quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Energia polêmica: a ANP e o fracking


O que você acha de empregar em larga escala uma tecnologia controversa e potencialmente contaminante dos recursos hídricos para aumentar a produção de gás natural? E fazer isto dentro de um contexto institucional no qual não há experiência na lida com os reais impactos do processo? E sem ter uma legislação clara que obrigue a avaliação de impactos antes da exploração?

Pois é isto o que a Agência Nacional de Petróleo fará amanhã e depois de amanhã, dias 28 e 29/11/2013, quando leiloará 240 blocos de exploração terrestre de gás natural nos estados amazônicos do Acre, Amazonas, Tocantins e Maranhão, nos estados nordestinos de Alagoas, Sergipe, Piauí e Bahia, no Mato Grosso e em Goiás, no centro oeste, em São Paulo, no sudeste, e no Paraná, no sul. Nos blocos da Bahia, Sergipe, Alagoas e no São Francisco, a ANP espera encontrar o gás de folhelho, gás natural preso em rochas que é extraído por meio da polêmica técnica de faturamento hidráulico (fracking), muito utilizada nos EUA, mas vetada em países como França e Bélgica por seus potenciais impactos ambientais.

Uma avaliação da Agência Internacional de Energia apontou que o Brasil pode ter seis trilhões de metros cúbicos de gás de folhelho recuperáveis. A ANP calcula que, entre reservas recuperáveis de gás natural convencional e de folhelho, o país deve ter mais de 10 trilhões de metros cúbicos. Se isto se confirmar as reservas brasileiras passariam ao sexto lugar em volume no mundo, abaixo somente da Rússia, Irã, Qatar, Turcomenistão e EUA.

Na técnica de fracking são perfurados poços verticais até as camadas de folhelho. Nestas profundidades a perfuração passa a ser feita horizontalmente e nestes poços é injetado sob pressão um liquido composto de água, areia e produtos químicos. Quando a rocha se rompe e libera o gás, este líquido retorna à superfície junto com o gás natural carregando contaminantes como hidrocarbonetos, metais e os produtos químicos injetados. Estes efluentes contaminados pelo processo devem então ser armazenados e tratados para que possam ser dispostos adequadamente. Em alguns casos, nos EUA, a autoridade ambiental permite que os efluentes sejam injetados em poços profundos de bacias sedimentares. Para se mitigar a contaminação dos lençóis freáticos e dos aquíferos subterrâneos pelo fracking se injeta cimento nas paredes do poço.

Como toda operação industrial e mineradora o fracking apresenta riscos e tem impactos socioambientais: pode contaminar as águas superficiais, dos lençóis freáticos e dos aquíferos profundos com os produtos químicos utilizados no processo; pode aumentar nestes lençóis e aquíferos a concentração de metano, metais pesados e materiais radioativos; emprega grandes quantidades de água que, em parte, se tornam irrecuperáveis ou fortemente contaminadas; em regiões de escassez hídrica pode criar pressões sociais e ambientais importantes em escala local e regional; e pode contaminar o solo por eventuais vazamentos dos efluentes. Por estas razões a técnica é alvo constante de críticas de comunidades afetadas e de ambientalistas.

Por que então tem-se investido tanto nisso, principalmente nos EUA? A resposta é econômica, claro. O gás natural produzido por fracking tem provocado uma grande transformação na matriz energética dos EUA por seu baixo preço, tão grande que tem sido reputada como um dos principais fatores impulsionadores da recuperação econômica daquele país. O gás afastou da matriz energética norte americana uma parcela importante do carvão mineral anteriormente utilizado para geração elétrica, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa deste que é o segundo maior emissor global destes gases. Porém, mesmo nos EUA, nem tudo é positivo: embora reduza as emissões quando comparado ao carvão, o metano componente do gás natural é também um importante gás de efeito estufa e pesquisas recentes mostram que vazam quantidades significativas deste gás à atmosfera durante as operações de extração. Além disso, grande parte dos poços tem apresentado quedas vertiginosas na produção do gás natural em poucos anos de extração. E os potenciais impactos têm se mostrado reais em muitos casos.

No Brasil o leilão da ANP acontecerá sem que tenhamos uma marco regulatório claro sobre como as explorações devem ocorrer. E sem sabermos muito sobre os riscos socioambientais da extração deste gás não convencional nas condições brasileiras, como foi declarado pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da ciência. A SBPC e outras organizações da comunidade científica e da sociedade civil organizada, entre elas o Vitae Civilis, manifestaram-se contra o leilão nos seus pareceres submetidos à consulta pública feita pela ANP. Organizações técnicas e profissionais ligadas às áreas de meio ambiente e de serviços de água e saneamento protocolaram uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff solicitando a retirada da exploração de gás não convencional do edital destas licitações.

De um ponto de vista mais estratégico, o governo brasileiro deve responder sobre como pretende harmonizar suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa para 2020 com mais este sinal de sua franca disposição em sujar a matriz energética brasileira com carbono fóssil. Não somos os EUA que tem uma matriz preponderantemente fóssil e com grande participação do carvão, na qual a entrada de mais gás natural reduz as emissões de gases de efeito estufa, ao menos temporariamente. Não, ainda temos uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Nesta, a entrada de grandes volumes de gás natural para geração elétrica, a qual aparenta ser o destino mais provável do gás a ser extraído, aumentará nossas emissões, as mesmas que prometemos reduzir em mais de 35% até 2020. Com os investimentos no pré sal e, agora, na exploração do gás natural em terra, ficará difícil cumprir as metas e contribuir para a mitigação da crise climática global.

Continuamos pedindo à ANP que suspenda este leilão até que as questões socioambientais que têm sido levantadas sejam equacionadas, se isto for possível.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sobre mudanças climáticas, desastres nucleares e geoengenharia


Robin Hahnel: continuar a queimar combustíveis fósseis é desastre certo, mas a rápida expansão da energia nuclear não é solução.

Em 3 de novembro James Hansen se juntou a outros cientistas na assinatura de uma carta aberta dirigida a organizações ambientais, instando-as a demonstrar “real preocupação com os riscos da crise climática e convocar ao desenvolvimento e à implantação da energia nuclear avançada”.

Como Hansen e alguns outros notáveis ambientalistas de longa data que recentemente saíram em apoio à energia nuclear, eu também estou desesperado. Como eles, sei que temos muito pouco tempo para impulsionar o maior “re-boot” tecnológico da história da humanidade, que deve transformar a base fóssil da economia em uma nova base renovável e eficiente, antes que seja demasiado tarde. É por isso que enviei minha própria carta aberta aos movimentos por justiça climática que costumam argumentar que o capitalismo verde é uma contradição e a mudança climática só pode ser resolvida pela mudança do sistema econômico. Em minha opinião aqueles que assim argumentam não têm noção de tempo. Não têm noção de quão rápido poderá chegar a mudança climática irreversível em comparação com o tempo que precisaríamos para mobilizar apoio à mudança do sistema econômico. Mas acho triste que pessoas como Hansen estejam promovendo a energia nuclear quando não precisamos de tecnologias novas ou perigosas para resolver o problema.

O problema com projetos de geoengenharia - como o lançamento de aerossóis de dióxido de enxofre à atmosfera ou a fertilização do oceano com limalha de ferro - é que estes não são comprovados e são altamente arriscados. E se a história da experimentação humana de pequena escala serve de guia, devemos antecipar que uma tentativa de evitar a mudança climática através da geoengenharia em escala global pode ter consequências imprevisíveis e desastrosas. Com grande probabilidade o foco em geoengenharia se revelará infrutífero e nos distrairá de soluções banais que sabemos funcionar.

No entanto, ao contrário dos projetos de geoengenharia, para os quais as consequências no longo prazo são altamente imprevisíveis, as consequências no longo prazo de basearmos o sistema global de energia na fonte nuclear são totalmente previsíveis. Enquanto a geoengenharia apresenta perigos desconhecidos, é muito fácil saber quais perigos espreitam um futuro nuclear, basta perguntar aos residentes das proximidades de Fukishima. A energia nuclear é a epítome easy going da geração atual que se recusa a resolver um problema que poderia ser solucionado hoje por meios seguros, em vez chutar o desastre à frente para nossos filhos ou netos. Claro que também é uma forma das grandes corporações internacionais transformarem uma crise (em grande parte de sua própria responsabilidade) em uma nova fonte de lucros inflados pelo gasto público. Se não fosse este o caso, difícil seria imaginar uma discussão séria sobre a “solução nuclear”.

Em uma situação na qual a velocidade é essencial, por que devemos discutir usinas nucleares que levam mais tempo para serem colocadas na rede do que o necessário para expandir a produção de energia renovável, para não falar de quão rapidamente poderíamos aumentar a eficiência energética? Como disse Naomi Oreskes em sua resposta à carta de Hansen: “Como muitos cientistas e engenheiros ilustres anteriormente, eles estão exagerando nas promessas da energia nuclear, e subestimando os riscos. Esta não foi a tecnologia miraculosa que seus defensores imaginaram na década de 1950, e continua sendo uma das nossas fontes mais caras de energia elétrica” (New York Times, 15/11/2013). A energia nuclear tem um histórico perfeito em somente uma área – seus enormes custos adicionais. E só por limitar os custos dos danos de um desastre nuclear, como faz o governo dos EUA por meio do Price Anderson Act, ou simplesmente ignorar quem vai pagar pelos danos, como outros governos que adotaram a energia nuclear fazem, é que a energia nuclear é capaz de competir no mercado com outras formas de energia.

Mas o ponto importante é que em algum momento um sistema global de energia totalmente nuclearizado vai criar um desastre nuclear, se este não estiver sendo gestado neste momento no Japão. E a tragédia é que isto não é necessário. Alternativamente, precisamos reunir a vontade política para fazermos duas coisas para responder a uma crise que ameaça a civilização como a conhecemos.

1ª) Colocar um alto preço sobre o carbono para desencorajar o consumo de combustíveis fósseis. Zhao Zhong bateu no ponto em sua resposta à carta Hansen: “A coisa mais importante a fazer é colocar um preço elevado, ou um teto rígido, sobre as emissões de carbono de modo a tornar os combustíveis fósseis menos atraentes quando comparados a outras fontes de energia. Se o preço do carvão e dos outros combustíveis fósseis incluísse todos os seus verdadeiros custos, imediatamente todas as alternativas aos combustíveis fósseis se tornariam mais competitivas e inovações no setor de energia limpa seriam provocadas” (New York Times 15/11/2013).

2ª) Lançamento de um programa governamental na escala dos que foram implantados durante a Segunda Guerra Mundial para mudar as prioridades de produção, expandir fontes renováveis de energia e aumentar drasticamente a conservação de energia. Quando nazistas alemães, fascistas italianos e militaristas japoneses ameaçaram o ocidente, os aliados e a União Soviética provaram serem capazes de transferir recursos de diversos setores da economia para a produção de armas com uma rapidez impressionante. A mudança climática é uma ameaça para a civilização tão grande, e merece uma resposta tão maciça quanto. Em suma, os obstáculos para a prevenção da crise climática são políticos e não técnicos, e a solução, também, é política e não técnica.

