quinta-feira, 10 de abril de 2014

De olho no Congresso: é bem possível que a votação do marco regulatório das ONGs seja no próximo 15 de abril

O deputado e relator Décio Lima soltou sua revisão de texto do marco regulatório das ONGs, o PL 3.877/2004 que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não-Governamentais. Quem tem interesse nisso tem que ficar de olho, é bem possível que o projeto venha a ser votado na semana que vem, dias 15 ou 16 de abril.

Esta é a versão do texto feita pelo deputado:

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA
PROJETO DE LEI No 3.877, DE 2004
Dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não-Governamentais e dá outras providências.
Autor: SENADO FEDERAL
Relator: Deputado Décio Lima

I - RELATÓRIO
Cuida-se da análise do PL 3877, de 2004, do Senado Federal, em epígrafe, ao qual se encontram apensadas outras vinte e cinco proposições, para o fim de tratar do importante e sempre atual tema da colaboração entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil.

Adotamos o bem lançado relatório proferido na Comissão de Finanças e Tributação, procedendo às atualizações necessárias.
O Projeto de Lei nº 3877, de 2004, é oriundo do Senado Federal, cabendo à Câmara dos Deputados, proceder à sua revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal.

Naquela Casa, a matéria foi aprovada na forma de Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 7, de 2003, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito das Organizações Não-Governamentais (CPI - ONG).

No art. 1º, dispõe-se que são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento de entidades de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos e normas estatutárias visem a fins de interesse público, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. Dispõe-se, ainda, que a mera constituição de pessoa jurídica de direito privado, nos termos dispostos no caput do artigo, não enseja sua qualificação como:
I - instituição criada com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições federais de ensino superior e pesquisa científica e tecnológica, assim definida na Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994;
II – Organização Social, assim definida na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998; III - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, assim definida na Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999.
A par disso, a proposição trata da prestação de contas anual dos recursos recebidos (art. 2º); da catalogação das entidades em cadastro especificamente voltado a essa finalidade, mantido pelo Ministério da Justiça (art. 3º); das condições específicas para recebimento de subvenções governamentais (art. 4º) e da exigência de autorização do Ministério da Justiça para funcionamento, quando se tratar de entidades de origem estrangeira (art. 5º).
Apensados a esta proposição, acham-se os seguintes projetos de lei:
1) PL 3841/2004, do Deputado José Santana de Vasconcellos, que “Dispõe sobre as regras para registro de Organizações não Governamentais - ONGs, estabelece normas para celebração de convênio entre aquelas e o Poder Público, e dá outras providências”;
2) PL 2312/2003, da Comissão de Legislação Participativa, que “Dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional das Organizações Não-Governamentais”;
3) PL 3892/2004, do Deputado Ivan Ranzolin, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadastramento pelo Poder Executivo de organizações não governamentais estrangeiras que atuem ou pretendam atuar no Brasil e dá outras providências”;
4) PL 4574/2004, do Deputado Ronaldo Vasconcellos, que “Torna possível às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, manter a qualificação obtida com base em diplomas legais diversos”;
5) PL 4529/2004, do Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, que “Altera o Código Civil, para estender a fiscalização do Ministério Público às organizações não-governamentais que realizem parcerias com o Poder Público”;
6) PL 611/2007, do Deputado Sebastião Bala Rocha, que “Dispõe sobre as organizações nãogovernamentais estrangeiras, cria o Registro Nacional de Organizações Não-Governamentais e dá outras providências”;
7) PL 644/2007, do Deputado Índio da Costa, que “Dispõe sobre a caracterização das Organizações Não-Governamentais para efeito de contratação com o Poder Público e dá outras providências”;
8) PL 2730/2011, do Deputado Valmir Assunção, que “Estabelece o regime jurídico das relações conveniais entre a Administração Pública e entidades privadas sem fins lucrativos para consecução de finalidades comuns”;
9) PL 3328/2012, do Deputado Jorginho Mello, que “Regula os convênios celebrados por órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional com entidades privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse coletivo”;
10) PL 3583/2012, do Deputado Pedro Novais, que “Dispõe sobre a celebração de convênio ou contrato de repasse de órgãos do setor público com entidades privadas sem fins lucrativos”;
11) PL 1880/2007, do Deputado Lira Maia, que “Dispõe sobre o funcionamento das Organizações Não-Governamentais e dá outras providências”;
12) PL 2118/2007, do Deputado João Bittar, que “Dispõe sobre a criação de Cadastro Nacional Único das Organizações Não-Governamentais”;
13) PL 4366/2008, do Deputado Rodovalho, que “Estabelece exigência para entidades compostas de estrangeiros que atuem na Amazônia Legal”;
14) PL 385/2011, do Deputado Roberto de Lucena, que “Estabelece exigência para entidades compostas por estrangeiros que atuem na Amazônia Legal.”;
15) PL 4507/2008, do Deputado Osório Adriano, que “Dispõe sobre a criação, organização e funcionamento das Organizações Não-Governamentais e dá outras providências”;
16) PL 5070/2009, do Deputado Osório Adriano, que “Acrescenta o Inciso VII ao art. 2º da Lei nº 6.634, de 02 de maio de 1979, para estender a competência do Conselho de Segurança Nacional no que tange à instalação e controle das organizações não governamentais (ONG's) e entidades similares, criadas ou administradas por estrangeiros”;
17) PL 5950/2009, do Deputado Francisco Praciano, que “Altera dispositivos da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, estabelecendo a obrigatoriedade de realização de concursos de projetos para a escolha de OSCIP interessada em celebrar Termo de Parceria com órgãos estatais e determinando a participação dos Conselhos de Políticas Públicas nos processos de aprovação, fiscalização e avaliação das parcerias realizadas pelo poder público com as organizações não-governamentais qualificadas como OSCIP”;
18) PL 2764/2011, do Deputado Eliseu Padilha, que “Altera a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que "dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou Organizações não governamentais (ONG), institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências", para promover alterações gerais e dispor sobre os mecanismos de controle e fiscalização do Termo de Parceria ou Convênio firmado com o Poder Púbico”;
19) PL 2864/2011, da Deputada Lauriette, que “Dispõe sobre a transparência na transferência de recursos financeiros do governo federal em convênios com Organizações Sociais de Interesse Público.”
