sexta-feira, 19 de abril de 2013

Por que não conseguimos parar de queimar combustíveis fósseis?

Traduzi este artigo de Duncan Clark porque é dos melhores resumos que já vi sobre o maior dilema atual da humanidade: deixar ou não debaixo da terra a energia fóssil que tanto nos fez progredir, mas que ameaça acabar com a civilização?
O artigo é baseado no livro The Burning Question de Mike Berners-Lee e Duncan Clark, da Profile Books.


POR QUE NÃO CONSEGUIMOS PARAR DE QUEIMAR COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS?
Apesar do impulso à tecnologia limpa da última década continuamos a extrair e queimar combustíveis fósseis mais do que nunca.
Por Duncan Clark para o The Guardian (17/04/2013)

Nós temos muito mais petróleo, carvão e gás do que podemos queimar com segurança. Para além de todos os milhões de palavras escritas sobre a mudança climática, o desafio realmente se resume a isto: o combustível fóssil é extremamente útil, maciçamente valioso e extremamente importante geopoliticamente, mas combater o aquecimento global significa deixar a maior parte dele no chão - por opção. Embora ouçamos cada vez mais sobre promover a tecnologia verde, reduzir os níveis de consumo ou baixar a taxa de crescimento da população, deixar o combustível fóssil no solo é o cerne da questão. Afinal, o clima não sabe ou se importa quanto de energia renovável ou nuclear temos, quão eficientes nossos são nossos carros e casas, quantas pessoas existem, ou até mesmo como funciona nossa economia. Ele só se importa com quanto gás de efeito estufa bombeamos - e isto é, curiosamente, imune às ações que geralmente pensamos serem positivas.

Há três fatos que dizem tudo o que você realmente precisa saber sobre a ciência do clima e a política. Primeiro: apesar de toda a incerteza sobre os detalhes, todas as academias de ciência do mundo aceitam a visão dominante de que o aquecimento global está sendo produzido pelo homem. Segundo: praticamente todos os governos, reconhecendo o perigo real de adulteração do clima atual que permitiu à humanidade prosperar, concordaram que o mundo deve limitar o aumento da temperatura global a 2oC - um nível que não é seguro sob qualquer ponto de vista, mas que pode ser suficiente para evitar os piores impactos. Terceiro: a quantidade de aquecimento que vamos experimentar cresce de maneira mais ou menos proporcional à quantidade total de carbono que a sociedade global emite - cumulativamente.

Aqui está o busílis. Mesmo que deixemos para lá os obscuros e pouco convencionais recursos fósseis pelos quais as empresas hoje estão gastando bilhões para tentar acessar, a queima apenas da quantidade comprovadamente existente e economicamente viável de petróleo, carvão e gás emitiria quase 3 trilhões de toneladas de dióxido de carbono - o CO2. Ninguém pode dizer exatamente quanto de aquecimento isto possa causar, mas é muitíssimo provável que ultrapassaríamos 2oC, indo a 3oC ou até mesmo a 4oC de aquecimento.

Quatro graus pode não parecer muito, mas em nível planetário é. É quase o mesmo que o aumento de temperatura observado desde "último máximo glacial" da idade do gelo, quando grande parte do hemisfério norte ficou sob uma camada de gelo tão espessa como cinco dos arranha-céus mais altos do mundo empilhados em cima uns dos outros. É impossível dizer quais outras mudanças mais três ou quatro graus trariam, mas os impactos poderia muito bem incluir um colapso na produção global de alimentos, secas e inundações catastróficas, ondas de calor e o início do derretimento do manto de gelo que poderia, eventualmente, elevar o nível do mar o suficiente para acabar com muitas das grandes cidades do mundo.