Enquanto sigo pouco impressionado com argumentos que prescrevem depositarmos nossas esperanças em alguma “solução técnica”, existem alguns argumentos “técnicos” que me impressionam. Acho bastante convincentes as evidências apresentadas por aqueles que defendem a capacidade das tecnologias existentes em melhorar a eficiência energética em até 80%. Evidentemente, sou cético em relação a alegações de que a maioria dessas medidas de eficiência energética já é rentável, porque se há algo em que confio nos capitalistas é sua motivação em implantar mudanças que reduzam custos e aumentem lucros. Mas estou muito otimista quanto às consequências de colocarmos um preço sobre as emissões de carbono em qualquer lugar perto das estimativas razoáveis do dano que causam. Isto imediatamente induziria projetos de conservação de energia suficientemente rentáveis que aumentariam rapidamente a eficiência energética em cinquenta se não oitenta por cento. A maioria das medidas de conservação de energia não é de alta tecnologia, e já sabemos que estas são extremamente eficientes, porque os benefícios sociais superam largamente os custos sociais de implantá-las.

E quanto ao argumento de que é preciso ampliar as fontes nucleares porque as energias renováveis apresentam um “problema de intermitência”, ou seja, o momento de produção de energia a partir de fontes renováveis pode não coincidir com o ritmo das necessidades de consumo de energia? Ironicamente, os alemães descobriram que exatamente o oposto é verdadeiro. O problema do nuclear não é apenas ser uma fonte cara, mas é também a necessidade de operá-la em alta capacidade o tempo todo para cobrir os altos custos fixos. Isso significa que muita potência será redundante durante períodos de sol forte ou produção de energia eólica. Os alemães, que têm expandido a energia eólica mais rápido do que qualquer outra país, descobriram que a acelerada retirada de cena da energia nuclear não só é compatível como dá um grande impulso às energias renováveis.

Além disso, os problemas de intermitência das fontes renováveis não podem ser uma razão para adiar cortes de combustíveis fósseis. Isto porque nós podemos aumentar a eficiência energética muito mais rapidamente do que podemos incorporar energia renovável à rede. Não há nenhuma razão para não começarmos a eliminação gradual dos combustíveis fósseis imediatamente. Precisamos de tempo para desenvolver novas tecnologias na área de armazenamento de energia e, também, precisamos de tempo para redesenhar as redes elétricas de modo a lidar melhor com os problemas de intermitência que as energias renováveis trazem. Mas o aumento da eficiência energética por meio de tecnologias conhecidas pode facilmente comprar todo o tempo que precisarmos. O resto se reduz a reunir vontade política suficiente para avançar.

Continuar a queimar combustíveis fósseis é desastre certo. Mas a rápida expansão da energia nuclear também é desastre certo em algum ponto futuro do caminho. Three Mile Island? Chernobyl? Fukushima? Quantas vezes Deus deu a Noé o sinal do arco-íris? Ainda não chegamos ao ponto do “game over”. Mas logo chegaremos se não formos capazes de afastar a indústria de combustíveis fósseis e seus protetores políticos para fora do nosso caminho, arregaçar as mangas e enfrentar o desafio histórico de prevenir as mudanças climáticas induzidas pelo homem por meio de tecnologias conhecidas e seguras.

Para qualquer um que queira saber se tudo isso pode ser feito ao mesmo tempo em que se percorre o longo caminho de substituição do nosso sistema econômico ambientalmente destrutivo e impulsionado pela concorrência e pela ganância por um sistema sustentável e de cooperação equitativa, a resposta é: claro que podemos. E a experiência fortalecedora de dar resposta eficaz e justa à crise climática, aqui e agora, tornará mais visível a mais pessoas que podemos e devemos fazê-lo.

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Este artigo foi licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution - Share Alike 3.0. em 19/11/2013

Robin Hahnel é professor emérito do departamento de economia da American University e autor de vários livros, incluindo Green Economics: Confronting the Ecological Crisis; Economic Justice and Democracy: From Competition to Cooperation (Paths for the 21st Century); e Of the People, by the People.

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James Hansen:



quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Como a ciência está nos convocando à revolta



(O artigo é da Naomi Klein (No Logo) publicado no New Statesman em 29/10/2013. Eu traduzi. A foto é do Mario Schemberg. Os físicos vão saber porque foi adicionada aqui. Se estivesse vivo estaria nas ruas.)

Em dezembro de 2012 o pesquisador de sistemas complexos Brad Werner, de cabelos rosa, fez o seu caminho através da multidão de 24 mil cientistas da Terra e do Espaço no Encontro de Outono da União Geofísica Americana, realizado anualmente em San Francisco. A conferência daquele ano tinha participantes de renome como Ed Pedra, do projeto Voyager (Nasa), expondo um novo marco no caminho ao espaço interestelar, e o cineasta James Cameron, discutindo suas aventuras em submersíveis de profundidade.

Mas era a sessão de Werner que estava criando barulho; era intitulada “A Terra está F***da?” (Is Earth F**ked? Dynamical Futility of Global Environmental Management and Possibilities for Sustainability via Direct Action Activism).

Em pé na frente da sala de conferência, o geofísico da Universidade da Califórnia em San Diego guiou a multidão através do modelo computacional avançado que usara para responder à pergunta. Falou das fronteiras do sistema, de perturbações, dissipação, atratores, bifurcações e um monte de coisas em grande parte incompreensíveis para aqueles de nós não iniciados na teoria de sistemas complexos. Mas o resultado foi claro o suficiente: o capitalismo global fez da depleção de recursos algo tão rápido, prático, conveniente e sem barreiras que os “sistemas Terra-Humanidade” estão se tornando perigosamente instáveis. Ao ser pressionado por um jornalista por uma resposta clara sobre “estarmos f***dos?”, Werner deixou o jargão de lado e respondeu: “Mais ou menos”.

Há uma dinâmica no modelo, no entanto, que oferece alguma esperança. Werner classificou-a de “resistência”: movimentos de “pessoas ou grupos de pessoas” que “adotam um determinado conjunto de dinâmicas que não cabem dentro da cultura capitalista”. De acordo com o resumo de sua apresentação, isso inclui “ação direta ambiental e a resistência a partir de fora da cultura dominante, como em protestos, bloqueios e sabotagens por povos indígenas, operários, anarquistas e outros grupos ativistas”.

Reuniões científicas sérias geralmente não incluem chamadas das massas à resistência política e, muito menos, à ação direta e à sabotagem. Mas Werner não exatamente clamava por isto. Ele apenas observava que levantes massivos – como o abolicionista, o movimento pelos direitos civis ou o Occupy Wall Street – são a mais provável força de atrito capaz de desacelerar a máquina econômica que está fora de controle. Sabemos que os movimentos sociais do passado “tiveram enorme influência sobre... como a cultura dominante evoluiu”, ressaltou. Então, é lógico que, “se nós estamos pensando sobre o futuro da Terra, e o futuro de nossa união com o meio ambiente, temos que incluir a resistência como parte dessa dinâmica”. E isso, Werner argumentou, não é uma questão de opinião, mas “realmente um problema de geofísica”.

Muitos cientistas têm sido motivados pelos resultados de suas pesquisas a agir nas ruas. Físicos, astrônomos, médicos e biólogos têm estado na vanguarda dos movimentos contra armas e energia nuclear, guerra, contaminação química e criacionismo. E em novembro de 2012, a Nature publicou um comentário do financista e filantropo ambiental Jeremy Grantham incitando cientistas a aderirem a esta tradição e “serem presos se for necessário”, porque a crise climática “não é apenas a crise das suas vidas – é também a crise de existência da nossa espécie”.

Alguns cientistas não necessitam convencimento. O padrinho da ciência do clima moderna, James Hansen, é um ativista formidável, tendo sido preso meia dúzia de vezes por permanecer no topo de montanhas de carvão resistindo à remoção ou em frente à construção de gasodutos de gás de xisto (ele deixou seu trabalho na Nasa este ano, em parte, para ter mais tempo para o ativismo). Dois anos atrás, um dos 166 que foram algemados no lado de fora da Casa Branca em uma manifestação contra o gasoduto Keystone XL, foi o glaciologista Jason Box, um especialista de renome mundial no derretimento do gelo que recobre a Groenlândia. “Eu não conseguiria manter minha autoestima se não fosse”, disse Box na ocasião, acrescentando que “só votar não parece ser o suficiente neste caso. Preciso ser um cidadão também”.

Isso é louvável, mas o que Werner está fazendo com sua modelagem é diferente. Ele não está dizendo que sua pesquisa o levou a tomar medidas para parar uma determinada política, mas que sua pesquisa mostra que todo o nosso paradigma econômico é uma ameaça à estabilidade ecológica. E, de fato, que desafiar este paradigma econômico – por meio de movimentos de massa e de contrapressão – é o melhor que a humanidade pode fazer para evitar a catástrofe.

Isso é pesado. Mas ele não está sozinho. Werner faz parte de um grupo pequeno, mas cada vez mais influente, de cientistas cujas pesquisas sobre a desestabilização dos sistemas naturais – particularmente do sistema climático – os está levando a conclusões igualmente transformadoras, revolucionárias até. E para qualquer revolucionário que ainda não saiu do armário e que jamais sonhou em derrubar a atual ordem econômica em favor de outra um pouco menos propensa a levar aposentados italianos a acorrentarem-se em suas casas para evitar perde-las, este trabalho deve ser de particular interesse. Porque ele faz com que a transformação deste sistema cruel em favor de algo novo (e talvez, com muito trabalho, melhor) não é mais uma questão de preferência ideológica, mas sim uma necessidade existencial da espécie.

Uma liderança deste grupo de novos cientistas revolucionários é Kevin Anderson, um dos principais especialistas em clima da Grã-Bretanha e vice-diretor do Tyndall Centre for Climate Change Research, grupo que rapidamente se estabeleceu como uma das principais instituições de pesquisa climática do Reino Unido. Dirigindo-se a todos, do Department for International Development à Câmara Municipal de Manchester, Anderson passou mais de uma década pacientemente traduzindo as implicações da ciência climática para políticos, economistas e ativistas. Em linguagem clara e compreensível, ele estabeleceu um rigoroso mapa do caminho para a redução de emissões, que fornece uma possibilidade decente para a manutenção da elevação da temperatura global em menos de 2°C, uma meta definida pela maioria dos governos do mundo para que seja evitada uma catástrofe climática.

Mas nos últimos anos os trabalhos e palestras de Anderson tornaram-se mais alarmantes. Sob títulos como “Mudanças climáticas: indo além do perigoso... números brutais e tênue esperança” ele afirma que as chances de permanecermos dentro de níveis de temperatura seguros estão diminuindo rapidamente.

Com sua colega Alice Arcos, uma especialista em mitigação das mudanças climáticas do Centro Tyndall, Anderson mostra que perdemos tanto tempo com protelações e políticas climáticas frágeis – enquanto o consumo global (e as emissões) inflavam – que estamos agora frente à necessidade de cortes tão drásticos que chegam a desafiar a lógica econômica de priorização do crescimento do PIB acima de tudo.

Anderson e Bows informam-nos que a meta de mitigação frequentemente citada para o longo prazo – corte de 80% das emissões de 1990 até 2050 – foi selecionada puramente por razões de conveniência política e "não tem base científica". Isso porque os impactos do clima não vêm apenas do que emitimos hoje e amanhã, mas das emissões cumulativas que permanecem na atmosfera ao longo do tempo. Eles alertam que, ao perseguirmos metas para três décadas e meia– e não o que podemos fazer para reduzir brusca e imediatamente as emissões de carbono – corremos sério risco de permitir contínuos aumentos de emissões nos próximos anos e de consumir fatia grande demais do nosso “orçamento de carbono de 2°C”, colocando-nos, assim, em uma posição impossível no final do século.