20) PL 4913/2012, do Deputado Onofre Santo Agostini, que “Dispõe sobre a fiscalização e requisitos necessários para celebração de convênios e parcerias entre os órgãos públicos e organizações não governamentais.”
21) PL 5093/2013, do Deputado Wellington Fagundes, que “Dispõe sobre normas gerais para concessão de benefícios custeados com recursos públicos a entidades privadas sem fins lucrativos.”
22) PL 6881/2013, do Deputado Acelino Popó, que “Estipula que os presidentes, sócios, diretores e administradores de ONGs e OSCIPs tenham que cumprir com todos os requisitos da ficha limpa”.
23) PL 6578/2013, do Senado Federal, que “Estabelece a exigência de experiência prévia para que entidades sem fins lucrativos firmem parcerias com o Poder Público”.
24) PL 7.168, de 2014, do Senado Federal, que “Estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento e altera as Leis nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e nº 9.790, de 23 de março de 1999.”
25) PL 7.229, de 2014, do Deputado Luiz Carlos, que “Acrescenta o inciso XIII ao art. 3º da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências.”
A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou a proposição oriunda do Senado Federal, PL 3877/2004, e rejeitou as demais que então já estavam a ela apensadas.
A Comissão de Seguridade Social e Família foi favorável ao PL 3877/2004 e aos apensados até então, na forma de SUBSTITUTIVO.
A Comissão de Finanças e Tributação votou pela compatibilidade e adequação financeira e orçamentária do Projeto de Lei nº 3.877/2004, dos PL's nºs 2312/2003, 3841/2004, 3982/2004, 4259/2004, 4574/2004, 611/2007, 644/2007, 1880/2007, 2118/2007, 4366/2008, 4507/2008, 5070/2009, 5950/2009, 385/2011, 2730/2011, 2764/2011, 2864/2011, 3328/2012, 3583/2012, 4913/2012, 5093/2013, apensados, e do Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família.
Cabe, agora, a esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania a apreciação de todas as proposições, no que tange à constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, para ulterior deliberação do plenário da Casa.
É o relatório.
II - VOTO DO RELATOR
A matéria objeto das proposições ora em apreço consta da ordem do dia, quando se trata de buscar um Estado mais eficiente e mais transparente, principalmente no que concerne à gestão e aplicação de recursos públicos.
Elaborar uma legislação que regule a contento as relações entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, na busca de parcerias positivas para o desenvolvimento nacional, constitui grande e inadiável desafio para o legislador.
O relatório final da CPI das ONGs, realizada pelo Senado entre 2007 e 2010, já apontava essa necessidade:
“O problema recorrente de falta de regulação, fiscalização e controle precisa ser tratado urgentemente (...). A solução para esses problemas passa pela edição de uma lei, em sentido estrito, disciplinando as parcerias firmadas entre Estado e entidades privadas sem fins lucrativos.”
No mesmo sentido é a conclusão da pesquisa sobre “Modernização do sistema de convênio da Administração Pública com a sociedade civil”, realizada pelo Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no âmbito do projeto “Pensando o Direito”, da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça:
“Da forma como está colocada, a regulamentação cria insegurança jurídica e cria restrições ou imposições típicas do regime jurídico de direito público às organizações de direito privado sem fins lucrativos, restringindo direitos. Assim, recomenda-se que uma eventual proposta de elaboração normativa para a modernização do sistema de convênios da administração pública com a sociedade civil seja contemplada num diploma normativo específico, a fim de superar de forma definitiva essa questão.”
Dentre todas as proposições que ora se apresentam para análise, o PL 7.168, de 2014, do Senado Federal, é, sem sombra de dúvida, o mais abrangente, a par de ser o mais atualizado e que mais recebeu contribuições da sociedade civil, o que merece destaque para os fins deste relatório.
II.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS DISCUSSÕES: audiências públicas, grupos de trabalho, seminários
A Constituição Federal de 1988 consagrou princípios da participação social no ciclo das políticas públicas. De lá para cá, o Brasil mudou de maneira significativa. As organizações da sociedade civil participam da formulação de políticas públicas por meio dos mecanismos de Conselhos e Conferências. Muitas delas estão na ponta atuando na implementação direta das políticas e programas por meio de parcerias diretas com o Estado. Fazem o monitoramento e apoiam a avaliação nos mais diversos espaços de participação social existentes. Tudo isso só é possível, graças a uma abertura do Estado brasileiro pelo processo de redemocratização havido no país, no qual as organizações da sociedade civil foram também protagonistas.
As organizações da sociedade civil historicamente contribuíram para a atenção e o cuidado com os mais pobres e excluídos, tendo vocação exercida para amplificar vozes de diferentes grupos sociais vulneráveis, lutando pela promoção e garantia de seus direitos fundamentais. Atualmente criam soluções inovadoras e criativas com as comunidades que mobilizam, constroem tecnologias sociais e ambientais significativas, além de exercerem papel de aglutinação de pessoas em prol de causas públicas que cobra do Estado estar mais atento e alinhado com a realidade das demandas sociais. São essas organizações da sociedade civil que ajudam a construir um Brasil melhor e que há muitos anos lutam por uma legislação que as reconheça e as valorize como atores legítimos da nossa Democracia.