Os céticos argumentam que esse cenário apocalíptico pode não acontecer - e eles estão certos. Se tivermos sorte, o impacto da queima de todo esse petróleo, carvão e gás pode ficar no lado menos grave do espectro de possibilidades. Mas isso é pouco reconfortante: é quase o mesmo que dizer que é tranquilo andar com os olhos vendados em uma auto estrada, já que você não pode ter certeza se passam carros por ali naquele momento. Com o aquecimento de menos de 1oC na temperatura do Planeta que presenciamos até agora, já estamos vendo algumas mudanças profundas, incluindo um colapso na cobertura de gelo do mar Ártico mais grave até do que as previsões mais pessimistas de poucos anos atrás.

Dado o que está em jogo, não é de admirar que os governos concordem que o aquecimento global deve ser interrompido. Mas é aí que o senso comum termina e começa a dissonância cognitiva. Porque, para termos uma boa chance de não excedermos a meta global (que já é arriscada), precisamos começar a eliminar gradualmente desde já os combustíveis fósseis em um ritmo rápido o suficiente capaz de reduzir as emissões globais em alguns pontos percentuais por ano, e continuar a fazê-lo pelas próximas décadas.

Agora compare isso com o que está realmente acontecendo. Tal como acontece com o clima, para entender a situação corretamente é necessário olhar mais de longe a tendência de longo prazo. Se o fizermos, se revela algo fascinante, preocupante e estranhamente esquecido. Como os cientistas da Universidade de Lancaster apontaram no ano passado, se você traçar um gráfico de todas as emissões de carbono que os seres humanos vêm bombeando para a atmosfera, o resultado é uma curva exponencial notavelmente clara que se estende desde a metade do século 19 até hoje. Observando de perto a última década fica claro que toda a preocupação científica, toda a retórica política e a toda a tecnologia limpa fizeram diferença na tendência global de longo prazo. A taxa de crescimento das emissões totais de carbono da década passada, mais ou menos 2% ao ano, foi a mesma que a da década de 1850.

Isso pode parecer difícil de acreditar. Afinal, graças a políticas e tecnologias verdes, as emissões vêm caindo na Europa, nos EUA e em muitos outros países. As turbinas de vento e os painéis solares são cada vez mais comuns, não só no ocidente, mas têm rápido crescimento também na China. E a eficiência energética dos automóveis, lâmpadas, casas e de economias inteiras tem melhorado globalmente por décadas. Então, porque a curva de crescimento do carbono não nos dá trégua? Alguns podem instintivamente querer culpar o crescimento da população, mas as curvas não se comparam. A taxa de crescimento da população caiu como uma pedra desde 1960 e não é mais exponencial, mas a curva de carbono não parece ter notado o Protocolo de Quioto ou que você foi trabalhar de bicicleta esta manhã. Por alguma razão, cortar o carbono até agora tem sido como apertar um balão de gás: ganhos obtidos em um lugar têm sido anulados por aumentos em outros.

Para entender o que está acontecendo de errado, é necessário considerar a natureza do crescimento exponencial. Este tipo de tendência de aceleração é renitente quando existe uma retroalimentação positiva no sistema. Por exemplo, uma dívida de cartão de crédito cresce exponencialmente porque os juros são calculados sobre uma base cumulativa. O número de algas em um frasco cresce da mesma forma: enquanto houver comida e ar haverá mais algas e estas poderão se reproduzir mais. O fato de que as nossas emissões de carbono têm seguido a mesma tendência de aceleração sugere que o uso de energia é impulsionado por um tipo similar de retroalimentação que está cancelando os aparentes ganhos verdes.

Isso certamente se encaixa com a história. A revolução industrial que marcou o início do impacto humano sobre o clima foi impulsionada por exatamente por um mecanismo de retroalimentação como este. O motor a vapor permitiu drenar minas de carvão, dando assim acesso a mais carvão que poderia fornecer energia para mais motores a vapor capazes de extrair ainda mais carvão. Isso levou a melhores tecnologias e materiais que eventualmente ajudaram a aumentar a produção de petróleo também. Mas o petróleo não deslocou o carvão e sim nos ajudou a minerar carvão de maneira mais eficaz e estimulou mais tecnologias que elevaram a demanda de energia global. Assim, o uso do carvão continuou subindo também - e uso do óleo, por sua vez, continuou a aumentar enquanto o gás natural, as energias nuclear e hidrelétrica entraram em operação, ajudando a impulsionar a era digital, o que por sua vez disparou tecnologias mais avançadas capazes de identificar reservas de combustíveis fósseis mais difíceis de serem encontradas.