É por isso que Anderson e Bows argumentam que, se os governos dos países desenvolvidos quiserem seriamente alcançar a meta já acordada de manutenção do aquecimento global abaixo dos 2°C, e se é para respeitar alguma equidade nas reduções de emissão (basicamente: que os países que têm vomitado carbono durante a maior parte dos últimos dois séculos cortem antes dos países que ainda têm mais de um bilhão de pessoas sem energia elétrica), então as reduções precisam ser muito mais profundas, e precisam vir muito mais cedo.

Mesmo para termos 50% de chance de permanecermos dentro dos 2°C de aquecimento (temperatura que já envolve enfrentar uma série de impactos climáticos extremamente prejudiciais), os países industrializados precisam começar a cortar suas emissões de gases de efeito estufa em algo parecido a 10% ao ano – e precisam começar agora. Mas Anderson e Bows vão mais longe, apontando que este objetivo não pode ser satisfeito com a variedade de ações como a colocação de uma taxa modesta sobre o carbono emitido ou adoção das tecnologias verdes geralmente defendidas por grandes grupos ambientais. Estas medidas ajudarão, com certeza, mas simplesmente não serão suficientes: a queda de 10% nas emissões, ano após ano, é praticamente sem precedentes desde que começamos a alimentar as nossas economias com carvão. Na verdade, cortes acima de 1% ao ano “têm sido historicamente associados à recessão econômica ou à agitação”, como afirmou o economista Nicholas Stern em seu relatório de 2006 para o governo britânico.

Mesmo no período que se seguiu ao colapso da União Soviética reduções de emissões desta monta e duração não aconteceram (os países ex-soviéticos experimentaram reduções médias anuais de cerca de 5% ao longo de um período de dez anos). Também não aconteceram depois da queda de Wall Street de 2008 (países ricos experimentaram uma queda de 7% em suas emissões de CO2 entre 2008 e 2009, mas estas recuperaram-se com entusiasmo em 2010, enquanto as emissões na China e Índia continuaram a subir). Foi só no rescaldo do grande crash de 1929 que os EUA viram quedas de emissão durante vários anos consecutivos em mais de 10% ao ano, de acordo com dados históricos do Carbon Dioxide Information Analysis Centre. Mas esta foi a pior crise econômica dos tempos modernos.

Se quisermos evitar esse tipo de carnificina e atender às metas de emissões baseadas na ciência, a redução de carbono deve ser administrada cuidadosamente através do que Anderson e Bows descrevem como “estratégias de decrescimento radicais e imediatas nos EUA, na UE e em outros países ricos”. O que é aceitável, só que temos um sistema econômico que faz do crescimento do PIB um fetiche independente de consequências humanas ou ecológicas, e no qual uma classe política neoliberal abdicou absolutamente da sua responsabilidade em gerir qualquer coisa (já que o mercado é o gênio invisível ao qual tudo deve ser confiado).

Então, o que Anderson e Bows realmente estão dizendo é que ainda há tempo para evitar um aquecimento catastrófico, mas não dentro das regras do capitalismo como estas estão atualmente construídas. O que pode ser o melhor argumento que já tivemos para mudar estas regras.

Em um ensaio de 2012 publicado na influente revista científica Nature Climate Change, Anderson e Bows fizeram um tipo de desafio e acusaram muitos de seus colegas cientistas de não apresentarem honestamente o tipo de mudança que as mudanças climáticas demandam da humanidade. Por isso vale a pena citar a dupla extensamente:

“... no desenvolvimento de cenários de emissões os cientistas, repetida e severamente, subestimam as implicações de suas análises. Quando se fala de evitar um aumento de 2°C, “impossível” é traduzido para “difícil, mas factível”, enquanto que “urgente e radical” aparece como “desafiador” – tudo para apaziguar o deus da economia (ou, mais precisamente, das finanças). Por exemplo, para evitar a ultrapassagem de taxas máximas de redução de emissões ditadas por economistas, picos iniciais impossíveis de redução nas emissões são assumidos, juntamente com noções ingênuas sobre “grande engenharia” e taxas de implantação de infraestrutura de baixo carbono. E mais perturbador, como os orçamentos de emissão diminuem, mais e mais geoengenharia é proposta de modo a garantir que o ditado pelos economistas continue inquestionado. Em outras palavras, a fim de parecer razoável dentro dos círculos econômicos neoliberais, os cientistas foram dramaticamente atenuando as implicações de suas pesquisas. Em agosto de 2013, Anderson estava disposto a ser ainda mais contundente, escrevendo que não havia mais como navegar o barco na mudança gradual. “Talvez no momento da Cúpula da Terra em 1992, ou mesmo na virada do milênio, os níveis de mitigação exigidos para os 2°C de aquecimento máximo poderiam ter sido alcançados por meio de mudanças evolutivas significativas dentro da hegemonia política e econômica. Mas a mudança climática é uma questão cumulativa! Agora, em 2013, nós das nações (pós-) industrializadas de alta emissão enfrentamos uma perspectiva muito diferente. Nossa contínua e coletiva libertinagem com o carbono desperdiçou toda e qualquer oportunidade de “mudança evolutiva” que tenha sido oferecida pelo inicial e maior orçamento de carbono de 2°C que tínhamos. Hoje, após duas décadas de blefes e mentiras, o que nos resta de orçamento de carbono para os 2°C requer mudança revolucionária da hegemonia política e econômica”.

Nós não deveríamos estar surpresos por alguns cientistas climáticos estarem um pouco assustados com as implicações radicais da sua própria investigação. A maioria deles foi discretamente fazendo seu trabalho medindo amostras de gelo, rodando modelos climáticos globais e estudando a acidificação do oceano, apenas para descobrir, como o especialista em clima australiano Clive Hamilton diz, que “foram desestabilizar involuntariamente a ordem política e social”.

Mas há muitas pessoas que estão bem conscientes da natureza revolucionária da ciência do clima. É por isso que alguns dos governos que decidiram enterrar seus compromissos climáticos em favor de desenterrar mais carbono tiveram que encontrar maneiras cada vez mais brutais para silenciar e intimidar os cientistas de suas nações. Na Grã-Bretanha, esta estratégia está se tornando mais evidente com Ian Boyd, o conselheiro científico chefe do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais, escrevendo recentemente que os cientistas devem evitar “sugerir que políticas públicas são certas ou erradas” e devem expressar suas opiniões “trabalhando com assessores de governo, e sendo a voz da razão, em vez de dissidência, na arena pública”.

Se você quer saber onde isso leva, confira o que está acontecendo no Canadá, onde moro. O governo conservador de Stephen Harper tem feito um trabalho tão eficaz no sentido de silenciar cientistas e fechar projetos de pesquisa importantes que, em julho de 2012, alguns milhares de cientistas e simpatizantes realizaram um falso funeral em Parliament Hill, Ottawa, lamentando “a morte das evidências”. Seus cartazes diziam: “Nenhuma ciência, nenhuma evidência, nenhuma verdade”.

Mas a verdade se difunde de qualquer maneira. O fato da busca usual de lucros e crescimento estar desestabilizando a vida na Terra já não é algo que temos de ler em revistas científicas. Os primeiros sinais estão se revelando diante dos nossos olhos. E um número crescente de nós está respondendo adequadamente: bloqueando o fracking em Balcombe, interferindo nos preparativos de perfuração em águas russas do Ártico (a um custo pessoal enorme), levando operadores de areias betuminosas ao tribunal pela violação da soberania indígena e inúmeros outros atos de resistência grandes e pequenos. No modelo de computador de Brad Werner, este é o “atrito” necessário para desacelerar as forças de desestabilização. O grande o ativista do clima Bill McKibben chama estas forças de “anticorpos” se levantando para lutar contra a febre induzida do planeta.

Não é uma revolução, mas é um começo. E talvez possa nos comprar tempo suficiente para descobrir uma maneira de viver neste planeta menos f***do.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sobre neoliberalismos, desenvolvimentismos e ambientalismos

Polêmica recente entre Dilma e Marina aponta necessidade de mais governo

Marina Silva criticou a politica econômica de Dilma Roussef dizendo que seu governo abandonou o “tripé econômico” adotado desde o governo FHC. Dilma rebateu dizendo que nunca abandonou a geração de superávits primários nas contas públicas, o regime de câmbio flutuante e as metas para a inflação. Aproveitando o bate boca, o jornalista Luis Nassif publicou uma peça política muito precisa (As peças do jogo no discurso velho-novo de Marina Silva), mas que, infelizmente, quando se refere ao discurso ambientalista, segue o senso comum e descuida-se da ciência e do contexto planetário no qual a economia internacional se desenvolve.

Nassif criou um discurso utopista para o ambientalismo (“... os sonhos do silvícola sendo abastecido unicamente pela mãe natureza”) para logo contestá-lo: “É evidente que a nova utopia não responde a questões básicas: como dividir a renda, sem que ela cresça?... Inclusão significa levar energia a todos os lares. Como casar o ambientalismo radical de Marina, que só acredita na energia dos ventos e do sol, com as necessidades dos mais pobres? Como garantir empregos melhores, sem um aprimoramento da industrialização, dos serviços?”.

Nassif diz ainda que o novo discurso de Marina, que seria influenciado por André Lara Resende, cria “uma situação curiosa, que acaba juntando os grandes investidores internacionais e os ambientalistas: o discurso anti-desenvolvimento”. Longe de defender o neoliberalismo econômico e o rentismo aos quais, ainda segundo Nassif, Marina Silva está se associando para construir um discurso oposicionista, me interessa desconstruir este falso entendimento do discurso ambientalista e lembrar algumas questões centrais para o futuro da nossa economia.

A ciência ambiental, a ciência climática e muitos outros ramos do conhecimento nos confrontam com limites reais ao crescimento econômico tal qual construído desde a revolução industrial. A economia baseada no consumismo, na energia abundante e barata e na exploração ilimitada dos recursos naturais vai se esborrachar contra o muro em poucos anos. Segundo artigo recente publicado na revista Nature, o clima global apresentará características totalmente fora das encontradas historicamente já entre 2047 e 2062. Preparando-se para isto, e já respondendo a mudanças correntes nas condições climáticas, governos de vários países constroem diques contra o avanço do mar, lutam contra catástrofes naturais cada vez mais frequentes e destrutivas, tentam adaptar suas economias a secas e enchentes fortíssimas que abalam a produção de alimentos, enfim, buscam adaptar suas economias e infraestrutura à crise climática.

Desde 1989 cientistas de todo o mundo têm dado a receita de enfrentamento desta que é a principal crise global: reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, o que se pode fazer, principalmente, por meio da redução do consumo global de petróleo, carvão e outros combustíveis fósseis.

Sucessivos governos brasileiros têm se posicionado claramente em relação ao assunto afirmando que a responsabilidade sobre as mudanças climáticas é comum a todos os países, mas diferenciada entre estes, na medida em que os industrializados têm contribuição acumulada maior para o problema. O governo Lula foi além e apresentou em 2009 em Copenhagen compromissos voluntários com metas de redução da emissão nacional destes gases para o ano 2020. Com isto Lula foi anti-desenvolvimentista?