Uma grande articulação da sociedade civil, bastante representativa de mais de 50.000 organizações, movimentos sociais, entidades religiosas, institutos e fundações privadas – a “Plataforma por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”1 – tem trabalhado fortemente para a construção e implementação de um novo marco regulatório para as organizações da sociedade civil nesse último período de 2011 a 2014. Desde as últimas eleições de 2010 que o grupo atua em uma agenda comum de pautas, reivindicações e propostas.
Seus integrantes buscam o fomento à participação cidadã por meio de organizações da sociedade civil que sejam autônomas, comprometendo-se, por sua vez, a zelar pelo sentido público de sua atuação, além de adotar práticas de boa gestão e transparência. Trabalham por normas e políticas que promovam um ambiente estimulante e seguro para o engajamento cidadão em causas de interesse público.
Esse movimento impulsionou a criação de um grupo de trabalho no Governo Federal, por meio do Decreto n. 7568/2011, com representantes da sociedade civil e governo, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, a fim de desenvolver uma proposta de legislação que contemplasse os desafios do setor. O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) teve participação de 7 (sete) ministérios e 14 (quatorze) organizações da sociedade civil, realizou diversos debates e ampliou a oitiva por meio de reuniões bilaterais com os ministérios de política finalística.
Em agosto de 2012, os resultados dos trabalhos do GTI foram descritos em um Relatório Final disponível na internet2 contendo diversas propostas para o aperfeiçoamento da agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, com ênfase no aspecto da “contratualização”: a relação das organizações da sociedade civil e suas parcerias com o Poder Público. O diagnóstico de insegurança jurídica do grupo revelou que a ausência de lei própria e estruturante para regular a relação se constitui hoje num obstáculo que precisa ser transposto.
O projeto de lei ora relatado passa então por diversos mecanismos de oitiva da sociedade brasileira, desde os trabalhos desenvolvidos pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, passando pelas audiências públicas havidas nesta Casa e no Senado Federal, pelos subsídios produzidos e ofertados pela articulação da Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, pelo Grupo de Trabalho Interministerial
1 Acesso em www.plataformaosc.org.br Disponível em 03/04/2014.
2 Acesso em http://www.secretariageral.gov.br/mrosc/historico-1/relatorio Disponível em 03/04/2014.
Instituído pelo Decreto 7.568/2011, além de seminários e pesquisas por diferentes atores realizadas durante a tramitação.
Em síntese, podem-se destacar os seguintes momentos nos quais importantes debates foram realizados para apoiar a elaboração de um projeto de lei que pudesse regular de maneira adequada as parcerias entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil:
A participação social na elaboração do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
2001 -2002 Primeira CPI das ONGs
Catorze audiências públicas realizadas com a presença de representantes de organizações da sociedade civil e de órgãos públicos.
2007-2010 Segunda CPI das ONGs
Onze audiências públicas realizadas com a presença de representantes de organizações da sociedade civil e de órgãos públicos.
Agosto de 2010
Criação da Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, articulação da sociedade civil
9 -11 de novembro de 2011
I Seminário Internacional do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
Realização do I Seminário Internacional do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, com a participação de organizações da sociedade civil, academia e representantes do Poder Público, quando foi elaborado um plano de ação com 50 propostas e dado início ao Grupo de Trabalho Interministerial instituído pelo Decreto nº 7.568/11, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidencia da República.
24.07.2012
Relatório Final do GTI no âmbito do Poder Executivo Federal
Disponibilização do Relatório Final das propostas geradas pelo Grupo de Trabalho Interministerial instituído pelo Decreto nº 7.568/11, que teve participação de 7 (sete) Ministérios do Governo Federal e 14 (quatorze) organizações da sociedade civil com a finalidade de avaliar, rever e propor aperfeiçoamentos na legislação federal relativa à execução de programas, projetos e atividades de interesse público e às transferências de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse, termos de parceria ou instrumentos congêneres.
II.2 Análise do PL 7.168/2014
A lei projetada institui normas gerais para as parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, estabelecidas pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, com organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com as organizações da sociedade civil; e institui o termo de colaboração e o termo de fomento.
Tem como fundamentos a gestão pública democrática, a participação social, o fortalecimento da sociedade civil e a transparência na aplicação dos recursos públicos, tudo em obediência aos princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia.
As parcerias permitem uma série de ganhos institucionais. De um lado, o Estado ganha capilaridade, fica mais “poroso” em sua atuação com a execução de projetos por organizações da sociedade civil que são estratégicos para a implementação de políticas, programas ou ações governamentais. Por outro, as organizações participam da esfera pública de forma não estatal e ganham escala para amplificar o alcance de sua atuação de finalidade pública. Trata-se, pois, de complementaridade entre entes.
De se ressaltar o disposto no art. 74 do projeto, pelo qual responderão pela restituição aos cofres públicos dos valores que não forem corretamente empregados na execução da parceria a organização da sociedade civil e seus dirigentes, bem como o administrador público e o gestor da parceria que, por ação ou omissão, tenham dado causa à irregularidade.
Relevantes e oportunos, ainda, os aprimoramentos empreendidos à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e à Lei que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências (Lei nº 9.790/99).
A seguir, ressaltam-se os principais avanços propostos pelo projeto de lei, que se apresenta de forma estruturante, considerando os aspectos gerais, as fases essenciais das parcerias: planejamento, seleção, execução, monitoramento e avaliação e prestação de contas, e as responsabilidade e sanções aplicáveis aos gestores públicos e privados.
Aspectos Gerais
Abrangência Nacional
No art. 1º, o PL informa sua aplicação em abrangência nacional, em atendimento à demanda de se estabelecer normas gerais para contratação aplicável à Administração Pública Federal, Distrital, Estadual e Municipal. Esta abrangência é importante para conferir maior segurança jurídica, tendo em vista que atualmente há grande disparidade de regras para tratamento das relações de parceria entre entes federados e OSC.