Visto como uma retroalimentação comandada pela tecnologia, não é de estranhar que nada tenha ainda domado a curva global de emissões, porque até agora nada cortou seu suprimento de alimento: os combustíveis fósseis. De fato, embora os governos agora subsidiem fontes de energia limpa, carros e edifícios eficientes - e encorajem todos nós a usar menos energia - eles continuam a minar todos estes esforços por meio da extração de tanto petróleo, carvão e gás quanto possível. E se as políticas verdes acabarem com o mercado para os combustíveis fósseis em casa, não importa: estes podem ser exportados.

Este extraordinário duplo padrão está à vista de todos e em qualquer lugar. Pegue os EUA. Obama se gaba de que as emissões norte-americanas estão caindo devido ao aumento dos padrões de eficiência dos automóveis e da entrada do gás que desloca o carvão sujo do mix energético. Mas os EUA estão extraindo carvão e colocando-o no sistema global de energia mais rápido do que nunca. Seu boom do gás simplesmente lhe permitiu exportar mais carvão do que nunca para outros países como a China - que, naturalmente, usam-no em parte para produzir bens de consumo para os mercados norte-americanos. Não satisfeito em aumentar a extração de carvão nos EUA, Obama também deverá aprovar o gasoduto Keystone XL, que permitirá ao Canadá inundar os mercados globais com óleo cru produzido a partir das sujas areias de Xisto. Tanto mais carbono para ser cortado.

Ou tome a Austrália, que, no mesmo ano introduziu um imposto sobre o carbono e começou a discutir planos para uma série de "mega-minas" que aumentariam massivamente suas exportações de carvão, ajudando a construir confiança entre as empresas e governos que planejam construir nada menos que 1.200 novas termelétricas a carvão ao redor do mundo. Mesmo o Reino Unido, com suas metas de redução de carbono líderes no mundo, dá incentivos fiscais para incentivar a exploração de petróleo e gás e tem feito crescer sua pegada de carbono por depender cada vez mais das fábricas chinesas e, portanto, indiretamente, do carvão americano e australiano. E não apenas isso. Embora raramente isto seja comentado, o reino unido juntamente com outras nações supostamente verdes, como Alemanha, pede regularmente à Arábia Saudita e a outros países da Opep para produzir não menos óleo, mas mais. Como o jornalista George Monbiot mostrou certa vez, as nações estão tentando, simultaneamente, "reduzir a demanda e aumentar a oferta de combustíveis fósseis".

Não são apenas os governos que estão em negação quase universal do que precisa acontecer com os combustíveis fósseis. Ignorando alegremente o fato de que já há muito mais combustível acessível do que pode ser queimado de forma segura, os gestores de fundos de pensão e outros investidores estão permitindo que empresas de combustíveis fósseis gastem US$ 1 trilhão ao ano (algo comparável ao orçamento de defesa dos EUA, ou mais de US$ 100 para cada pessoa no planeta) para encontrar e desenvolver ainda mais reservas.

Se e quando esta insanidade for questionada, a bolha de carbono vai estourar e esses investimentos passarão a ser tão tóxicos como as hipotecas sub-prime. E não se baseie em minha opinião: os analistas do HSBC recentemente concluíram que gigantes do petróleo como a BP - empresa amada pelos fundos de pensão do Reino Unido - poderiam ter seu valor reduzido à metade se o mundo decidir combater as mudanças climáticas. Por sua vez, as empresas de carvão podem esperar um tombo ainda maior. E nossos reguladores financeiros ainda lhes permitem operar nos mercados de ações sem mencionar nos seus prospectos que partes de seus ativos podem ser rebaixados em breve.