Sem entrar na discussão da qualidade das metas apresentadas por Lula, seu governo anteviu o que nem Nassif nem Dilma conseguem ver: que o contexto econômico global criado pelas questões ambientais globais e seus desdobramentos correntes sobre a economia têm forte impacto também no Brasil, ao mesmo tempo em que apresentam grandes oportunidades para o país. Com suas grandes áreas disponíveis para a produção agrícola, suas fontes de energia renovável e programas de biocombustível, seu aço e alumínio de baixo conteúdo de carbono, seu enorme potencial de geração de energia pelo sol e pelo vento e sua gigantesca biodiversidade o Brasil tem condições de ser uma potência econômico-ambiental sem precedentes e sem concorrência internacional. Para o Brasil não há - ou há pouca - limitação ambiental ao crescimento necessário à suplantação da etapa de país de renda média de modo a levar sua população à inclusão econômica e social.

Parodiando cartazes das jornadas de junho, faltam-nos governos “padrão Fifa”. Para lembrar somente alguns dos problemas econômico-ambientais que temos e não foram enfrentados pelos anos de governo neoliberal nem pelos governos desenvolvimentistas recentes:
- falhamos em dar continuidade aos programas de etanol e biodiesel, mesmo tendo a maior eficiência global na produção destes produtos;
- deixamos praticamente toda a produção de soja brasileira se contaminar com sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina, desprezando um possível valor de produto “prêmium” para, pelo menos, parte da nossa produção;
- exportamos a maior parte da soja que produzimos ainda em grão, perdendo a possibilidade de agregar valor pelo esmagamento e produção de proteína, óleo e outros derivados (esta oportunidade nem a Argentina deixou passar);
- destruímos parte importante da Amazônia sem termos um projeto estratégico para a região e sem termos conseguido desenvolver econômica e socialmente grande parte da população da região;
- deixamos correr solta a exploração ilegal de madeiras de qualidade superior na Amazônia sem termos conseguido criar uma cultura florestal e uma indústria de base florestal para a região;
- exportamos a granel grande parte dos minérios consumidos pelo mundo sem conseguirmos desenvolver indústrias relevantes de bens de consumo que empregam estes materiais e têm maior valor agregado;
- construímos cidades insustentáveis e desagradáveis e que oferecem péssima qualidade de vida para a maioria da nossa população.

O enfrentamento disto tudo precisa incorporar o discurso ambientalista, que não é necessariamente anti-desenvolvimentista, mas pró-desenvolvimento com governança adequada. Para superarmos os problemas listados (e muitos outros não listados) acima, precisamos de discursos que unam desenvolvimentismo, ambientalismo e um muito grande apetite de governo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Árvores da Amazônia

Estudo publicado na Science calcula que a Amazônia abriga 390 bilhões de árvores de 16 mil espécies. O mais interessante é que 227 destas espécies foram classificadas como "hiperdominantes": 1,4% do total de espécies é responsável por metade de todas as árvores na Amazônia. No outro extremo, as 11.000 espécies mais raras representam apenas 0,12% do total de indivíduos. Um número desproporcional destas hiperdominantes são palmáceas, myristicaceae (ex: virola) e Lecythidaceae (ex: castanheira do pará, sapucaia, jequitibá, matamatá).

http://www.sciencemag.org/content/342/6156/1243092.abstract#aff-2

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Sobre a lacuna na pesquisa em energia e a crise climática

(Andrew C. Revkin – Dot Earth)

1) Energia importa: a energia pode produzir suprimentos abundantes de água potável, permite a produção, armazenamento e distribuição de alimentos, a mobilidade, a conectividade, a saúde e o conforto.

2) Mesmo com a popularização de tecnologias e métodos de conservação de energia, um mundo que terá 9 bilhões de pessoas em busca de uma vida decente exigirá muito mais do recurso do que as fontes e os sistemas atuais podem proporcionar. E já existe uma escassez enorme de energia no planeta, com cerca de dois bilhões de pessoas sem o simples benefício da iluminação ou de uma fonte limpa de calor para cozinhar suas refeições.

3) Se países como China e Índia seguirem o padrão americano de transporte, o crescimento a jato resultante da demanda por petróleo está fadado a ser uma influência perturbadora nos assuntos mundiais, mesmo se não considerarmos o impacto climático de todas as emissões adicionais de gases de efeito estufa. Pense: os EUA, com 307 milhões (indo para 400 milhões) de pessoas, consome cerca de 20 milhões de barris por dia; a Índia, com mais de 1,1 bilhão de pessoas, por sua economia andar ainda em primeira marcha, consome 2,67 milhões de barris de petróleo por dia, enquanto as projeções apontam para um vasto aumento na demanda; adicione as projeções de uso de automóveis na China e você verá por que as escolhas correntes de combustível não se sustentam.

4) Se (parte da) a humanidade permanecer presa ao degrau-carvão da "escada de calor" de Loren Eiseley por outra geração, jogará com o risco inaceitável na direção de mudanças disruptivas de longa duração no clima por meio do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera.

5) No entanto, se eu tivesse que escolher um entre os dois adesivos para o carro – CRISE CLIMÁTICA ou PESQUISA ENERGÉTICA – eu escolheria o segundo. Isso não significa que rejeite a ideia de que estamos diante de uma crise climática. Eu só não acho que essa frase é uma maneira produtiva de enquadrar o desafio, particularmente como definido nos últimos anos no acalorado debate político. A definição que eu escolheria é muito parecida com a feita por Richard Somerville, da Universidade da Califórnia em San Diego, durante um debate sobre o clima há vários anos: "O aquecimento global não é uma crise". Aqui está um pouco do que ele disse: para entendermos a frase “o aquecimento global não é uma crise”, devemos saber o que significa crise. A palavra não significa catástrofe ou alarmismo, mas um momento crucial ou decisivo, um ponto de mutação, um estado de coisas no qual uma mudança decisiva para melhor ou pior é iminente. Nós estamos falando sobre o futuro aqui. O mundo inteiro agora realmente tem uma escolha crítica a fazer entre continuar no atual caminho adicionando mais e mais dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa à atmosfera ou encontrar algum outro. Estamos falando do futuro e a ciência diz-nos que o caminho que escolhermos irá determinar que tipo de Terra nossos filhos e netos herdarão.

6) O mundo não está remotamente engajado em pesquisar as fontes de energia que seriam necessárias para preencher as lacunas definidas acima. Estou falando de uma busca contínua, da tomada de luz da casa à sala de reuniões, do laboratório à sala de aula, da cidade inteligente pós-industrial americana à luta (literalmente) impotente das aldeias subsaarianas. Esta não é uma tarefa onerosa, mas uma afirmação ativa e positiva de que as formas como geramos e usamos energia – um ativo há tempos tido como garantido e precificado de forma a mascarar os seus custos mais amplos – realmente importam. Lugares secos fazem isso com a água o tempo todo. Em Israel não há banheiro sem duas opções de descarga. Não é um conceito verdolengo, é apenas a maneira como as coisas são feitas.

Você já deve ter ouvido falar muito sobre uma revolução energética tardia que envolve uma explosão (temporária) de gastos em legislações de incentivo. Mas esta é construída a partir de uma base miserável de investimento público e privado na arena energética, na qual avanços realmente poderiam expandir o cardápio de fontes de energia necessárias para sustentar um Planeta saudável e uma humanidade próspera, mesmo em seus estirões de crescimento. Não estou dizendo que o investimento sustentado na investigação científica é remotamente suficiente, por si só, para conduzir uma transformação energética. Mas vejo os níveis de investimento em tais pesquisas como um proxy do nosso interesse geral na questão.

Basta olhar o gráfico demonstrativo de meio século de investimento norte americano em pesquisa científica básica (abaixo). Você pode ver a corrida espacial (amarelo) e a paixão pela investigação médica (azul). A banda verde, que representa quase todas as pesquisas em energia, tem a aparência de uma cobra que engoliu uma bola de softball durante a crise do petróleo.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Carros, poluição e desatinos da política pública

Na semana passada os professores Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag mostraram que uma redução de 10% na poluição da Região Metropolitana de São Paulo entre 2.000 e 2.020 poderia evitar 114 mil mortes, 118 mil visitas de crianças e jovens a consultórios, 103 mil a prontos-socorros por doenças respiratórias, 817 mil ataques de asma, 50 mil de bronquite aguda e crônica e 2,5 milhões de ausências ao trabalho.

Como 90% da poluição do ar nesta região vem de veículos, a prioridade zero deveria combinar a redução do uso de automóveis, o uso de combustíveis limpos em ônibus e veículos de carga e a expansão do metrô, certo?

Mas o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) comemorou o anúncio da nova fábrica da Mercedes Benz como um novo sucesso do Inovar-Auto, programa do governo federal que incentiva a fabricação de automóveis com desoneração do IPI em até 30% para empresas do ramo automobilístico que estimulam a inovação, pesquisa e desenvolvimento no país, dando uma assombrosa mostra de como as politicas fiscal, econômica e industrial seguem perseguindo uma visão do século passado.

Para quem quer saber mais sobre a pesquisa do Saldiva transcrevo abaixo um ótimo resumo do jornalista Washington Novaes.

NÃO É SÓ A MOBILIDADE: QUE FAREMOS COM A POLUIÇÃO?
Washington Novaes - O Estado de S. Paulo – 27/09/2013

Nas recentes discussões sobre "mobilidade urbana", custo dos congestionamentos para o usuário em tempo e horas de trabalho, baixo investimento em transporte de massa - todas exacerbadas pela onda de protestos nas ruas -, tem merecido pouca atenção o tema do impacto da poluição do ar (agravado por todas essas causas) na saúde da população e no número de mortes, principalmente nas metrópoles. E foi essa exatamente a discussão sobre a "Avaliação do impacto da poluição atmosférica sob a visão da saúde no Estado de São Paulo", promovida no início da semana na Câmara Municipal de São Paulo, com base em pesquisa desenvolvida pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, coordenada pelos professores Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, ambos doutores em Patologia, com a participação de mais cinco pesquisadores.

É um trabalho sobre o qual deveriam debruçar-se os administradores públicos da cidade de São Paulo, de sua região metropolitana e de cada uma das cidades paulistas, tantas são as informações que podem orientar seu trabalho. A começar pela conclusão de que, se houvesse uma redução de 10% nos poluentes na capital entre 2000 e 2020, poderiam ser evitados nada menos que 114 mil mortes, 118 mil visitas de crianças e jovens a consultórios, 103 mil a prontos-socorros (por causa de doenças respiratórias), 817 mil ataques de asma, 50 mil de bronquite aguda e crônica, além da perda de atividades em 7 milhões de dias e 2,5 milhões de ausências ao trabalho. Em apenas um ano (2011) a poluição da atmosfera contribuiu para 17,4 mil mortes no Estado.

Ainda é tempo de refletir e mudar, pois, diz a pesquisa, o tráfego e a poluição explicam 15% dos casos de enfarte na cidade de São Paulo. Quem acha que o adensamento habitacional em certas áreas pode aumentar a mobilidade deve prestar atenção a esse mesmo estudo: "O aumento do tráfego em 4 mil veículos/dia numa via até a 100 metros da residência mostrou ser um fator de risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão". E tudo isso embora os programas de controle da poluição do ar por automóveis, implantados a partir da década de 1990, tenham levado a uma redução de 95%, assim como a 85% na de caminhões. Até os cinco primeiros anos desta década, a diminuição de 40% na concentração de poluentes evitou 50 mil mortes e gastos de R$ 4,5 bilhões com saúde - além da redução no consumo de combustíveis e na emissão de poluentes.