Trata-se abrangência abarcada na competência constitucional da União de estabelecer normas gerais de contratação, inclusive com aplicação para os Estados, Distrito Federal e Municípios (conforme o art.22, XXVII da CF) cumulada com a competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CF) para dispor sobre as transferências de recursos públicos.
Administração Pública Direta e Indireta
Prevê-se a incidência para a Administração Pública Direta – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - e Indireta – Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista prestadoras de serviço público e suas subsidiárias. Vale ressaltar que a característica das relações tratadas neste PL é de mútua cooperação, distinguindo-se da relação de patrocínio, na qual o interesse central é a divulgação da marca do patrocinador a determinada atividade. Assim, a incidência deste PL entre organizações da sociedade civil e Administração Pública Indireta apenas se dará em relações de mútua cooperação.
Instrumentos Jurídicos Específicos
Uma das principais inovações deste PL é a criação de dois instrumentos jurídicos próprios para regular as relações entre governos e OSCs: o Termo de Fomento e o Termo de Colaboração (art. 2º, VII, VIII; art. 16; art.17 e art.84).
O termo de colaboração será o instrumento pelo qual se formalizarão as parcerias estabelecidas pela Administração Pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público propostas pela Administração Pública. O termo de fomento, por sua vez, será o instrumento para parcerias destinadas à consecução de finalidades de interesse público propostas pelas organizações da sociedade civil.
Até o momento, o instrumento jurídico majoritariamente utilizado para as relações entre organizações da sociedade civil e Poder Público é o convênio, criado para regular as relações entre entes do governo federal com entes estaduais e municipais, que foi estendido às organizações.
A criação de instrumentos jurídicos específicos por este PL para todas as organizações contribuirá para que se reconheçam as peculiaridades da sua natureza jurídica de direito privado ainda que na condição de mandatárias de recursos públicos, evitando as analogias indevidas com os entes federados e aplicação de regras inadequadas. A regulamentação posterior que deverá ser feita pelos órgãos públicos poderá detalhar as diferenças de procedimentos para cada termo.
Universo delimitado de organizações
Definem-se no projeto de lei como organizações da sociedade civil as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, prevendo explicitamente que não poderão celebrar parcerias: os clubes, as associações de servidores, os partidos políticos ou quaisquer entidades congêneres (art. 2, I; art.45, VIII).
Um avanço importante trazido por este PL é a sua incidência sobre as organizações da sociedade civil independentemente da exigência de títulos ou certificações. Ou seja, o Termo de Fomento e o Termo de Colaboração poderão ser celebrados com associações e fundações sem fins lucrativos, independente destas entidades terem ou não, títulos ou certificados voltados em sua maioria para a concessão de benefícios tributários como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), Declaração de Utilidade Pública (DUP), Organização Social (OS) ou Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS).
Planejamento
Fase Preparatória
O art. 8º do PL determina que a Administração Pública adote medidas para assegurar a sua própria capacidade técnica e operacional de acompanhamento das parcerias. Isto inclui tanto a capacitação de pessoal, quanto o provimento dos recursos materiais e tecnológicos necessários. Esta previsão é muito importante para que os gestores públicos possam apoiar e acompanhar de maneira efetiva a execução das parcerias celebradas com as organizações.
Detalhamento do plano de trabalho
O art. 22 prevê que tanto o termo de fomento quanto o de colaboração deverão se apoiar em plano de trabalho contendo: diagnóstico da realidade; descrição das metas; formas de avaliação; plano de aplicação de recursos; dentre outros. Este detalhamento, no início da parceria, contribui para a sua boa execução, dando as diretrizes para que o monitoramento, a avaliação e análise da prestação de contas ocorram de forma objetiva.
Padronização
De acordo com o art. 23, a Administração Pública deve apresentar critérios e indicadores padronizados em relação a objetivos; metas; métodos; custos; plano de trabalho; e indicadores de avaliação. Com a padronização, permite-se que a avaliação da parceria seja focada no alcance efetivo dos resultados esperados. Sabe-se, no entanto, que as OSCs são atores estratégicos no desenvolvimento de novas ideias e metodologias na implementação de políticas públicas e por isso a importância de se prever a padronização ocorra sempre que possível, permitindo que propostas inovadoras sejam executadas. Este dispositivo também é importante porque demarca o caminho para o controle de resultados, que só é possível com o conhecimento dos meios. Ao padronizar os meios é possível focar mais o controle nos resultados.
Procedimento de Manifestação de Interesse Social
O art. 18 autoriza a sugestão de propostas de chamamento público por OSCs, movimentos sociais, conselhos de políticas públicas e interessados para incentivar a participação da sociedade civil e dos cidadãos na apresentação de propostas ao Poder Público objetivando a celebração de parceria. Ao Poder Público caberá avaliar a possibilidade de realização ou não de um chamamento público objetivando a celebração de termo de colaboração ou de termo de fomento. Com isso, amplia-se a possibilidade de influência no ciclo de gestão da política pública.
Seleção
Chamamento público como regra geral
Trata-se da consolidação de um dos principais avanços trazidos recentemente para as relações de parceria pelo Poder Executivo Federal com a edição do Decreto 7.568/11: a previsão do chamamento público obrigatório.
Com essa regra, privilegia-se a transparência e a isonomia no processo de seleção e de acesso aos recursos públicos, pondo fim a uma das principais polêmicas referentes às parcerias, a forma de seleção. Na ausência de regra própria, o ajustamento dos convênios com as organizações era feito diretamente, sem passar por um processo público de escolha. Com a nova regra, as organizações e seus projetos tem que se inscrever no chamamento público para serem selecionados.
As exceções previstas para celebração de parceria sem chamamento público são: (i) caso de urgência; (ii) casos de guerra ou grave perturbação da ordem pública, (iii) programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança; (iv) casos em que o objeto da parceria esteja sendo realizado adequadamente pela mesma organização há pelo menos cinco anos (art.24 e art. 30).