Mas, por enquanto, o combustível fóssil continua fluindo livremente. E enquanto isto continuar, a retroalimentação global provocada por esta energia fóssil vai garantir que nossas louváveis iniciativas continuem ineficazes - ou mesmo contraproducentes. Motores mais eficientes podem simplesmente permitir que mais pessoas conduzam mais carros a distâncias maiores, provocando mais construção de estradas, mais comércio e casas maiores nos subúrbios que demandarão mais energia para seu aquecimento. Novas fontes de energia renováveis ou nucleares só podem levar a mais atividade econômica, aumentando a demanda e oferta de todas as fontes de energia, o que inclui os combustíveis fósseis. E os cortes de carbono locais derivados de escolhas sustentáveis ou verdes, o declínio da população ou até mesmo novos modelos econômicos podem simplesmente liberar mais combustível para uso em outros lugares.

É claro que o uso do petróleo, do carvão e do gás se estabilizará eventualmente não importa o que fizermos. Isto porque estes recursos são finitos e a cada ano ficam mais caros em relação às energias renováveis e à nuclear. Mas, dada a contínua aceleração não apenas da extração de combustíveis fósseis, mas da produção de automóveis, caldeiras, fornos e usinas que precisam de petróleo, carvão e gás para funcionar, é zero a possibilidade de que isto aconteça por si só em breve. Esqueça o pico do petróleo causado por uma diminuição de suprimento. Pelo menos até que tenhamos uma maneira barata de capturar e estocar carbono precisaremos fazer acontecer o tal o pico de uso de combustíveis fósseis. Voluntariamente. E em breve.

Sabemos como fazê-lo. Um sistema global de limite de emissões e comércio de créditos é uma opção. Rígidos impostos sobre a produção ou a venda de combustíveis fósseis outra. Ou podemos simplesmente obrigar as empresas que retornem ao solo uma parcela crescente do que extraem. Qualquer um desses modelos poderia derrubar as emissões globais e estimular uma explosão de investimentos e inovação em sistemas de energia limpa e eficiente. Mas não há como evitar efeitos colaterais desagradáveis: uma espiral de preços de combustível e eletricidade, uma baixa de muitos trilhões de dólares no valor das reservas de combustível fóssil, e uma feroz disputa mundial pelo pouco combustível que seria possível queimar.

Como tudo isso afetaria a economia global, ou os fundos de pensão ou a saúde financeira do Oriente Médio, dos EUA e de outras nações ricas em carbono que resistem a um acordo climático global? Pelos pareceres de gente séria de ambos os lados, ninguém pode dizer com certeza, assim como ninguém pode estar certo de como a sociedade humana se sairá em um mundo em aquecimento. Mas com tanto dinheiro e poder ligado ao petróleo, ao carvão e ao gás, uma coisa parece clara: congelar os estoques globais de combustíveis fósseis demanda pensar alto, políticas duras e - isto é crucial - muita pressão pública. Cortes voluntários de carbono são um grande começo, mas não são páreo para um sistema de retroalimentação energética global.

Globalmente, a grande maioria das pessoas quer ver afastada a ameaça da mudança climática. Mas conseguiremos priorizar um planeta seguro passando por cima dos atrativos de combustíveis baratos, voos fáceis, energia abundante e bens de consumo sedutores? Conseguiremos chamar nossos líderes a acabar com o duplo-padrão de pensamento e passar a restringir petróleo, carvão e gás em nosso nome? Conseguiremos reunir a força e a cooperação necessárias para que ativos de trilhões permaneçam embaixo do solo?

Combustíveis fósseis e risco econômico sistêmico

Lord Nicholas Stern, professor da London School of Economics, disse que o mundo pode estar caminhando para uma enorme crise econômica provocada pela bolha de investimentos de trilhões de dólares em combustíveis fósseis.

A idéia de um possível estouro da bolha de carbono foi levada a sério por organizações financeiras e do setor energético como HSBC, Citi, Bank of England, Standard and Poor's e a International Energy Agency, que reconheceram para o jornal The Guardian que o valor atual dos ativos em petróleo, gás e carvão é um risco sistêmico para a economia global na medida em que as nações combatam o aquecimento global.

