segunda-feira, 28 de julho de 2014

É possível descarbonizar o planeta até 2050



O relatório Pathways to Deep Decarbonization mostra como os países mais poluidores (inclusive o Brasil) podem baixar drasticamente a concentração de carbono em suas atividades até 2050 e, com isso, contribuir para que a temperatura do planeta não aumente 2 graus centígrados, por meio de ações em três eixos:
- Aumento da eficiência e da responsabilidade no consumo de energia;
- Descarbonização do setor elétrico, com investimentos em fontes renováveis e nuclear e em tecnologias de sequestro de carbono;
- Desenvolvimento de biocombustíveis, veículos elétricos, células de hidrogênio e outras tecnologias que reduzam as emissões do setor de transportes.
A versão preliminar do relatório pode ser obtida em http://unsdsn.org/wp-content/uploads/2014/07/DDPP_interim_2014_report.pdf

Interesses, ideologia e clima

Neste artigo, o prêmio Nobel Paul Krugman (MIT / Princeton) analisa as razões da dificuldade de um consenso politico para a ação contra as mudanças climáticas e conclui que a ideologia econômica liberal somada ao anti-intelectualismo da direita têm sido os principais entraves. A esperança, segundo Krugman, é que as ações necessárias não forçarão as pessoas a aceitarem grandes perdas monetárias.



(Publicado por Paul Krugman no New York Times, em 08/06/2014; traduzido por Délcio Rodrigues)

Há três coisas que sabemos sobre o aquecimento global provocado pelo homem. Em primeiro lugar, as consequências serão terríveis se não agirmos rápido para limitar as emissões de carbono. Em segundo lugar, em termos econômicos puros, a ação necessária não é tão difícil: controles de emissões, se bem feitos, provavelmente vão tornar o crescimento econômico mais lento, mas não por muito tempo. Em terceiro lugar, o consenso político em torno das ações necessárias é, ainda, muito difícil.

Mas por que é tão difícil agir? O que impede a ação são interesses escusos?

Estive estudando essa questão e cheguei à conclusão surpreendente de que não é, principalmente, devido aos interesses escusos. Estes, naturalmente, existem e desempenham um papel importante; o financiamento dos interesses dos combustíveis fósseis tem desempenhado um papel crucial na manutenção da ilusão de que a ciência do clima é menos estabelecida do que realmente é. Mas as apostas não são tão grandes como se imagina. O que torna a ação racional sobre o clima tão difícil é outra coisa - uma mistura tóxica de ideologia e anti-intelectualismo.

Antes de chegarmos a isso, no entanto, uma observação sobre economia.

Eu já observei em colunas anteriores que todos os estudos - ao os menos parcialmente sérios - do impacto econômico da redução de carbono, incluindo o recente estudo pago pela antiambientalista Câmara de Comércio dos EUA, encontram custos modestos, na sua maioria. A experiência prática aponta na mesma direção: na década de 1980 os conservadores alegaram que qualquer tentativa de limitar a chuva ácida poderia ter consequências econômicas devastadoras; na realidade, o sistema de cap-and-trade para o dióxido de enxofre foi muito bem sucedido a um custo mínimo; já os estados do Nordeste dos EUA têm um sistema cap-and-trade para o carbono desde 2009, e até agora as suas emissões têm caído drasticamente, enquanto suas economias cresceram mais rapidamente do que as do resto do país. O ambientalismo não é o inimigo do crescimento econômico.

Mas proteger o meio ambiente, no entanto, imporia custos sobre alguns setores e regiões? Sim, mas não tanto quanto se pensa.

Considere-se, em particular, a tão apregoada “guerra ao carvão”. É verdade que tomar a sério o aquecimento global implica, acima de tudo, cortes (e eventualmente eliminação) da energia do carvão, o que iria prejudicar as regiões dos EUA (e outros países) que dependem da mineração de carvão. O que raramente é dito é quão poucos empregos ainda existem nesta indústria.