Exigência de 3 (três) anos de existência da organização
Trata-se de exigência já contida em norma federal (Decreto nº 6.170/2007). Além dos três anos de existência, também se exige que a organização tenha experiência prévia na realização do objeto da parceria ou de natureza semelhante e capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades previstas (art. 24, VII, “a”; “b” e “c”). Isso porque o manejo de recursos públicos exige das organizações conhecimento prévio.
Comissão de seleção
O Projeto de Lei prevê a criação de comissão de seleção dos projetos apresentados que, observados os princípios da impessoalidade e da não discriminação, analisará a adequabilidade do mérito dos projetos aos termos do edital de chamamento público, mediante metodologia de comparação baseada nos critérios previamente definidos no edital.
A exigência de que a composição seja de agentes públicos, designados por ato publicado em meio oficial de comunicação, sendo, pelo menos, 2/3 (dois terços) de seus membros servidores ocupantes de cargos permanentes do quadro de pessoal da Administração Pública realizadora do chamamento público (art. 2º, X), permite que haja especialistas apoiando o processo de seleção mas o mantém como de responsabilidade do órgão.
Execução
Novos princípios e diretrizes
Os artigos 5º e 6º do Projeto de Lei trazem a previsão da incidência de princípios e diretrizes bastante relevantes e específicos para esta relação entre organizações e poder público, orientando gestores públicos e membros de organizações da sociedade civil sobre o espírito que deve emanar da parceria entre si. Dentre as diretrizes, destaca-se a priorização do controle de resultados que busca indicar que o foco do controle deve ser a verificação do cumprimento do objeto e do alcance dos resultados (controle de fins), embora também seja necessário analisar as despesas e formas de execução do objeto (controle de meios) (art.5º e art.6º).
Ficha limpa para organizações e dirigentes
Por meio do art. 39, VII, impede-se a celebração de parceria com organizações e dirigentes que tenham praticados crimes e outros atos de violação aos princípios e diretrizes. Essa medida também já começou a ser aplicada no âmbito do Poder Executivo Federal (Decreto 7568/11) e precisa ser cristalizada numa lei estruturante que oriente a relação de parceria do Estado com as Organizações da Sociedade Civil, o que reforça a importância dessa proposição legislativa.
Pagamento da equipe do projeto
Relevante contribuição está no fato de este Projeto de Lei prever a regulação do pagamento da equipe envolvida na execução da parceria, reconhecendo que os custos advindos do projeto devem ser adimplidos pelo próprio projeto (art.46, I).
Com esse dispositivo, regula-se o pagamento de item extremamente relevante para a execução das parcerias firmadas com as organizações da sociedade civil que são as pessoas que trabalham na execução do objeto, nas mais diversas atividades. Os limites e as condições estipuladas traz segurança jurídica para os gestores públicos e privados. Urge reverter o cenário de precarização das relações trabalhistas que foi sendo gerado em razão da ausência de regulação expressa sobre o tema no âmbito dos convênios com organizações da sociedade civil.
Custos indiretos administrativos; diárias e outros itens
São estabelecidos os limites e condições para o pagamento destes custos, reconhecendo que os itens do plano de trabalho devem ser arcados pelo recurso público da parceria. A possibilidade de pagamento de despesas administrativas já é autorizada por norma federal. O projeto define o que pode ser considerado como custo indireto, gerando mais segurança jurídica e clareza sobre o que pode ou não ser pago com recurso público. (art.47)
Contrapartida
Fica facultada a exigência de contrapartida em bens e serviços economicamente mensuráveis, sendo não exigível a contrapartida financeira. Consolidar uma regra que deixe clara como deve ser a contrapartida na parceria com a organização da sociedade civil é importante. No âmbito federal este tema é atualmente regulado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e há mais de dez anos recebe tratamento legal muito diverso, sendo que a cada ano são alteradas as hipóteses de dispensa, faculdade ou exigência da contrapartida, gerando insegurança jurídica (art.35, §1º).
Atuação em rede
Fica permitida a execução de forma conjunta por duas ou mais entidades para a execução de iniciativas agregadoras de pequenos projetos, sendo estabelecidas regras e condições para a “organização celebrante” e as “organizações executantes e não celebrantes” (art.25). Essa é uma característica de muitas organizações da sociedade civil que se somam para execução de projetos comuns.
Acompanhamento e gestão por plataforma eletrônica
Para gerar transparência e permitir o exercício do controle social, prevê-se que todas as etapas da parceria, desde a seleção até a prestação de contas, deverão ser registradas em plataforma eletrônica. Atualmente no Governo Federal esta plataforma é o SICONV que vem sendo aprimorado para atender as necessidades dos usuários (art. 65, art. 68 e art. 69, §6º). Sem dúvida, é hoje uma plataforma de gestão e registro de informações que permite ao cidadão ter muito mais clareza acerca da aplicação dos recursos públicos em parceria com organizações da sociedade civil.
Monitoramento e Avaliação
Instituição de Comissão de Monitoramento e Avaliação
Inspirada em boas experiências já existentes, a Comissão de Monitoramento e Avaliação acompanhará a execução da parceria, podendo apoiar a sua execução. As atribuições e competências poderão ser previstas pelos órgãos. Os casos concretos demostram um potencial importante da Comissão aprimorar procedimentos, unificar entendimentos, solucionar controvérsias, padronizar objetos, custos e indicadores e fomentar o controle de resultados (art. 2º, XI; art. 35, §6º; art. 66, parágrafo único, II).
A Comissão de Seleção não é a mesma da Comissão de Avaliação e o Monitoramento dos projetos uma vez que a ideia da primeira é ser pontual, conformada a cada chamamento público, e a segunda permanente, tendo a incumbência no órgão de apoiar o trabalho de acompanhamento das parcerias.