Você tem ações da Petrobrás?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Madame Foster acha lindo congestionamento

A presidente da Petrobras, Graça Foster, disse ao jornal gaúcho Zero Hora que acha "lindo engarrafamento" pois "o meu negócio é vender combustível".

Ela deveria ler seu próprio website que diz ser "uma empresa de energia que alia a expansão dos negócios ao compromisso com o desenvolvimento sustentável" e que "respeito pelo meio ambiente e compromisso com a sociedade: esse é o nosso jeito de ser".

A pergunta que não quer calar: madame Foster é uma anta ou o website da empresa lava (a imagem) mais verde?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Tribo amazônica ameaça declarar guerra em meio a polêmica sobre o projeto de represa no Tapajós

Líder Munduruku criticou a "traição" depois do governo pressionar pela construção da barragem sem o consentimento comunidade.

Uma comunidade amazônica ameaçou "ir à guerra" contra o governo brasileiro após o que eles dizem ser uma incursão militar em suas terras feita por construtores de barragens.

O grupo indígena Munduruku do estado do Pará diz que foi traído pelas autoridades, que estão avançando com os planos de construção de uma cascata de usinas hidrelétricas no rio Tapajós sem sua permissão.

Promotores públicos, grupos de direitos humanos, organizações ambientalistas e missionários cristãos condenaram o que chamam de tática de braço forte empregada pelo governo.

De acordo com testemunhas da região, helicópteros, soldados e policiais armados foram envolvidos na Operação Tapajós com o objetivo de realizar a avaliação de impacto ambiental necessária para o licenciamento da construção de 6.133 MW na barragem de São Luiz do Tapajós.

A usina, a ser construída pelo consórcio Norte Energia, é a maior das duas barragens planejadas para o Tapajós, o quinto maior rio da bacia Amazônica. O plano de 10 anos do governo inclui a construção de quatro grandes usinas hidrelétricas no afluente Jamanxim.

Segundo a legislação brasileira, projetos de infraestrutura exigem consulta prévia às comunidades afetadas. Os procuradores federais dizem que isso não aconteceu e exortaram os tribunais a bloquear o processo que, eles temem, pode levar a um derramamento de sangue.

“Os Munduruku já declararam em várias ocasiões que não apoiam estudos para a construção de hidrelétricas em suas terras a menos que haja uma grande consulta prévia", observou comunicado do Ministério Público.

No entanto, uma decisão judicial deu na semana passada sinal verde para a pesquisa. Autoridades do governo dizem que nem os pesquisadores nem as equipes de apoio logístico entrarão em aldeias indígenas. O máximo de aproximação será cerca de 30 quilômetros da aldeia mais próxima, Sawré Maybu.

O Ministério de Minas e Energia noticiou em sua página na internet que 80 pesquisadores, incluindo biólogos e engenheiros florestais, realizariam um estudo de flora e fauna. A escolta da Força Nacional, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Aérea tornou-se possível pelo decreto da presidente Dilma que liberou o emprego de forças militares para operações de pesquisa. Autoridades dizem que escolta é para a segurança dos cientistas e da população local.

Missionários disseram que a presença de soldados armados perto da aldeia Sawré Maybu em Itaituba foi intimidadora, degradante e uma violação inaceitável dos direitos dos moradores.

"Nesta operação, o governo federal vem ameaçando a vida das pessoas", disse o Conselho Indigenista Missionário. "É inaceitável e ilegítimo que o governo imponha o diálogo na ponta de uma baioneta".

O grupo acrescentou que os líderes Munduruku terminaram um telefonema a representantes da presidente com uma declaração de guerra. Eles também emitiram carta aberta pedindo o fim da operação militar. "Nós não somos bandidos. Nos sentimos traídos, humilhados e desrespeitados por tudo isso", afirmam na carta.