Mas, apesar das evidências, ainda prevalece, aqui e no mundo, uma situação dramática. A cada ano, em uma década, 2 milhões de pessoas morreram vitimadas pela poluição do ar em todos os continentes - uma década antes foram 800 mil. E, segundo os pesquisadores, a poluição do ar "deve se tornar a principal causa ambiental de mortalidade prematura". Com a preocupação adicional, para nós, de que as médias anuais de poluição em todas as estações paulistas onde se coletam dados estiveram, em todos os anos, em 20 a 25 microgramas por metro cúbico de ar, acima do padrão de 10 microgramas por metro cúbico de ar, que é o da Organização Mundial da Saúde. Em São Paulo, o índice é de 22,17 microgramas. E a poluição não é só de material particulado, mas também de ozônio.

Com frequência o noticiário informa que na Região Metropolitana de São Paulo um terço dos veículos não passa por inspeção - e são exatamente os mais antigos, mais poluidores. Mesmo assim, a implantação do controle na capital reduziu em 28% as emissões de material particulado. Se fosse estendida a toda a área metropolitana, poderia evitar 1.560 mortes e 4 mil internações, além de levar a uma redução de R$ 212 milhões nos gastos públicos. Outro dado impressionante da pesquisa: se todos os ônibus a diesel usassem etanol, seria possível reduzir em 4.588 o número de internações e em 745 o número anual de mortes por doenças geradas/agravadas pela poluição. E o sistema de metrô reduz em R$ 10,75 bilhões anuais os gastos com a poluição.
Já passou da hora de implantarmos sistema semelhante ao da Suécia, onde é limitado o número de anos (20) em que um veículo pode ser usado, para não agravar a poluição. Por isso mesmo o comprador de um carro novo já paga uma taxa de reciclagem; e o respectivo certificado passa de proprietário em proprietário; o último, ao final de duas décadas, pode receber a taxa de volta.

Também não há como fugir à questão: que se vai fazer, em matéria de mobilidade e poluição, se continuamos a estimular, com isenção de impostos e outros benefícios, o aumento da frota de veículos (hoje, no País todo, mais de 3 milhões de veículos novos a cada ano)? Eles respondem por 40% das emissões totais, enquanto ao processo industrial cabem 10%. E os veículos respondem por 17,4 mil mortes anuais nas regiões metropolitanas paulistas - 7.932 na de São Paulo e 4.655, só na capital. Ou seja, a cada seis anos morre uma população equivalente à de uma cidade de 100 mil pessoas em consequência da poluição.

O professor Ricardo Abramovay, da USP, lembra (Folha de S.Paulo, 13/7) que nossas emissões do setor de transporte devem dobrar até 2025, como prevê a Agência Internacional de Energia. E o professor Paulo Saldiva afirma, em entrevista ao site EcoD, que "a poluição em São Paulo é um tumor maligno". Apesar de tudo, o patologista - um dos coordenadores da pesquisa discutida esta semana - considera-se "otimista, porque ninguém muda para melhor ou repensa seus hábitos se não tiver algum tipo de problema antes (...). As doenças costumam fazer as pessoas saírem da zona de conforto. Como estamos insatisfeitos, talvez estejamos criando as bases para melhorar a cidade". E o problema central, sob esse ângulo - acentua ele -, não é o da mobilidade, pois, "se a frota de carros elétricos correspondesse a 100% da existente, melhoraria a questão da poluição, mas não a da mobilidade".

Oxalá a realidade das pesquisas faça governantes e governados se moverem de forma mais adequada.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Vou com o Bandeira para Pasárgada

O relatório do IPCC da semana passada disse que, para manter o aquecimento do planeta dentro do limite de 2oC, a emissão total acumulada de carbono fóssil não poderá ultrapassar 1.000 gigatoneladas e que a queima de petróleo, carvão e gás desde a revolução industrial já havia mandado para a atmosfera 531 gigatoneladas até 2011, mais da metade do limite.

O cálculo do painel de cientistas mostra que, na velocidade que a economia global está queimando estes combustíveis, alcançaremos o limite em não mais de 25 anos.

Não era de se esperar que os governos do mundo todo estivessem buscando soluções ousadas para a urgência?

Mas, no “mundo real”, estas são as notícias:
- Os EUA quadruplicaram nos últimos anos as reservas mundiais de gás de xisto para o equivalente a 200 anos de consumo, o que baixou o preço nos Estados Unidos a menos da metade da média mundial;
- A Noruega abriu uma nova área no Ártico à perfuração de petróleo offshore;
- A Rússia explora petróleo nas áreas do Ártico acessíveis devido ao derretimento de sua capa de gelo e prende por pirataria quem protesta;
- A Petrobras tem como meta alcançar em 2017 produção diária superior a 1 milhão de barris de óleo nas áreas do Pré-Sal;
- O leste da África é visto pela indústria do Petróleo como a nova terra prometida, o próximo epicentro da exploração global de gás natural.

Será que o poeta me apresentaria o rei seu amigo?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Mudança climática? Que tal ruptura climática catastrófica?

Do blog do George Mombiot - A mensagem do novo relatório do IPCC é familiar e demolidora: tudo é tão ruim quanto pensávamos que fosse.

Poucas horas depois de seu lançamento já milhares de blogs e colunas mundo afora insistem em que o novo relatório do IPCC sobre a ciência da mudança climática é uma mistura raivosa de histórias de terror cuja finalidade é destruir a economia global. Mas na realidade o relatório é muito conservador.

O processo de alcançar um acordo entre centenas de autores e revisores garante que somente as afirmações de mais difícil disputa são autorizadas a passar. Mesmo quando há acordo entre os cientistas, o relatório ainda é temperado em outra forja, já que políticos questionam tudo o que lhes parece desagradável: o novo relatório recebeu 1.855 comentários de 32 governos e as discussões duraram toda a noite anterior ao lançamento.

Em outras palavras, este é, talvez, o maior e mais rigoroso processo de revisão por pares realizado em qualquer área científica e em qualquer momento da história humana.

Não há rupturas radicais neste relatório em relação ao anterior de 2007, apenas mais evidências que demonstram o grau de aumento da temperatura global, o derretimento e diminuição do gelo sobre o mar, o recuo das geleiras, o aumento do nível e a acidificação dos oceanos e as mudanças nos padrões climáticos. A mensagem é familiar e demolidora: "tudo é tão ruim quanto pensávamos que fosse".

O que o relatório descreve, em sua linguagem seca e meticulosa, é o colapso do clima benigno em que os seres humanos evoluíram e prosperaram e a perda de condições ambientais das quais muitas outras formas de vida dependem. As mudanças climáticas e o aquecimento global são termos inadequados para o que o relatório revela. A história que ele conta é de colapso climático.

Esta é uma catástrofe que somos capazes de prever, mas incapazes de imaginar. É uma catástrofe frente à qual estamos singularmente mal equipados para prevenir.

Os relatórios do IPCC atraem a negação em todas as suas formas: de um tranquilo dar de ombros - a resposta da maioria das pessoas - à rejeição aguda. Apesar - ou talvez por causa - de seu rigor, os relatórios do IPCC atraem uma magnífica coleção de teorias da conspiração: o Painel está tentando taxar-nos de volta à idade da pedra ou estabelecer uma ditadura nazista/comunista na qual ficaremos amontoados em acampamentos e forçados a remendar nossas próprias bicicletas (e eles chamam os cientistas de alarmistas...).

Nos jornais Mail e Telegraph, e nos porões da internet, o relatório do IPCC (ou um rascunho que vazou há algumas semanas) foi escarafunchado na procura de quaisquer incertezas que pudessem ser usadas para desacreditá-lo. O Painel informa que em todos os continentes, exceto na Antártida, é provável que o aquecimento provocado pelo homem tenha contribuído para a temperatura superficial. Portanto, aqueles que se sentem ameaçados pelas evidências ignoram os outros continentes e se concentram na Antártida, como prova de que a mudança climática causada pelos combustíveis fósseis não pode estar acontecendo.

Eles fazem grande alarde do reconhecimento feito pelo IPCC de que houve uma "redução na tendência de aquecimento da superfície no período de 1998-2012", mas de alguma forma ignoram que a última década ainda é a mais quente até hoje registrada por instrumentos.

Eles manejam para negligenciar a conclusão do Painel que esta desaceleração da tendência deve ter sido causada por erupções vulcânicas, variações na radiação solar e, também, pela variabilidade natural do ciclo planetário.

Se não fosse pelo aquecimento global provocado pelo homem, esses fatores poderiam ter feito o mundo significativamente mais frio durante este período. O fato de ter havido um aumento ligeiro na temperatura mostra o poder da contribuição humana.

Mas a negação é apenas uma parte do problema. Mais significativo é o comportamento dos poderosos que afirmam aceitar as evidências. Esta semana a ex-presidente irlandesa Mary Robinson acrescentou sua voz a uma chamada que alguns de nós vimos fazendo há anos: o único meio eficaz de prevenir o colapso climático é deixar os combustíveis fósseis no subsolo. Pergunte a qualquer ministro sobre este assunto em particular e, de uma forma ou de outra, eles vão admitir esta verdade. No entanto, nenhum governo vai agir assim.

Como que para marcar a publicação do novo relatório o Department for Business, Innovation and Skills estampou um cartaz gigante em suas janelas: "Petróleo e gás: energia para a Grã-Bretanha. £ 13,5 bilhões estão sendo investidos na exploração de petróleo e gás no Reino Unido este ano, mais do que em qualquer outro setor industrial".

A mensagem não poderia ter sido mais clara se tivessem dito "dane-se". É um exemplo do modo pelo qual todos os governos colaboram com o desastre que publicamente lamentam. Eles sabiamente demonstram concordar com a necessidade de fazer algo para evitar a catástrofe prevista pelo painel, enquanto promovem as indústrias que a causam.

Não importa quantos geradores eólicos ou painéis solares e usinas nucleares forem construídos se não aposentarmos simultaneamente a produção de combustíveis fósseis. Precisamos de um programa global cujo objetivo é deixar a maioria das reservas de petróleo e gás e carvão enterradas onde estão ao mesmo tempo em que desenvolve novas fontes de energia e reduz a incrível quantidade de energia que desperdiçamos.

Mas, longe de fazê-lo, os governos em todos os lugares ainda estão tentando espremer cada gota de suas reservas e garantir acesso às dos outros. Enquanto as reservas mais acessíveis são esvaziadas, as empresas de energia exploram as partes mais remotas do planeta, subornando e intimidando governos para que as permitam abrir lugares ainda inexplorados: do fundo do oceano às regiões abertas pelo degelo do Ártico.

E os governos que permitem esta exploração choram lágrimas negras e pegajosas sobre a situação do planeta.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Por que a Apple é tão evasiva sobre como fabrica o iPhone?


Foto: Friends of the Earth; Gallery - Mining for mobiles: devastation in Indonesia.
Artigo de George Monbiot publicado no The Guardian no dia 23 de setembro de 2013.