Pesquisa junto aos beneficiários
Buscando apoiar o controle de resultados e verificar a efetividade da parceria, o projeto prevê a possibilidade de realização de pesquisa de satisfação junto aos beneficiários finais que são as pessoas que participaram da capacitação; as que receberam alguma prestação de serviço, entre outras (art. 58,§2º). Cada vez os projetos estarão próximos dos cidadãos com essa disposição.
Conselho Nacional de Fomento e Colaboração
Previsão da possibilidade de criação de conselho com composição paritária para divulgar boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações voltadas ao fortalecimento das relações de fomento e parceria (art.15) é relevante para manter um “lócus” institucional de discussão de melhores práticas e aprimoramentos cabíveis nessa agenda do marco regulatório das organizações da sociedade civil.
Prestação de contas
Regras diferenciadas para as parcerias de menor valor
O regulamento poderá, com base na complexidade do objeto, estabelecer procedimentos diferenciados para prestação de contas, desde que o valor da parceria não seja igual ou superior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) (art. 63, §3º).
Consta do relatório do Grupo de Trabalho havido no Governo Federal que, abaixo de R$ 600.000,00 estão 80% da quantidade de parcerias que movimentam 20% do total de recursos e acima de R$ 600.000,00 estão 20% da quantidade de parcerias que movimentam 80% do total de recursos. Esses dados extraídos do SICONV revelam a importância da criação de regras estratificadas para a realização de análise de risco e exigência de obrigações proporcionais, evitando estoques de análises e tornando os procedimentos mais rápidos e objetivos (art.63,§3º).
Sistema de análise e prazos para a prestação de contas
Pela proposta, a entidade privada terá 90 dias para apresentar a prestação de contas e o poder público deverá analisar em até 150 dias. A decisão poderá ser pela: (i) aprovação; (ii) aprovação, com ressalvas; ou (iii) rejeição e instauração de tomada de contas especial. É previsto que os documentos incluídos por certificação digital pela entidade na plataforma eletrônica serão considerados originais. Essas previsões buscam criar um sistema de análise mais eficiente e seguro para análise da prestação de contas das parcerias (art. 69, 70, 71 e 72).
Responsabilidade e Sanções
Das sanções administrativas à entidade
O art. 73 prevê a aplicação de sanções de natureza administrativa à organização da sociedade civil que agir em desacordo com o plano de trabalho ou com as normas legais vigentes. São elas: advertência, suspensão temporária para celebrar novos instrumentos ou participar de chamamentos públicos e declaração de idoneidade.
Da responsabilidade pela execução e pela emissão de pareceres técnicos
O art. 74 e seguintes busca atribuir responsabilidades ao gestor público envolvido na parceria prevendo a possibilidade de responder pela restituição aos cofres públicos dos valores que não forem corretamente empregados na parceria quando por ação ou omissão tenha dado causa à irregularidade.
Conclusão
Em face do exposto, a aprovação do PL 7.168/2014 é um passo importante para as relações de parcerias entre as organizações da sociedade civil e o Poder Público, trazendo as balizas para haja mais transparência e controle dos recursos públicos, além da valorização das organizações como atores fundamentais da democracia brasileira.
Seu conteúdo é resultado de amplo processo de debates, que se iniciou desde as Comissões Parlamentares de Inquérito e que foi sendo aperfeiçoado por meio da articulação das organizações e demais atores envolvidos no tema. Não há dúvidas de que se chegou a uma síntese equilibrada e que em muito contribuirá para a melhoria na gestão e o estímulo à realização das parcerias.
Sua aprovação urge. São dez anos de espera por uma legislação nacional própria, específica para as organizações da sociedade civil, que estabeleça o equilíbrio entre os mecanismos anti-corrupção e seja pró-sociedade. É sua relevância maior, pois, o fato de servir ao combate de fraudes e crimes por um lado, e, do outro, ao reconhecimento do trabalho histórico e contributivo que as organizações da sociedade civil desenvolvem em nosso país.
Assim, o voto é:
I – pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e, no mérito, pela APROVAÇÃO do PL 7.168, de 2014, do Senado Federal;
II – pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e, no mérito, pela REJEIÇÃO do PL 3877/2004 (principal), do PL 3841/04, do PL 2312/03, do PL 3982/04, do PL 4574/04, do PL 4259/04, do PL 611/07, do PL 644/07, do PL 2730/11, do PL 3328/12, do PL 3583/12, do PL 1880/07, do PL 2118/07, do PL 4366/08, do PL 385/11, do PL 4507/08, do PL 5070/09, do PL 5950/09, do PL 2764/11, do PL 2864/11, do PL 4913/12, do PL 5093/13, do PL 6881/13, do PL 6578/13 e do PL 7229/14;
III - pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e, no mérito, pela REJEIÇÃO do Substitutivo da Comissão de Seguridade Social e Família.
Sala da Comissão, em xx de xxxx de 2014.
Deputado Décio Lima
Relator

terça-feira, 1 de abril de 2014

A ditadura que não diz seu nome



Peço licença à Eliane Brum para deixar aqui registrado o muito importante texto que publicou nos 50 anos da ditadura militar brasileira

O imaginário sobre a Amazônia e os povos indígenas, forjado pelo regime de exceção, é possivelmente a herança autoritária mais persistente na mente dos brasileiros de hoje, incluindo parte dos que estão no poder. E a que mais faz estragos na democracia
Eliane Brum 31 MAR 2014
“Quando se quer fazer alguma coisa na Amazônia, não se deve pedir licença: faz-se.”