Um dos líderes da comunidade, Valdenir Munduruku, alertou que os moradores vão entrar em ação se o governo não retirar a força-tarefa até o dia 10 de Abril, quando está agendada uma reunião dos dois lados. Ele pediu o apoio de outros grupos indígenas, como os do Xingu, que enfrentam ameaças similares de hidrelétricas.

Grupos ambientalistas expressaram preocupação pelo rio de mais de 2 mil quilômetros ser o lar de mais de 300 espécies de peixes e sustentar alguns dos habitats florestais de maior biodiversidade da Terra. Dez grupos indígenas habitam a bacia junto com várias tribos em isolamento voluntário.

Frente a conflitos semelhantes entorno de outras barragens propostas para a Amazônia, como as de Belo Monte, Teles Pires, Santo Antônio e Jirau, algumas pessoas já comparam o uso da força com os tempos da grande expansão hidrelétrica da ditadura militar.

"O governo brasileiro está tomando decisões políticas sobre as barragens antes da avaliação de impacto ambiental ser feita", disse Brent Millikan do grupo ambientalista International Rivers.

"As operações militares recentes mostram que o governo federal está disposto a desconsiderar os instrumentos jurídicos existentes destinados a promover o diálogo entre governo e sociedade civil" afirmou.

(Por Jonathan Watts, do Rio de Janeiro, para guardian.co.uk. Quarta-feira 03 de abril de 2013)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Hoje: Brasil 1.000 x EUA 30; amanhã: Brasil 50 x EUA 10 (ppm de enxofre na gasolina)

A agência ambiental norteamericana deve propor amanhã (05/04/2013) uma redução no teor de enxofre da gasolina dos EUA de 30 para 10 partes por milhão. Isto provocará uma grande redução na emissão de compostos que produzem na atmosfera o “ozônio mau” - aquele que respiramos - e deve aumentar o preço da gasolina entre 6 e oito centavos de dólar por galão de 3,6 litros. No Brasil a gasolina comum tem hoje 1.000 ppm de enxofre e a Agência Nacional do Petróleo prevê para 2014 a redução deste teor para 50 ppm. O governo brasileiro, a indústria automobilística e a do petróleo devem achar que nossas crianças e nossos idosos são mais resistentes à poluição do ar.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

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Estratégia Amazônica (O Globo - 27/03/2013, pg 21)

A geração de eletricidade acontece no Brasil basicamente por meio de usinas hidrelétricas, que respondem por 70% da atual capacidade instalada, e por termelétricas a óleo, carvão e gás natural, que respondem por 27% desta capacidade. Em anos menos chuvosos, as represas das hidrelétricas baixam e as termelétricas são acionadas mais frequentemente e por mais tempo, aumentando as emissões de gases de efeito estufa do setor e sua consequente contribuição às mudanças climáticas globais. É o que aconteceu no ano 2008, quando o fator de emissão desses gases a partir do setor elétrico deu um salto de 65% em relação ao ano anterior. E é também o que deve ocorrer neste ano de 2013.

Além de aumentar os custos da energia e sobressaltar carreiras políticas no governo federal, as baixas hidrológicas costumam gerar um tiroteio aos órgãos ambientais e do patrimônio histórico e propostas casuísticas motivadas por todo tipo de interesse. Neste recente período de baixa hidrológica, tem sido replicado um questionamento à construção de hidrelétricas "fio d´água", isto é, de baixa capacidade de armazenamento e relativamente pequena área alagada por represamento dos rios.

Na Amazônia, o uso do fio d´água reduz o desmatamento e a área alagada de cada projeto e tem vantagens importantes na preservação de habitats e do estoque de carbono existente na floresta. Entretanto, é verdade que a tecnologia reduz a energia média gerada pela usina, já que com ela só é possível aproveitar toda a capacidade de geração do sistema na época das cheias, enquanto na estiagem a capacidade de produção cai em função do baixo acúmulo de água na represa.