“Empresa modelo” da moderna tecnologia perde seu brilho por esquivar-se de perguntas sobre mineração de estanho ilegal na Indonésia.

Você está animado com o lançamento dos novos iPhones da Apple? Você decidiu comprar um? Você tem alguma ideia do que você está comprando? Se assim for, você está por conta própria. Quando perguntada sobre onde obtém seus minerais, a Apple, que tanto tem feito para nos convencer de que é hábil, legal, ágil e ‘cool’, parece arrogante, pesada e inexplicável.

A pergunta era simples: a Apple compra estanho de Bangka Island? O contorcionismo feito para responder foi quase cômico.

Quase metade da oferta mundial de estanho é usada na solda de aparelhos eletrônicos. Cerca de 30% de estanho do mundo vem de Bangka e Belitung, ilhas na Indonésia, onde uma orgia de mineração não regulamentada está reduzindo um sistema florestal rico e complexo a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho nas águas costeiras estão acabando também com corais, moluscos gigantes, pesca local, ameaçando o peixe bodião, os manguezais e as praias usadas pelas tartarugas para reprodução.

Ali crianças são empregadas em condições chocantes e, em média, um mineiro morre a cada semana em acidentes de trabalho. A água limpa está desaparecendo, a malária está se espalhando devido à reprodução de mosquitos nas cavas abandonadas pela mineração, e os pequenos agricultores estão sendo expulsos de suas terras. E os fabricantes de eletrônicos – esses modelos de modernidade – contam com estas práticas fora de moda para seu fornecimento.

A ONG Amigos da Terra e seu parceiro indonésio, Walhi, os quais documentaram essa catástrofe, não estão clamando pelo fim da mineração de estanho em Bangka e Belitung: eles reconhecem que a atividade mantem muitas pessoas que não encontrariam trabalho em outro lugar. O que eles querem é transparência da parte das empresas que compram o estanho extraído lá, o que poderia iniciar um acordo para redução dos impactos e pela proteção das pessoas e dos animais selvagens. Sem transparência, não há responsabilidade, sem responsabilidade não há nenhuma perspectiva de melhora.

Eles abordaram os maiores fabricantes de smartphones do mundo, perguntando se estes estão usando estanho de Bangka. Todos, exceto uma das grandes marcas, reconheceram que sim. Samsung, Philips, Nokia, Sony, BlackBerry, Motorola e LG admitiram a compra (ou a provável compra) de estanho da ilha por meio de intermediários, e se comprometeram a ajudar a resolver a bagunça. Mas uma empresa se recusa a falar.

Tim Cook, executivo-chefe da Apple, afirmou no ano passado: "queremos ser tão inovadores com nosso suprimento como somos com nossos produtos. Isto é como salto de vara. Quanto mais transparente formos, mais seremos vistos pelo público. Quanto mais formos vistos, mais outras empresas decidirão fazer algo similar". Que bom seria, se a Apple não parecesse a seguir política oposta.

Mobilizados pela ONG Amigos da Terra, 25 mil pessoas já escreveram para a empresa perguntando se ela está comprando estanho da zona de desastre ecológico da Indonésia. A resposta foi um sonoro "não falamos disto".

Abordei a Apple na semana passada, no que parecia ser o tipo de entrevista que você consegue com alguém que vende televisores atrás de um caminhão. O diretor de relações públicas da empresa recusou-se a deixar-me gravar a conversa e insistiu que esta deveria acontecer ‘off the record’, para pano de fundo da informação somente. Depois de tudo isto o que ele me disse foi... absolutamente nada. Tudo o que ele queria fazer era me dirigir de volta à página sobre a qual eu tinha perguntas.

Esta página diz, com a ambiguidade desconcertante, que "Bangka Island, Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho do mundo. Preocupações recentes sobre a extração ilegal de estanho desta região levaram a Apple a fazer uma visita de averiguação para saber mais." Por que realizar uma visita de averiguação, se você não usa o estanho da ilha? E se você estiver usando, por que não dizê-lo? Nenhuma resposta.

Hoje eu lhe fiz um conjunto diferente de perguntas. Em um artigo anterior, em março, elogiei a Apple pelo mapeamento de sua cadeia de suprimentos que revelou o uso de metais processados por 211 fundições em todo o mundo. Mas, tendo em vista a sua resposta ridícula para as minhas perguntas sobre Bangka, comecei a me perguntar o quão confiável seria este esforço. A Apple ainda não nomeou qualquer uma das empresas da lista, ou forneceu qualquer informação útil sobre seus fornecedores.

Então perguntei ao diretor de RP se poderia ver a lista, e se ela foi auditada: em outras palavras, se há alguma razão para acreditar que esta é um passo para a verdadeira transparência. Sua resposta? Dirigiu-me de volta à mesma página. Desnecessário dizer que ao lê-la pela quarta vez achei-a tão (des)informativa como da primeira.

Enquanto eu estava arrancando meus cabelos com as evasivas da Apple, a empresa Fairphone lançava seu primeiro aparelho no London Design Festival. Esta empresa não se formou apenas para construir um genuíno smartphone ético, mas também para tentar mudar o modus operandi das cadeias de suprimento e das estratégias de trabalho. Parece tudo o que a Apple deveria ser, mas não é. Embora seu primeiro telefone não venha a ser entregue antes de dezembro, a empresa já vendeu 15 mil aparelhos para pessoas que querem a tecnologia do século 21 sem a ética do século 19.

O Projeto Restart, que ajuda as pessoas a reparar os seus próprios telefones (algo que os produtos da Apple, muitas vezes parecem concebidos para frustrar) estava no mesmo festival, apontando que o aparelho mais ético é o que você tem no seu bolso, mantido para superar sua obsolescência programada.

Esta não é a única maneira pela qual a Apple parece desatualizada. Na semana passada, 59 organizações lançaram campanha para uma lei europeia mais rígida que obrigue as empresas a investigar suas cadeias de fornecimento e publicar relatórios sobre os impactos sociais e ambientais destas. Por que uma empresa pode ser capaz de escolher se quer ou não deixar seus clientes e acionistas no escuro? Por que não devemos saber tanto sobre seus impactos como sabemos sobre a sua situação financeira?

Até que a Apple responda às perguntas feitas por aquelas 25 mil pessoas, até que mostre a transparência que Tim Cook prometeu, mas não entregou, não compre seus produtos. Feita por uma empresa que parece matreira, inexplicável e, francamente, ridícula, eles são o epítome do ‘uncool’.

Lendo os jornais

Lord Stern: cada vez gosto mais deste cara. Ele disse que os governos devem tratar "apenas como ruido" o que dizem os céticos às mudanças climáticas. Em entrevista ao The Guardian falou que "é irracional e não-científico" sugerir que os riscos são pequenos; "Como eles podem dizer que conhecem os riscos e que estes são pequenos? A conclusão clara de 200 anos de ciência e observação climática mostra uma forte associação entre o aumento da concentração de dióxido de carbono e a temperatura da superfície global".

Greenpeace x Putin: finalmente o Greenpeace arrumou um bom inimigo: o Putin comparou o protesto do GP com o ataque ao shopping de Nairobi. Disse que os oficiais que prenderam o navio e sua tripulação “não sabiam quem estava tentando abordar a plataforma disfarçado de Greenpeace”. E tascou: “Especialmente tendo em conta os acontecimentos no Quênia, na verdade, qualquer coisa pode acontecer".

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Estado trapaceiro de Obama

EUA apela a outros países que respeitem os mesmos tratados que viola
George Monbiot; The Guardian; 09/09/2013

É quase possível ter pena dessa gente. Ao longo de 67 anos vários e sucessivos governos dos EUA resistiram aos apelos pela reforma do Conselho de Segurança da ONU defendendo um sistema que concede a somente cinco países o poder de veto sobre a política mundial enquanto reduz todos os outros a espectadores impotentes. Estes países têm abusado dos poderes e da confiança com que foram investidos. Os EUA tem mantido com os outros quatro membros permanentes (Grã-Bretanha, Rússia, China e França) uma divisão colonial, por meio da qual estas nações podem perseguir seus próprios interesses corruptos em detrimento da paz e da justiça global (1).

Os EUA já exerceu seu direito a veto por 83 vezes (2). Em 42 dessas ocasiões o fez para evitar que Israel fosse censurado pelo tratamento dado aos palestinos (3). Na última ocasião, 130 países apoiaram a resolução, mas Obama a detonou (4). Apesar do poder de veto ter sido utilizado com menos frequência desde o colapso da União Soviética em 1991, os EUA o exerceu por 14 vezes desde então (em 13 casos para proteger Israel), enquanto a Rússia o usou nove vezes (5). Cada vez mais os membros permanentes têm usado a ameaça do veto para impedir a discussão de resoluções. Eles têm intimidado o resto do mundo ao silêncio.

Através deste poder tirânico - criado num momento em que outras nações estavam alquebradas ou sem voz - os grandes senhores da guerra dos últimos 60 anos continuam a ser responsáveis pela paz mundial. Os maiores comerciantes de armas detêm a tarefa do desarmamento global. Aqueles que pisam na lei internacional detêm a administração da justiça (6).

Mas agora, quando o poder de veto de dois membros permanentes (Rússia e China) obstrui sua tentativa de derramar gasolina sobre outro fogo do Oriente Médio, os EUA decidem repentinamente que o sistema é ilegítimo. "Se", diz Obama, "transformarmos o Conselho de Segurança da ONU não em um meio de forçar o cumprimento das normas e leis internacionais, mas sim numa barreira... então eu acho que as pessoas, com razão, vão se tornar muito céticas sobre o sistema” (7). Bem, parece verdade.

Nunca Obama, ou seus antecessores, tentou uma reforma séria do sistema. Nunca procuraram substituir uma oligarquia global corrupta por um corpo democrático. Nunca lamentaram esta injustiça - até se oporem ao resultado. O mesmo vale para todos os aspectos da governança global.

Barack Obama alertou na semana passada que o uso pela Síria de gases venenosos “ameaça reverter a norma internacional contra as armas químicas abraçada por 189 nações” (8) . Esclarecendo a norma internacional é o trabalho do presidente dos EUA.

Em 1997 os Estados Unidos concordaram em destruir em 10 anos as 31 mil toneladas de gases Sarin, VX, mostarda e outros agentes que possuía. Em 2007, solicitou a extensão máxima de prorrogação permitida pela Convenção sobre Armas Químicas: cinco anos. Mais uma vez não conseguiu manter a sua promessa (9) e em 2012 alegou que destruiria os estoques até 2021 (10). Seria a nação mais rica do mundo incapaz de concluir esta tarefa em tempo? Ou estaria apenas sem vontade? A Rússia pediu à Síria que coloque suas armas químicas sob controle internacional (11). Talvez devesse pressionar os EUA a fazerem o mesmo.

Em 1998 a administração Clinton forçou uma lei por meio do Congresso que proibia aos inspetores internacionais de armas recolherem amostras de produtos químicos nos EUA. A mesma lei permitiu ao presidente a recusa de inspeções não anunciadas (12). Em 2002, o governo Bush forçou a demissão de José Maurício Bustani, diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (13, 14). Bustani tinha cometido dois crimes imperdoáveis: buscar uma rigorosa inspeção das instalações norte-americanas e pressionar Saddam Hussein a assinar a Convenção de Armas Químicas, para ajudar a prevenir a guerra que George Bush estava louco para travar.