Houve um tempo em que o Rei Carvão era de fato um grande empregador: no final da década de 1970, havia mais de 250 mil mineiros de carvão nos EUA. Desde então, porém, estes empregos caíram em dois terços, e não porque a produção baixou – subiu, e substancialmente -, mas porque a maioria do carvão vem agora das minas a céu aberto, que precisam de poucos trabalhadores. Atualmente a mineração de carvão é responsável por apenas um-dezesseis-avos de um por cento do emprego total dos EUA (0,06%); desligar toda a indústria do carvão eliminaria menos postos de trabalho do que os EUA perderam, em média, a cada semana da Grande Recessão de 2007-9.

Ou, colocado de outra maneira: a verdadeira guerra contra o carvão, ou pelo menos contra seus empregos, ocorreu uma geração atrás, travada não por ambientalistas liberais, mas pela indústria do carvão. E os trabalhadores perderam.

Os proprietários de minas de carvão e usinas de energia movidas a carvão têm interesse financeiro no bloqueio da política ambiental, mas mesmo ali os interesses não são lá tão grandes. Então, por que a oposição à política climática é tão intensa?

Bem, pense sobre o aquecimento global a partir do ponto de vista de alguém que cresceu levando Ayn Rand a sério, acreditando que a busca desenfreada do próprio interesse é sempre boa, e que o governo é sempre o problema, nunca a solução. Aí vêm alguns cientistas declarando que a busca irrestrita do interesse próprio irá destruir o mundo, e que a intervenção do governo é a única resposta. Não importa quão amigável ao mercado seja a intervenção proposta, será um desafio direto à visão de mundo liberal.

E a reação natural é a negação - negação furiosa. Leia ou assista qualquer debate mais prolongado sobre política climática e você ficará impressionado com o veneno, a pura raiva, dos que negam a ciência climática.

O fato das preocupações com o clima basearem-se no consenso científico torna as coisas ainda piores, porque isto não significa nada para o anti-intelectualismo - que sempre foi uma força poderosa na vida norte-americana, principalmente para a direita. Não surpreendente que tantos políticos de direita e especialistas rapidamente desenvolvam teorias conspiratórias, acusações de que milhares de pesquisadores ao redor do mundo foram coniventes com uma fraude gigantesca, cujo verdadeiro objetivo é um grande aumento no poder dos governos. Afinal de contas, a direita nunca gostou ou confiou de primeira em cientistas.

Assim, o obstáculo real ao enfrentamento do aquecimento global é a ideologia econômica reforçada pela hostilidade à ciência. Em alguns aspectos, isto torna a tarefa mais fácil: nós, de fato, não precisamos forçar as pessoas a aceitarem grandes perdas monetárias. Mas temos que superar o orgulho e a ignorância deliberada, o que é, de fato, difícil.

Elefante na atmosfera

Gestores das maiores empresas de petróleo se chocam com investidores em relação às mudanças climáticas
(traduzido por Delcio Rodrigues: The Economist:19/07/2014)



Em setembro de 2013 um grupo de investidores institucionais que opera investimentos de três trilhões de Libras perguntou às 45 maiores empresas mundiais de petróleo como as mudanças climáticas podem afetar os seus negócios e, em particular, se qualquer de suas reservas de petróleo pode se tornar no futuro “ativos encalhados", inutilizáveis, no caso das leis para a redução de emissões de dióxido de carbono ficarem mais apertadas. Exxon, Mobil e Shell retornaram sua avaliação de risco: zero. "Nós não acreditamos que qualquer uma de nossas reservas provadas vai se tornar 'encalhada'", disse a Shell. Em muitos setores econômicos, investidores e gestores estão tentando aproveitar o poder dos mercados para fins ambientais. No setor de petróleo e – o que, de longe, é responsável pela maior emissão de carbono –investidores e gestores parecem se posicionar em rota de colisão.

Os gigantes do petróleo se escudam em três argumentos. Em primeiro lugar, ao longo dos próximos 40 anos, o crescimento da população e da renda nas nações aumentará a demanda por energia, especialmente nos países em desenvolvimento. A Exxon prevê que os combustíveis fósseis serão responsáveis por três quartos da demanda de energia em 2040 e as energias renováveis (como a solar e eólica) por apenas 5%. A Shell prevê a quota de combustíveis fósseis em dois terços. Isto deverá manter os preços do petróleo em níveis elevados.