Da maneira pela qual vem sendo feita, a discussão fio d´água versus aumento do armazenamento em novos projetos dilui um problema muito mais importante provocado pela ausência de uma avaliação ambiental estratégica da utilização do potencial hidrelétrico da Amazônia. A necessidade de sua execução é gerada pelos impactos da construção de barragens na Amazônia irem além da destruição e alagamento da área diretamente afetada por cada projeto, provocando "profundas alterações no ciclo hidrológico, na biodiversidade aquática, no ciclo hidrossocial e hidroeconômico da região", conforme concluiu o professor José Tundisi, presidente e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos.

A avaliação ambiental estratégica deveria analisar os serviços prestados pelas bacias e áreas afetadas e os impactos sobre estes serviços, os conflitos com áreas indígenas e de conservação, os impactos sociais e ambientais e, inclusive a questão do uso da tecnologia fio d´água. E ainda deveria gerar parâmetros para a criação de rios e bacias hidrográficas testemunho, escolhidos por razões estratégicas de natureza variada para nunca receberem investimentos modificadores de seus regimes de vazão, além de gerar, como reivindica o professor Tundisi, "uma visão de Estado de longo prazo na exploração hidroenergética na Amazônia".

48 vagas de garagem somente no mais alto edifício da União Europeia: Londres pode ser inspiração para São Paulo?

Londres está inaugurando o maior edifício da União Europeia com 310 metros de altura, 110 mil metros quadrados de área útil e... 48 vagas na garagem! Não, este não é o número de vagas por empresa ali instalada ou por andar. É o numero total de vagas de garagem do The Shard.

Desde a primeira divulgação do projeto, o edifício tem sido matéria de muita discussão e controvérsia principalmente pela sua altura e impacto na paisagem de prédios baixos de Londres. Até por isto é muito interessante ler a entrevista dada pelo autor do projeto, o arquiteto italiano Renzo Piano, ao jornalista Steve Rose: Piano diz que o The Shard é sobre contar uma história diferente que tira consequências da decisão de Londres por um cinturão verde, um limite físico claro, que sinaliza à cidade que se tiver de crescer deve crescer para dentro; uma comemoração de mudanças na ideia de que o crescimento das cidades deve acontecer por mais e mais construção na periferia; Piano disse também que as 48 vagas existentes no edifício que fica quase ao lado da Estação London Bridge, um importante centro de transportes públicos, querem dizer ‘parem de andar de carro’.

A ousada entrevista do arquiteto de 74 anos é digna de quem nos seus 30 foi um dos autores do projeto (também controverso) do Centro Pompidou de Paris. Mas fica nítido que esta ousadia foi dirigida e até inspirada pelas firmes determinações de planejamento urbano de Londres. Muito diferentes das frouxas tentativas de São Paulo. Submetida à inércia administrativa e a interesses econômicos particulares, São Paulo permite a construção de condomínios com mais de 10 mil vagas de garagem em vias que não permitem fluxo de mais de mil carros por hora, transformando a retirada do carro da garagem numa seção de tortura com técnicas de congestionamento em ambiente fechado que pode durar mais de quarenta minutos. E isto só para sair da garagem e alcançar o congestionamento da via pública. A cidade cresce desordenadamente sobre sua periferia e cidades vizinhas, posterga há várias dezenas de anos os investimentos necessários no transporte público, empurra seus pobres para áreas de risco, para periferias cada vez mais distantes e para outros municípios, joga desavergonhadamente grande parte dos esgotos nos seus rios e etc. etc. etc.

A revisão do plano diretor e as propostas da administração Haddad indicam momento propicio para pensarmos uma cidade capaz de receber com dignidade e gerar equidade e oportunidade para seus habitantes e para os milhões que virão nas próximas décadas à região metropolitana em busca de vidas melhores, mais animadas e felizes. Um requisito fundamental para isto é a melhoria radical da mobilidade e o aumento da proximidade geográfica da habitação de interesse social à oferta de emprego e às melhores regiões da cidade.