A declaração é do gaúcho Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5o Batalhão de Engenharia e Construção, um dos primeiros a instalar-se na Amazônia na ditadura civil-militar. Em 1971, ele foi entrevistado para um projeto especial da revista Realidade sobre a Amazônia. O repórter fez ao coronel, apresentado como “lendário” em Rondônia, a seguinte pergunta: “Como é possível fazer as coisas na Amazônia e transformar a região?”. O coronel respondeu:
- Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, chê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho.
É uma declaração de sentidos explícitos – pelo tom em que foi dita, pela certeza da impunidade, pelo orgulho da falta de limites. Pela forma como o coronel vê a Amazônia como território a ser invadido e dominado pela força. O que a ditadura fez na Amazônia, tão longe dos centros de poder e das vozes de resistência, e o que fez com os povos indígenas, ainda precisa ser investigado com muito mais profundidade. Os horrores que já foram descobertos podem ser só a superfície. Mas, se o passado pede luz, o presente precisa ser iluminado com urgência.
A ditadura civil-militar enraizou no imaginário dos brasileiros a visão de que a floresta amazônica é um território-corpo para exploração
Há vários entulhos autoritários corroendo nossos dias, como a Polícia Militar (que, se tem uma história anterior ao golpe de 1964, ganhou mais poderes na ditadura e os mantêm na democracia) e o “auto de resistência” (que serve para a polícia justificar a execução de suspeitos ou desafetos). Mas é no olhar tanto sobre a Amazônia quanto sobre os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas que o Estado autoritário persiste com mais força e menos resistência na mente da maioria dos brasileiros. Persiste da forma mais perigosa, porque traveste como verdade aquilo que é apenas uma imagem a serviço de interesses políticos e econômicos específicos. Talvez em nenhum outro campo o regime de exceção tenha conquistado tanto êxito ao impor seu ideário. E o mantê-lo na democracia.
A ditadura civil-militar enraizou no imaginário dos brasileiros a visão de que a floresta amazônica é um território-corpo para exploração. Se a lógica do explorador/colonizador norteou historicamente a “interiorização” do país, é na ditadura que ela ganha um pacote ideológico mais ambicioso. As peças de propaganda que o regime produziu continuam vivas, mesmo para aqueles que nasceram depois dela, como os slogans “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. É na ditadura que é cimentada a ideia da Amazônia como “deserto verde”, ignorando toda a riqueza humana, a diversidade cultural e biológica que lá existia, ignorando a vida. A disseminação dessa fantasia é tão bem sucedida que se torna verdade. E se torna uma verdade que continua verdade após a redemocratização. Tão verdade que cria uma realidade paradoxal: uma ex-guerrilheira, presa e torturada pelo regime, é quem, na democracia, leva adiante o modelo de desenvolvimento da ditadura para a Amazônia.
É primeiro no governo Lula, e com mais força e empenho a partir da posse de Dilma Rousseff, que grandes obras previstas pelos militares, como a hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu – a mais polêmica, mas não a única – são impostas aos povos da floresta. O conturbado processo que forçou a construção de Belo Monte, entre outras arbitrariedades violou tanto a Constituição quanto tratados internacionais. A Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assegura aos indígenas o direito de serem ouvidos em empreendimentos que vão afetar seu modo tradicional de vida – e não foram. Outras hidrelétricas estão em curso, com grande resistência de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, como as usinas previstas para o rio Tapajós, no Pará.
Uma ex-guerrilheira, presa e torturada pelo regime, é quem, na democracia, leva adiante o modelo de desenvolvimento da ditadura para a Amazônia
É nesse governo eleito que a Força Nacional baixa sobre as comunidades tradicionais que vivem há séculos na área dos megaprojetos com a justificativa, entre outras, de garantir a segurança dos pesquisadores que farão o inventário socioambiental. Na prática, é usada para reprimir a resistência legítima desses povos, cujos direitos são amparados pela Constituição. É na democracia que grandes empresas financiadas pelo dinheiro público do BNDES executam obras que alteram o ecossistema regional sem cumprir suas obrigações, na forma de condicionantes, causando estragos irreversíveis e aniquilando vidas, como se viu agora na enchente histórica do rio Madeira.
É também nesse período democrático que um instrumento criado na ditadura, a “Suspensão de Segurança”, tem sido usado para garantir a continuidade dos megaempreendimentos, como foi denunciado no último 28 de março na Organização dos Estados Americanos (OEA). O instrumento permite a tribunais superiores anular decisões judiciais de instâncias inferiores, independentemente do mérito, se as cortes entenderem que as sentenças representam risco de “ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas”. O mecanismo controverso tem sido usado para derrubar decisões favoráveis a comunidades afetadas por grandes obras, como Belo Monte e a estrada de ferro de Carajás.
E a maioria dos brasileiros não estranha – ou estranha muito pouco – essa versão do “Brasil Grande” da ditadura que se consolida com outros nomes na democracia. Não decodifica essa violência como violência, não decodifica o autoritarismo como autoritarismo. O mais perigoso é sempre aquilo que não detectamos como perigoso, aquilo que se naturaliza como inevitável – e na Amazônia a violência de Estado tornou-se natureza.
O mecanismo autoritário da ‘Suspensão de Segurança’ tem sido usado para derrubar decisões favoráveis a comunidades afetadas por grandes obras
Poderia ser uma surpresa o fato de o mito amazônico forjado na ditadura persistir na democracia. Mas não chega a ser, porque é esse mito, convertido em verdade única, que permite que a Amazônia siga sendo tratada como objeto de espoliação, seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada. Um corpo a ser violado, à disposição de exploradores de passagem, sejam eles técnicos do governo, políticos de amplo espectro partidário, grileiros, madeireiros, mineradores e empreiteiros. Quem nesse território permanece, nele nasce, tem raízes e constrói memória torna-se um obstáculo, como os povos indígenas. Um não-ser, como os ribeirinhos e quilombolas, os invisíveis entre os invisíveis. Um obstáculo não ao desenvolvimento, como se repete à exaustão, mas à manutenção desse mito – à continuidade do ideário que legitima, há décadas, a destruição da floresta e dos povos da floresta para acomodar os interesses dos centros de poder.