Em segundo lugar, as empresas descartam a ideia de que os governos farão algo para mudar este quadro. A Shell disse: "Nós não vemos atualmente os governos tomando medidas consistentes com o cenário de 2°C", isto é, restringindo as emissões de carbono de modo a limitar o aumento da temperatura global a 2°C acima dos níveis pré-industriais. Tais medidas implicariam reduzir em 80% as emissões dos gases que alteram o clima até 2050; e a perspectiva disso, diz a Exxon, está fora "da faixa do que é razoavelmente-provável-que-ocorra entre as hipóteses de planejamento". Jeremy Leggett, do Carbon Tracker Initiative, um grupo que aconselha os investidores, acredita que as empresas de petróleo estão apostando que a energia barata e acessível seja um trunfo contra transformar a mudança climática em uma preocupação política.

Em terceiro lugar, a Shell faz uma afirmação ainda mais estreita: uma vez que o que chama de "reservas-provadas-vida" (reservas provadas divididas pela taxa de produção) é de apenas 11,5 anos, o seu valor atual não será afetado por limites regulamentares em período de 20 ou 30 anos. Embora um projeto de petróleo possa ser executado ao longo de décadas, o prazo de retorno, diz a empresa, está concentrado em seus primeiros anos, por isso os atuais projetos já terão sido pagos muito antes de que leis mais duras entrem em vigor (o que, naturalmente a Shell pensa que não vai ocorrer).

Estarão então os investidores felizes – supondo que as empresas estejam corretas – com a perspectiva de suas ações fazerem grandes quantidades de dinheiro independentemente do que vier a acontecer com o clima do Planeta? Claro que não. O Carbon Tracker escreveu à Shell questionando praticamente todos os argumentos da empresa. O grupo diz que a proporção das emissões globais sujeitas a alguma forma de regulação passou de metade a mais de dois terços desde 2007 (embora a Austrália tenha há pouco desfeito o seu sistema de comércio de carbono); por isso os governos não são tão indolentes como a empresa pensa. Além disso, políticas amigas do ambiente e crescimento econômico não são mutuamente exclusivas: a maioria dos governos quer os dois, e as empresas podem muito bem estarem erradas supondo que os governos vão sacrificar o primeiro para obter o segundo.

O Carbon Tracker também pensa que a Shell está se tornando muito dependente de preços altos, ressaltando que, em números da própria empresa, a proporção de sua produção potencial proveniente de projetos com “breack-even” de US$80 por barril (a preços correntes) duplicará entre agora e 2025. Isto tornaria a empresa vulnerável a uma precificação da emissão de carbono capaz de trocar a demanda por petróleo por uma demanda de energia de baixo carbono.

O grupo consultor critica todas as empresas de petróleo por fazerem muito pouco pela diversificação de seus riscos. Ele diz que as empresas de petróleo estão planejando investimentos de 490 bilhões de dólares por ano – mais de duas vezes o que pagam em dividendos – em reservas que vão exigir um preço do petróleo maior que US$80 para serem rentáveis. Há de se reconhecer que as empresas também estão vendendo mais gás, uma diversificação de riscos, mas, em geral, os consultores indicam, as empresas de energia estão fazendo uma aposta tipo “o-dobro-ou-nada” no petróleo caro.

As empresas de petróleo estão quase certamente corretas em apostarem que os governos não fazem o suficiente para manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C. Esta é ainda a política oficial em quase toda parte, e talvez seja apenas uma questão de tempo até que alguém diga que este limite não poderá mais ser mantido. Mas os investidores podem estar corretos ao pensar que os gestores estão apostando suas empresas em cenários de preços elevados do petróleo, que isto é um jogo perigoso e que a aplicação de um desconto sobre o valor de seus investimentos pode fazer sentido. Claro que, se os chefes do petróleo estão certos, especialmente se o clima não esquentar tanto quanto os cientistas temem, os investidores vão continuar colocando seu dinheiro em ativos de petróleo produtivos. Mas se o Carbon Tracker estiver correto, os investidores vão liquidar suas ações de petrolíferas, o que deve acontecer se as empresas estão fazendo uma grande e falha aposta.