Interessante notar que vários prefeitos passados, e também Haddad, gostam da ideia da operação urbana como instrumento de intervenção. A ideia não é má, já que busca aliar duas forças fundamentais, a iniciativa privada e o governo municipal, entorno de um projeto de transformação. Mas o contexto no qual as operações urbanas têm sido utilizadas e os termos de troca utilizados não correspondem às aspirações e necessidades da cidadania e normalmente se resumem ao aumento no gabarito e na área construída versus o custeio de obras públicas pouco inspiradas - muitas para tentar facilitar o fluxo de automóveis.

Seria importante aproveitar o momento que se avizinha de revisão do Plano Diretor do município para estabelecer limites ao crescimento horizontal da mancha urbana, para criar metas de adensamento e verticalização e, também, para estabelecer requisitos de sustentabilidade radicais para a permissão da construção de megaedifícios. Uma vez beneficiados por operações urbanas, estes deveriam ser submetidos a requisitos tais como autossuficiência energética por meio do uso de fontes renováveis descentralizadas; autossuficiência hídrica por meio de captação de água de chuva com alto volume de estocagem e tratamento e reuso de efluentes de grande capacidade; prêmios em área adicional para edifícios localizados próximos à infraestrutura existente de transporte público de alta densidade com poucas vagas de garagem ou garagens somente para veículos de serviço; prêmios também para taxa de materiais reciclados utilizados na construção e para a reciclagem dos materiais descartados durante as obras; criação de habitações de interesse social em área da própria edificação ou pelo retrofit de edificações existentes nas proximidades; entre outros requisitos.

Publicado originalmente no DCI e no boletim do Instituto Vitae Civilis

Mudanças climáticas, usinas a carvão e hipocrisia

Uma Matéria publicada no jornal The Guardian em 14/12/2012 mostra que o Banco Mundial no mesmo mês de novembro de 2012 em que publicou um relatório devastador sobre por que não podemos deixar o planeta aquecer mais de 4oC acima das temperaturas médias globais anteriores à revolução industrial, considerava financiar uma nova usina termelétrica a carvão de 750 MW na Mongólia por meio de seu braço de financiamento privado, a International Finance Corporation. A usina moveria a operação Tolgoi Oyu que já está sendo considerada a maior mina mundial de cobre e ouro, um projeto de US$ 13,2 bilhões da mineração Rio Tinto.

A queima de carvão é a forma mais poluente de geração de eletricidade, 50% mais que o já muito poluente óleo combustível derivado de petróleo e quase 100% mais que o gás natural, segundo a agência norte americana de informação sobre energia.

É inacreditável que o financiamento subsidiado à energia fóssil continue acontecendo como se a ciência e o próprio planeta não estivessem sinalizando com frequencia e intensidade cada vez maiores a realidade das mudanças climáticas perigosas futuras (mas nem tanto) provocadas pela atividade econômica humana. Um Relatório do World Resources Institute de novembro de 2012 mostra que o Banco Mundial aumentou os empréstimos para projetos de combustíveis fósseis e carvão nos últimos anos de maneira que atualmente injeta US$ 5,3 bilhões em financiamento para 29 projetos de expansão ou de novas usinas de carvão.

No Brasil, 2,2% da capacidade de geração instalada estão em usinas termelétricas de carvão mineral. Parece pouco, mas são 2,3 GW, mais que os 2,0 GW das usinas nucleares de Angra I e II.

O relatório do WRI cita duas novas usinas em construção no Brasil, pela MPX de Eike Batista, com potência de 720 MW. A própria empresa, no entanto, informa sobre mais projetos em andamento: Itaqui em São Luiz do Maranhão com Licença de Instalação concedida para 360 MW ; Pecém a 60 km de Fortaleza com 720 MW ; e Açu I com licença de instalação definitiva de 2.100 MW em São João da Barra, no Rio de Janeiro.

Uma vez prontos estes projetos adicionarão 3,2 GW sujos à matriz energética brasileira, o que pode representar um acréscimo anual de 5,9 MtCO2e - ou 0,3% - na emissão anual de gases de efeito estufa do país.

Publicado orginalmente no boletim do Instituto Vitae Civilis