Os EUA usou milhões de litros de armas químicas no Vietnã, Laos e Camboja. Também as usou durante a destruição de Falluja, em 2004, e depois mentiu sobre isso (15, 16). O governo Reagan ajudou Saddam Hussein em uma guerra contra o Irã na década de 1980, mesmo consciente de que Saddam usava os gases mostarda e nervoso (17) (O governo Bush, 15 anos depois, citou estes fatos como desculpa para atacar o Iraque).

A varíola foi eliminada da população humana, mas duas nações - Estados Unidos e Rússia - insistem em manter o patógeno em câmara fria. Eles afirmam que seu objetivo é desenvolver defesas contra um possível ataque com armas biológicas, mas a maioria dos especialistas da área considera que isto é um disparate (18). Ao levantar preocupações sobre a posse da doença um do outro, eles colaboraram na ameaça aos outros membros da Organização Mundial de Saúde, que os têm pressionado a destruir seus estoques (19).

Em 2001 o New York Times relatou que, mesmo sem supervisão do Congresso ou declaração nos termos da Convenção de Armas Biológicas, “o Pentágono construiu uma fábrica de germes que poderia fazer micróbios letais suficientes para destruir cidades inteiras". (20, 21) O Pentágono alegou que o objetivo era defensivo, o que mesmo assim não parece nada bom, uma vez desenvolvido em total violação ao direito internacional. O governo Bush também procurou destruir a Convenção de Armas Biológicas como um instrumento eficaz, ao fugir das negociações sobre o protocolo de verificação necessário para fazê-lo funcionar (22).

Pairando sobre tudo isso o grande inominável: a cobertura que os EUA provê às armas de destruição em massa de Israel. Não é apenas que Israel - que se recusa a ratificar a Convenção de Armas Químicas - usou fósforo branco como arma em Gaza (quando descarregado contra pessoas, o fósforo satisfaz a definição da convenção de "qualquer produto químico que, pela sua ação química sobre os processos vitais, possa causar a morte, incapacidade temporária ou dano permanente" (23)) .

E também, como assinalado pelo Washington Post, "o estoque de armas químicas da Síria é resultado de um acordo de cavalheiros nunca reconhecido no Oriente Médio pelo qual, por Israel ter armas nucleares, a busca de armas químicas pela Síria não atrai muito reconhecimento público ou crítica.”(24) Israel desenvolveu seu arsenal nuclear desafiando o tratado de não proliferação e os EUA o apoiou desafiando sua própria lei, que proíbe desembolsos em ajuda a um país detentor de armas não autorizadas de destruição em massa (25).

Quanto às normas do direito internacional, lembremo-nos de onde os EUA se colocam. O país permanece fora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, depois de declarar seus cidadãos imunes a ato de acusação. O crime de agressão que cometeu no Iraque - definido pelo tribunal de Nuremberg como "o supremo crime internacional" (26) - não segue apenas impune, mas também não mencionado por ninguém do governo. O mesmo se aplica à maioria dos crimes subsidiários de guerra cometidos por tropas norte-americanas durante a invasão e ocupação. Guantanamo dá de ombros para qualquer noção de justiça entre as nações.

Nada disso exime o governo de Bashar al-Assad - ou seus adversários - de uma longa série de crimes hediondos, incluindo o uso de armas químicas. Também não sugere a existência de uma resposta fácil aos horrores na Síria.

Mas o fracasso de Obama em ser honesto acerca do registro de ações do seu país para destruir as normas internacionais e minar o direito internacional, seu mito produzido sobre o papel dos EUA nos negócios globais e as suas intervenções unilaterais no Oriente Médio, tudo isto torna a crise na Síria mais difícil de resolver. Até que haja alguma sinceridade acerca dos crimes do passado e das injustiças atuais, até que haja um esforço para resolver as desigualdades sobre as quais domina, tudo que os EUA tente, mesmo que não envolva armas e bombas, vai atiçar o cinismo e a raiva que o presidente diz querer matar.

Durante seu primeiro discurso de posse, Barack Obama prometeu "deixar de lado as coisas infantis" ( 27). Todos nós sabíamos o que ele queria dizer. Ele não fez isso.

Referências:

1. See George Monbiot, 2003. The Age of Consent: A manifesto for a new world order. Harper Perennial, London.

2. http://edition.cnn.com/2013/09/03/world/united-nations-security-council-fast-facts/index.html

3. http://jewishvoiceforpeace.org/campaigns/no-more-us-vetoes-at-the-un

4. Sahar Okhovat, December 2011. The United Nations Security Council: Its Veto Power and Its Reform. CPACS Working Paper No. 15/1. http://sydney.edu.au/arts/peace_conflict/docs/working_papers/UNSC_paper.pdf

5. http://www.un.org/depts/dhl/resguide/scact_veto_en.shtml

6. http://www.un.org/en/sc/about/functions.shtml

7. http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2013/09/06/remarks-president-obama-press-conference-g20

8. http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2013/09/06/remarks-president-obama-press-conference-g20

9. https://www.armscontrol.org/act/2006_05/CWC2012

10. http://www.nti.org/gsn/article/pueblo-chemical-disposal-plant-85-finished/

11. http://www.theguardian.com/world/2013/sep/09/russia-syria-hand-over-chemical-weapons

12. http://www.armscontrol.org/act/2001_04/tucker

13. http://www.theguardian.com/world/2002/apr/16/iraq.comment

14. http://www.theguardian.com/politics/2002/apr/23/foreignpolicy.usa

15. http://www.theguardian.com/politics/2005/nov/15/usa.iraq

16. http://www.theguardian.com/world/2005/nov/22/usa.iraq1

17. http://www.foreignpolicy.com/articles/2013/08/25/secret_cia_files_prove_america_helped_saddam_as_he_gassed_iran

18. http://www.bbc.co.uk/news/health-13360794

19. http://www.livescience.com/14297-smallpox-decision-stocks.html

20. http://www.nytimes.com/2001/09/04/international/04BIOW.html

21. http://www.nytimes.com/2001/09/04/world/us-germ-warfare-research-pushes-treaty-limits.html

22. Edward Hammond, 21 September 2001. Averting Bioterrorism Begins with US Reforms. The Sunshine Project. http://www.greens.org/s-r/27/27-15.html

23. http://www.opcw.org/chemical-weapons-convention/articles/article-ii-definitions-and-criteria/

24. http://www.washingtonpost.com/blogs/fact-checker/post/history-lesson-when-the-united-states-looked-the-other-way-on-chemical-weapons/2013/09/04/0ec828d6-1549-11e3-961c-f22d3aaf19ab_blog.html

25. http://www.theguardian.com/world/2006/dec/13/israel

26. http://bit.ly/ORgbew

27. http://www.nytimes.com/2009/01/20/us/politics/20text-obama.html

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Novas previsões para as mudanças climáticas no Brasil

Estas são as principais manchetes do relatório lançado hoje pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas:
No Brasil o aquecimento global significará principalmente mudanças no padrão de chuvas.
No Sul e no Sudeste, regiões que já sofrem com enchentes e deslizamentos, as chuvas se tornarão mais fortes e mais frequentes.
No Nordeste a tendência é oposta, a região que já é a mais castigada pelas secas enfrentará grande redução da quantidade de chuvas e secas ainda mais frequentes.
A Caatinga será, seguida pelo Cerrado, o bioma que mais sofrerá com a mudança nos padrões de chuva. O aumento da temperatura na região poderá chegar a 5,5ºC até o final do século XXI.
A área mais ameaçada da Amazônia é sua parte oriental que, além de ser mais vulnerável à mudança do clima, também enfrenta forte pressão da fronteira agrícola. Esta região sofre o risco de passar por mudanças no tipo de floresta que poderá ficar mais pobre, com menor biomassa e menor biodiversidade de fauna e flora.
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas reuniu 345 pesquisadores brasileiros e os principais dados científicos existentes para fazer projeções de como a região responderá ao aumento das médias de temperatura causado pelo aquecimento global.
O relatório completo pode ser lido no endereço http://www.pbmc.coppe.ufrj.br/pt/

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Países do Pacífico fazem declaração que pode fazer diferença para a mudança climática

A Austrália, a Nova Zelândia e vários outros países-ilha do Pacífico assinaram ontem a Declaração de Majuro pela Liderança Climática.
Qual é a diferença que mais esta declaração de intenções faz?
Primeiro os países reconhecem a insuficiência completa dos atuais esforços para combater as mudanças climáticas e a responsabilidade de todos em agir com urgência para a eliminação da poluição por gases de efeito estufa. Não se fala em reduzir as emissões em tantos por cento, mas em mudar de mentalidade para nos livrarmos destas emissões completamente.
Outra coisa é o abandono do discurso "eu não vou mudar até que você mude primeiro", que muitos governos do mundo continuam a manter, e a adoção do "eu estou me movendo e convido você a mudar comigo".
Se mais países seguirem esta sinalização seria possível mudar a dinâmica das negociações climáticas da ONU.
Assinaram a Declaração de Majuro pela Liderança Climática os seguintes países: Austrália, Kiribati, Micronésia, Nauru, Niue, Nova Zelândia, Palau, Papua Nova Guiné, Samoa, Tonga, Tuvalu e Vanuatu.
A declaração pode ser lida em http://d3n8a8pro7vhmx.cloudfront.net/majurodeclaration/pages/25/attachments/original/1378363615/130905_RMI_PIF_Majuro_Declaration___Commitments.pdf?1378363615

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Lições do Japão sobre energia nuclear

Este artigo do amigo Roberto Hukai foi publicado no número 27 da Revista de Estudos Avançados (2013)

Daqui a mil anos, ao olhar pelo retrovisor, os historiadores sobre “energia nos séculos XX e XXI” certamente dirão que a história da energia nuclear foi muito fascinante. Esse especial fascínio da energia nuclear é bastante distinto do petróleo e do carvão que também merecerão capítulos importantes na história da energia.

Esse fascínio exercido pela energia nuclear, que a distingue do petróleo e do carvão, advém de dois aspectos de sua natureza que estão intimamente ligados com a psicopatologia do ser humano: o primeiro é derivado da possibilidade de o homem usar energia nuclear para matar maciçamente seus semelhantes; e o segundo é devido à psicoantropologia do medo (presente desde a infância) do inimigo invisível, obscuro, que eventualmente o poderia matar, a radiação nuclear. Nos tempos do homem-primata, desde que ele inventou uma máquina capaz de matar um seu semelhante, ou um animal, a cem metros de distância, ele tanto se encantou com o arco-e-flecha que essa supermáquina foi admirada pelos guerreiros por milhares de anos, até a Idade Média. Logo no início dessa invenção, um “filósofo” daquela época teria pensado: “Nunca mais haverá guerras, pois o homem pode matar um inimigo a cem metros de distância…”. Depois, o mesmo homem inventou a pistola, o canhão e outras coisas mais terríveis. Mas nada comparável a uma bomba termonuclear. Lembremos, “nunca mais haverá guerras…”.