Esta é uma entre várias razões para que a afirmação de pertencimento dessas populações seja vista como ilegítima, já que a floresta não seria terra para a vida, mas para a exploração e o uso. Como reivindicar a construção de sentidos naquela que é objeto de passagem e de dilapidação? A Amazônia serve ao centro, numa lógica que ainda obedece, na segunda década do século 21, aos preceitos do sistema colonial, na qual a periferia serve à matriz.
Para muitos, incluindo burocratas do governo instalados em ministérios como o de Minas e Energia, a Amazônia é apenas uma fonte de matérias-primas e de energia para as grandes indústrias que produzem para exportação. Tem sido, também, uma fonte de pagamento de compromissos não pronunciados de campanha, na forma de grandes obras financiadas pelo BNDES. A floresta é também aquela que pode ser derrubada para expandir a fronteira agropecuária, num momento em que os ruralistas constituem a maior bancada suprapartidária, em um Congresso que se pauta pela chantagem, e alcançam níveis inéditos de influência em um governo que assegura apoio pela barganha. É ainda uma reserva simbólica para unir o Brasil que a desconhece num ufanismo tortuoso contra “os gringos que querem tomar a Amazônia”. Nada parece mais eficaz do que criar uma ameaça externa para engordar nacionalismos de ocasião, que só favorecem aos mesmos de sempre. Se é disso que se trata, convém perceber que há um tipo de “gringo” que há muito está lá, em megaprojetos de multinacionais que expulsaram as populações locais com o apoio de sucessivos governos. Na ditadura, mas também na democracia.
Para compreender a Amazônia é preciso se arriscar à alteridade – e nada mais perigoso para quem quer manter seus privilégios do que experimentar outras possibilidades de estar no mundo
A Amazônia é devastada em nome de várias manipulações, concretas e simbólicas. Para que continue a servir aos interesses dos centros de poder, é preciso que o modelo de exploração persista. E, para que persista, quando o aquecimento global e a destruição do meio ambiente se tornam temas vitais no mundo, quando a questão da água ascende ao topo da pauta, é preciso forjar novos inimigos. É nesse contexto que os povos indígenas passam a ser vendidos à população, predominantemente urbana do país, como “entraves ao desenvolvimento”. Isso no discurso tanto de setores conservadores da sociedade quanto em falas oficiais de setores do atual governo.
Aqueles que pertencem à terra são convertidos em despertencidos, o sentido mais profundo de “entrave”, para que a Amazônia se mantenha no mesmo lugar de corpo para violação. Em nome de “interesses nacionais”, quando, de fato, o que se mascara como nacional são, historicamente, projetos de poder de grupos políticos específicos e projetos de lucro de grupos econômicos privados. Estes, fazem alianças circunstanciais ou permanentes para manter a lógica de espoliação intacta. Fizeram na ditadura, fazem na democracia. Sem que se estranhe o suficiente, porque a distância da Amazônia não é apenas geográfica. Para compreendê-la é preciso se arriscar à alteridade – e nada mais perigoso para quem quer manter seus privilégios do que experimentar outras possibilidades de estar no mundo.
Os povos indígenas resistem desde 1500, mas nesse século ampliaram sua voz, pelas possibilidades abertas pela internet, e passaram a divulgar suas narrativas múltiplas. Em comum, a resistência ao genocídio que segue em curso e ganhou roupagens mais sofisticadas. É também por isso que os ataques contra esses povos se acirraram, não apenas na forma de agressões físicas e destruição de aldeias, mas nos vários projetos que tramitam no Congresso e que significam, na prática, sua aniquilação física e cultural. Como não é mais possível silenciar a sua voz, é preciso transformá-los em inimigos. O inimigo não se escuta, diga o que disser, porque não lhe é reconhecida a legitimidade para dizer. Esse é o objetivo da bem sucedida propaganda em curso, que coloca os mais de 200 povos indígenas, habitantes também de outros ecossistemas além da Amazônia, como “entraves ao desenvolvimento” do Brasil. Por estarem no caminho das grandes obras, por estarem coletivamente sobre as terras cobiçadas para lucros privados.
Para que a Amazônia continue sendo território de espoliação é preciso vender ao país a imagem dos povos indígenas como entraves ao desenvolvimento
Nada é mais autoritário do que dizer ao outro que ele não é o que é. Essa também é parte da ofensiva de aniquilação, ao invocar a falaciosa questão do “índio verdadeiro” e do “índio falso”, como se existisse uma espécie de “certificado de autenticidade”. Essa estratégia é ainda mais vil porque pretende convencer o país de que os povos indígenas nem mesmo teriam o direito de reivindicar pertencer à terra que reivindicam, porque sequer pertenceriam a si mesmos. Na lógica do explorador, o ideal seria transformar todos em pobres, moradores das periferias das cidades, dependentes de programas de governo. Nesse lugar, geográfico e simbólico, nenhum privilégio seria colocado em risco. E não haveria nada entre os grandes interesses sem nenhuma grandeza e o território de cobiça.
Quando alguém, mesmo em círculos letrados, afirma que “sem Belo Monte não vai dar para assistir à novela das oito ou entrar no Facebook”, ou brada que “índio tem terra demais”, está cometendo muitas impropriedades. Mas está também mantendo vivo o ideário da ditadura sobre a Amazônia e os povos da floresta. No momento em que o Brasil disseca o golpe que completou 50 anos, tão importante quanto jogar luz sobre o passado é compreender o que dele permanece entre nós – com a nossa estreita colaboração.
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Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Email: elianebrum.coluna@gmail.com. Twitter: @brumelianebrum