos (sem mencionar o resto da biosfera) estará em sérios apuros.
Assim, a pergunta não é mais “se” teremos um futuro com 100% de energia renovável, mas sim “como?” e, ainda mais importante, “quão rápido podemos fazer isso?” e “quanto isso vai custar?”.
“Não precisamos gastar os olhos da cara salvando o planeta”, disse o co-presidente do Grupo de Trabalho III do IPCC Ottmar Edenhofer ao apresentar o capítulo “mitigação” do relatório do IPCC em Berlim, em abril passado [3]. Baseados no que agora sabemos, atingir metas climáticas rigorosas custará algo próximo a 0,06% do crescimento anual do PIB durante o resto do século, e isso sem levar em conta as vidas que serão salvas ou muito dos danos climáticos evitados. E sem levar em conta, também, a queda drástica dos custos da energia solar e da energia dos ventos dos últimos 2 ou 3 anos.
Mas as energias renováveis podem dar sua importante contribuição por conta própria? Hoje? Não. Amanhã? Por que não?
Enquanto não é difícil encontrar especialistas que afirmam que as energias renováveis não podem alimentar totalmente nossos sistemas de energia, são poucas as análises que sustentam estas declarações. Ouve-se geralmente algo como “o que você faz quando o Sol não brilha ou o vento não sopra?” acompanhado de justificativas para a utilização da tecnologia favorita do especialista, seja ela nuclear, “carvão limpo”, captura e armazenamento de carbono (CCS) ou alguma outra variação do sistema de energia que nos meteu nesta bagunça climática.
Eles convenientemente esquecem que as fontes hídrica, biomassa, solar térmica, geotérmica são tão variáveis quanto a energia dos ventos e a solar fotovoltaica. Esquecem-se que o Brasil, a Noruega e a Nova Zelândia têm sua oferta de eletricidade quase 100% renovável, e que a Dinamarca, a Suécia e outros países estão se movendo nessa direção.
Esquecem-se que com redes de transmissão de ampla cobertura e potência a energia pode ser levada com eficiência de uma região a outra e esquecem o crescente movimento de proprietários de habitações e de empresas pela autossuficiência de suas edificações, principalmente por meio da instalação de sistemas descentralizados de geração de energia solar fotovoltaica e de outras tecnologias de pequena escala cujos custos caíram drasticamente nos últimos anos.
Com armazenamento suficiente (por bombeamento de água, ar comprimido, baterias, células de combustível etc.), usinas renováveis e despacháveis suficientes e com eficiência energética, conservação de energia, redes inteligentes e sistemas de gestão da demanda, certamente é tecnicamente viável alimentar nossa economia com 100% de energia renovável, como várias simulações feitas em diferentes partes do mundo têm mostrado.
Além disso, nos países de grande penetração de fontes renováveis, como a Dinamarca por exemplo, se observa uma participação muito maior da energia elétrica no sistema de energia total, não só para o transporte, mas para o aquecimento também.
O fato é que um futuro 100% renovável é tecnicamente viável, e terá baixo ou nenhum impacto negativo sobre o PIB, especialmente quando se for considerada a economia de combustível envolvida na maioria dos casos e a necessária remoção de US$650 bilhões ao ano - ou mais - em subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis. A questão é saber se é politicamente viável.
Nós realmente temos muito pouco tempo para agir antes que a situação climática passe de mal a catastrófica, o que pode fazer com que a tomada de decisões saia das mãos de governos democraticamente eleitos para as dos serviços de emergência e até, nos piores casos, das forças armadas.
Os elevados custos de capital necessários para investimento em um futuro renovável serão mais do que pagos pela economia de combustível, sem mencionar todas as outras economias que serão obtidas pela redução de despesas em campos de refugiados, diques e combate a incêndios. No entanto, a verdadeira questão não é se podemos ou não pagar. Nós claramente não poderemos pagar pelos custos da inação... e não temos muito tempo.
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*Steve Sawyer (Secretário Geral do Global Wind Energy Council - GWEC); publicado originalmente no Huffington Post - http://www.huffingtonpost.com/stevesawyer/a-renewable-energy-future_b_5725712.html e traduzido por Délcio Rodrigues.
[1] http://www.ecofys.com/en/publication/feasibility-de-GEE de emissões-phase-out-a-meio-century/
[2] A contribuição do Grupo de Trabalho II do IPCC para o 5º Relatório de Avaliação de impactos, adaptação e vulnerabilidade foram lançadas em Yokohama, Japão, em 31 de março de 2014 - www.ipcc.ch
[3] Ver http://www.mitigation2014.org
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