Para ilustrar o poderio da energia nuclear como arma para matar seres humanos, imaginemos a explosão de uma bomba termonuclear de um megaton em cima de São Paulo, a mil metros de altura, sobre o túnel Nove de Julho. Primeiro, o calor resultante da explosão seria tão intenso (mais de 25 milhões de graus centígrados no seu centro) que quase todo material combustível pegaria fogo até a Serra da Cantareira, e a onda de choque do ar, seguido dos ventos na direção do talo do “cogumelo nuclear”, teria uma força mecânica de arraste semelhante a um furacão de 300 km/h na região de Santo Amaro. Um prédio de cinco andares receberia uma força lateral equivalente ao peso de mil elefantes, um sobre outro. Tudo isso resultaria na destruição dos prédios, na morte de mais de 1,6 milhão de paulistanos, logo nas primeiras horas. A massa dos gases radioativos (contendo, entre outros, os produtos de fissão Iodo-131, Césio 134/137 e Estrôncio-90), então, subiria a 400 km por hora para uma altura de uns 20 km. E de lá, logo em seguida, esses gases radioativos seriam dispersos imediatamente sobre centenas de milhares de quilômetros quadrados na direção dos ventos sobre o Estado de São Paulo e o mar. E, ao contrário do que se pensa, pouquíssimas pessoas morreriam de radiação nuclear direta! Os incêndios e as ondas de choque do ar seriam as causas de quase todas as mortes. Ou seja, numa explosão nuclear pouca gente morre de radiação. A grande maioria das vítimas morre pelos efeitos do calor e da força dos ventos sobre as edificações da cidade.

Por outro lado, no entanto, em um acidente nuclear da Classe 7 (IAEA) que venha a ocorrer em reatores nucleares de potência, uma grande massa de radioatividade seria lançada a uma altura de menos de 50 a 150 metros e, portanto, a radioatividade, dependendo das condições dos ventos no local, seria espalhada nas imediações do reator nuclear acidentado (10 a 30 km de raio, tipicamente). E, assim sendo, toda a população ao redor do reator acidentado (até 100 km, em algumas manchas de terreno, como no caso de Fukushima) seria afetada pela radiação. Num país densamente habitado, como o Japão, em que a população convive com os reatores de potência no mesmo espaço geográfico, a energia nuclear se torna inviável se se considerar a possibilidade de acidentes do tipo que ocorreu em Chernobyl.

De outra forma, devido à capacidade destrutiva das armas nucleares, o fator geopolítico sempre foi extremamente relevante na história da indústria nuclear. Daí decorrem fatos totalmente esdrúxulos para o senso comum. Por exemplo, um país pobre de somente 16 milhões de habitantes, como a Coreia do Norte, pode sentar-se numa mesa de negociações de igual para igual com países como os Estados Unidos, a China, a Rússia, o Japão e a Coreia do Sul, conjuntamente, para discutir o seu programa nuclear. Um outro caso esdrúxulo é o caso do Irã. Apesar de o país possuir a terceira maior reserva de gás natural do mundo, alega que procura desenvolver energia nuclear para geração de energia elétrica. Ora, qualquer estudante de pós-graduação em energia da USP sabe que uma usina de geração de energia elétrica feita com turbinas de combustão (turbinas a gás), utilizando o gás natural como combustível, requer cerca de cinco vezes menos investimento do que as usinas nucleares, e o seu custo de operação e manutenção também é mais baixo, sem contar os investimentos no desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear.

O Japão seguiu os ensinamentos em engenharia nuclear do MIT, na década de 1960 (do qual fiz parte como aluno de pós-graduação), onde foi inventada a rota do Urânio-Plutônio, isto é, a contínua reciclagem do plutônio nos chamados Fast Breeder Reators (FBR), que possibilitaria ao Japão gerar energia elétrica durante “mil anos” com somente alguns navios carregados de urânio importado do exterior. O fato que mais fascinou os estudantes japoneses de engenharia nuclear era que a energia atômica gerada por um só quilograma de Urânio seria estudos avançados 27 (78), 2013 275 equivalente, em energia, a 52 vagões de carvão, de um trem de carga. Portanto, para os japoneses, somente um carregamento de navio com urânio importado poderia representar a independência energética de fontes externas. A lógica rota Urânio-Plutônio era a solução para o Japão se tornar independente de fontes externas de energia.

Desde então, o Japão se lançou, e persistiu no desenvolvimento do projeto dos Fast Breeder Reactors, que possibilitaria a reciclagem do plutônio gerado no reator, continuamente. Visitei o primeiro piloto de FBR, Joyo, e o início da construção do protótipo comercial, Monju, no início da década de 1980, em Tsuruga. Mas o projeto do reator Monju se tornou uma tragédia monumental. Depois de mais de trinta anos, e custos de 1,2 trilhão de yens correntes, o projeto hoje está sendo abandonado, tendo operado somente um dia com os seus 280 MW nesses mais de trinta anos de sua história.

Monju Bodisatva, segundo o budismo, era um deus da iluminação e da sabedoria infinitas. De fato, Monju mostrou-se como o deus da sabedoria que ensinou os japoneses, pelo preço de mais de 20 bilhões de dólares, a abandonar o projetos dos FBR. Esse programa do FBR japonês guarda algumas lições importantes. Os próprios Estados Unidos, a Inglaterra e a França abandonaram os esforços para desenvolver esse tipo de reator, depois de gastarem dezenas de bilhões de dólares. Os ensinamentos de Monju podem ser sintetizados no Ocidente pela Lei de Murphy, isto é, “tudo que pode dar errado, um dia acontece, e no pior momento”. O refrigerador de sódio do reator Monju pegou fogo em 1995, depois de nove anos em construção. Como resultado, Monju ficou parado até 2010, quando, durante o processo de reativação do reator, dois operadores derrubaram um robô dentro do reator durante o carregamento de combustível nuclear. Dois operadores se suicidaram. Monju foi finalmente abandonado depois do acidente de Fukushima.

É digno de notar que a história da indústria nuclear japonesa, no que tange ao ciclo do combustível nuclear, também foi cheia de percalços. Em setembro de 1999, na usina de reprocessamento do combustível nuclear para a separação do plutônio, em Tokaimura, ocorreu um grave acidente no qual cerca de trezentos empregados foram contaminados por radiação e dois deles vieram a falecer. Mais tarde, a corporação PNC, dona da planta, veio a se desculpar em público por ter escondido a verdadeira dimensão e a gravidade daquele acidente.

A energia nuclear sofre de uma doença chamada de síndrome da mulher de César: “Não basta ela ser honesta, ela precisa parecer honesta”. No caso de Fukushima, houve uma antítese dessa síndrome. A mulher de César realmente parecia honesta (com base na tecnologia e na disciplina japonesas), mas era uma vagabunda: havia um contínuo conluio entre os executivos dos maiores fabricantes de reatores do mundo, as concessionárias de eletricidade nuclear, e 276 estudos avançados 27 (78), 2013 os reguladores-licenciadores. Conluio este moldado nas horas de folga nos spas urbanos de Tóquio entre os executivos dos três setores. Todos os três ramos da indústria nuclear japonesa se encontravam sob um mesmo ministério, quebrando-se a independência dos reguladores, regra básica da segurança nuclear.

E aos executivos da Tokyo Electrial Power Company (TEPCO) interessava mais o preço das ações da TEPCO na Bolsa de Tóquio do que acidentes nucleares. De fato, o acidente de Fukushima mostrou claramente que foi provocado pela “ignogância”, ou seja, uma mistura de ignorância com arrogância dos executivos da indústria nuclear japonesa, nela incluídos funcionários do governo. O tsunami de Fukushima serviu somente como um fator ignitor do acidente nuclear. Certa vez, ouvi de uma das secretárias dos professores do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade de Tóquio o seguinte: “Mas, eles sempre nos ensinaram que os reatores nucleares japoneses eram seguros…”.

Fukushima segue derramando água contaminada ao mar

A imagem mostra tanques que estão sendo utilizados em Fukushima para armazenar o volume de água contaminada que cresce todo dia. Especialistas preveem que a empresa responsável pelos reatores logo mais vai ficar sem espaço para armazenamento desta água contaminada, quando não restará alternativa senão despejá-la no mar ou evaporá-la.


O acidente faz o governo japonês torrar dinheiro: devem ser gastos mais de US$ 500 milhões na tentativa de criar um esquema de tratamento da água contaminada e de uma barreira de contenção para evitar que esta água contamine o lençol freático. Para isto a ideia é construir uma parede congelada de 1,4 km no subsolo em torno dos reatores acidentados.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pelo fim das obras viárias, doo meu estoque de narizes de palhaço a jornalista da Folha de São Paulo


O jornalista Marcos Augusto Gonçalves reagiu ao cancelamento de obras viárias do projeto arco do futuro do prefeito Haddad pedindo o nariz de palhaço a que teria direito (“Arco do Passado”, FSP, 19/08/2013, pg. C2). De meu lado, fiquei contente com o abandono de algumas daquelas ideias, principalmente grandes obras como as vias de apoio à Marginal Tietê. Até concordo com o jornalista quanto ao caráter eleitoreiro do projeto e quanto à possível decepção que a volta atrás pode trazer a vários eleitores, mas cá entre nós, ainda bem. Ainda bem que o prefeito Haddad voltou atrás em algumas besteiras sem tamanho prometidas no meio das ideias que compunham sua proposta de campanha “Arco do Futuro”.

A verdade é que a construção de mais avenidas e a ampliação das existentes, motivadas pelo tráfego congestionado, não faz nada para reduzir os congestionamentos. Se fizessem, o aumento de pistas na marginal Tietê feito pelo José Serra teria reduzido os índices de congestionamento na região e a construção das linhas Vermelha e Amarela teria contribuído para a redução dos congestionamentos no Rio de Janeiro, não é mesmo?

Esta afirmação não é minha, nem recente, alguns exemplos da literatura:
- Já em 1942 o engenheiro famoso Robert Moses percebeu que as vias que construiu em Nova York até 1939 estavam gerando problemas de trânsito maiores do que os que existiam anteriormente.
- Em 1989 a Southern California Association of Governments concluiu que o acréscimo de pistas e a construção de vias de dois andares não teriam mais do que um efeito cosmético sobre os problemas do trânsito de Los Angeles;
- Em 1998 relatório do governo britânico afirmou que o aumento da capacidade de tráfego leva as pessoas a dirigir mais – muito mais;
- A Universidade da Califórnia em Berkeley estudou 30 municípios da Califórnia entre 1973 e 1990 e constatou que, para cada aumento de 10 por cento na capacidade das estradas, o tráfego cresceu 9 por cento em quatro anos;
- Reportagem do USA Today relatou que “durante anos, Atlanta tentou afastar os problemas de tráfego construindo maior quantidade de quilômetros de auto-estradas per capita do que qualquer outra área urbana. Como resultado da expansão os habitantes de Atlanta agora dirigem uma média de 50 quilômetros por dia, mais do que os moradores de qualquer outra cidade”.*

São todos exemplos de tráfego induzido: uma nova avenida cria novos espaços para a urbanização que, uma vez ocupados, criam demanda por mais viagens e mais novas avenidas. A saída é conseguir ofertar trabalho, lazer, educação etc. próximos à casa das pessoas, o que era (ainda é, espero) o principal discurso justificador do Arco do Futuro. Se um dia chegarmos lá talvez vejamos a cena sonhada pela Associação Parque Minhocão que ilustra esta nota.

* Todos estas referências vieram do livro The Rise of Sprawl and the Decline of the American Dream, de Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberk e Speck Jeff; North Point Press, 2000, que tem um trecho traduzido no blog Vá de bici!, que me chegou graças ao amigo Carlos Faria, o Café.