segunda-feira, 24 de novembro de 2014

É possível voltar atrás no aquecimento da atmosfera global até 1,5°C ainda neste século? *

A comunidade mundial definiu como teto o aquecimento global de 2°C acima dos níveis de temperatura pré-industriais, mas os pequenos estados insulares e os países menos desenvolvidos têm demandado que se traga de volta o aquecimento para abaixo de 1,5°C até 2100.

Isto ainda pode acontecer desde que sejam implantadas as mais agressivas estratégias de mitigação. Ainda assim é pouco provável que sejamos capazes de evitar os impactos previstos para 1,5°C de aquecimento, que incluem grandes danos aos sistemas de recifes de coral e ocorrências regulares de extremos de temperatura incomuns em grandes porções continentais, conforme destaca o relatório "Turn Down the Heat: Confrontando o novo clima Normal" (TDTH) lançado ontem pelo Banco Mundial (http://www.worldbank.org).

Isso não significa, no entanto, que a elevação da temperatura da atmosfera do Planeta fique necessariamente presa a 1,5°C, nem que seja impossível limitar o aquecimento a 1,5°C tal como solicitado pelos países mais vulneráveis.

Ainda é viável limitar o aquecimento a 1,5°C até 2100. Projeções climáticas feitas com base em cenários futuros de emissões de gases de efeito estufa (GEE) econômico-energéticos mostram que, no melhor dos casos, o aquecimento atingirá o pico de aproximadamente 1,5°C em meados do século antes de diminuir lentamente para abaixo deste nível. E com emissões negativas continuadas pós 2100, o nível de aquecimento pode cair ainda mais.

Infelizmente o pico de 1,5°C até meados do século ainda resultará em danos significativos. Já no atual nível de aquecimento de 0,8°C acima das temperaturas pré industriais os impactos da mudança climática estão sendo sentidos em muitas regiões do planeta. A mudança climática já deixou sua marca negativa sobre o rendimento das culturas, fez espécies marinhas migrarem para águas mais frias, aumentou as ondas de calor e seca, colocou pressão sobre os recursos hídricos e danificou recifes de corais.

Mesmo se a mais agressiva ação de mitigação conseguir limitar o pico do aquecimento a cerca de 1,5°C, ainda assim acontecerão danos substanciais na forma de ondas de calor extremo, problemas com os recursos hídricos e riscos para a segurança alimentar regional. Tanto o IPCC quanto o relatório TDTH mostram que perto de 1,5°C de aquecimento são altos os riscos para sistemas únicos e ameaçados como os recifes de coral, e mostram também que o aumento do nível do mar continuaria por muito tempo após 2100.

O exemplo dado no comunicado de imprensa do Banco Mundial ilustra a escala de risco posta pelo aquecimento de 1,5°C sobre a emergência de ondas de calor extremo: nas três regiões abrangidas pelo relatório TDTH, a ocorrência de ondas de calor extremo incomuns hoje praticamente ausentes aumenta de modo a cobrir entre 10 e 60% dos territórios da América Latina e Caribe, Oriente Médio e África e Sul e Sudeste da Ásia quando o aquecimento global atingir cerca de 1,5°C.




Sobre a viabilidade da manutenção do aquecimento abaixo de 2°C e de redução para abaixo de 1,5°C até 2100

O relatório do grupo de trabalho III da 5ª avaliação do IPCC identificou muitas opções de mitigação que têm uma chance provável de manutenção do aquecimento até 2100 abaixo de 2°C com a faixa central de estimativas entre 1,5 e 1,7°C: “um número limitado de estudos têm explorado cenários que são mais propensos do que não a trazer a mudança de temperatura de volta para abaixo de 1,5°C até 2100”.

Os cenários que indicam a viabilidade de um nível de aquecimento menor que 1,5°C “caracterizam-se por (1) implantação de ação de mitigação imediata; (2) rápido escalonamento do portfólio completo de tecnologias de mitigação; e (3) desenvolvimento econômico de baixa demanda de energia” (IPCC WGIII SPM página 17).

De acordo com o IPCC, os custos de redução de emissões para a limitação do aquecimento a 2°C são modestos, mesmo sem serem somados cobenefícios como os da segurança energética e de melhorias na saúde geral devido à redução da poluição do ar. Estes custos implicariam reduções anualizadas de crescimento do PIB global estimadas em 0,06% ao longo do século, em relação a uma linha de base de 1,6 a 3% de crescimento anual.

A viabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C até meados do século e baixa-lo a menos de 1,5°C até 2100 é embasada pelo IPCC e pela literatura científica mais ampla (por exemplo Luderer et al 2013; Rogelj et al 2013b; Rogelj et al 2013a).

Da mesma forma, o Emissions Gap Report 2014 recentemente publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente avaliou a literatura sobre os cenários de 1,5°C e concluiu pela viabilidade de limitação do aquecimento global abaixo de 1,5°C até 2100, dede que sejam implantadas ações fortes e precoces de mitigação cujas oportunidades estão se perdendo a cada década de aumento de emissões.

Uma meta-análise das trajetórias de emissão dos cenários do IPCC mostra que para alcançarmos uma alta probabilidade de manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C durante o século e, a seguir, trazê-lo de volta a 1,5°C até o final do mesmo, as emissões de CO2 teriam de ser zeradas já em 2045, no mais tardar em 2065, sendo que as emissões teriam que ser negativas após essa data. Já as emissões totais de GEE teriam que chegar a zero em 2060 - e não mais tarde do que 2080 - com emissões negativas depois destas datas.

Mesmo se todas as emissões de GEE cessassem hoje, a inércia do sistema climático levaria o aquecimento a continuar até cerca 1,2°C acima dos níveis pré industriais, na melhor estimativa, antes de embarcar em um declínio gradual (Schaeffer et all, 2012).

No longo prazo, o limite de aquecimento de 1,5°C requer concentrações de GEE inferiores a de 400 ppm de CO2e. Como uma súbita cessação de todas as emissões é improvável, qualquer via de mitigação visando 1,5°C ou abaixo envolve necessariamente um perfil de pico-e-queda destas concentrações.

Ainda é possível confiar na manutenção do aquecimento abaixo de 2°C, dependendo de ação de mitigação agressiva. Mas se atrasarmos mais uma década na implantação destas ações, provavelmente, ficaremos atados à perspectiva de aquecimento acima de 2°C.

Assim, embora os desafios sejam elevados, ainda é viável manter o aquecimento abaixo de 1,5°C até ao final do século. No entanto, a cada década perdida, esses desafios aumentam e podem, em algum momento, tornarem-se intransponíveis.

A hora de agir é agora.

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* Texto adaptado por Délcio Rodrigues de ‘Is it possible to return warming to below 1.5°C within this century? Science background note on the World Bank report “Turn Down the Heat: Confronting the New Climate Normal”, briefing note produzido para Climate Analytics por Bill Hare, Michiel Schaeffer, Olivia Serdeczny, Carl Friedrich-­‐Schleussner; Berlin 23 de novembro de 2014


Referências
Luderer G, Bertram C, Calvin K, et al. (2013) Implications of weak near-­‐term climate policies on long-­‐term mitigation pathways. Clim. Change online fir:

Rogelj J, McCollum DL, O’Neill BC, Riahi K (2013a) 2020 emissions levels required to limit warming to below 2 °C. Nat Clim Chang 3:405–412. doi: 10.1038/nclimate1758

Rogelj J, McCollum DL, Reisinger A, et al. (2013b) Probabilistic cost estimates for climate change mitigation. Nature 493:79–83. doi: 10.1038/nature11787

Schaeffer M, Hare W, Rahmstorf S, Vermeer M (2012) Long-­‐term sea-­‐level rise implied by 1.5 °C and 2 °C warming levels. Nat Clim Chang 3–6. doi: 10.1038/nclimate1584

UNEP (2014) The emissions gap report 2014. A UNEP Synthesis Report.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A conclusão mais importante do IPCC: precisamos eliminar as emissões de gases de efeito estufa

Publicado originalmente por Kelly Rigg no Huffington Post em 3/11/2014



Acordei esta manhã em Amsterdam com uma manchete de primeira página que nunca imaginei ler: “Em 2100 Emissões Devem ir a Zero" (minha tradução do original holandês). Referindo-se ao relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no fim de semana, o jornal Volkskrant deu manchete para o que considero ser a mais importante conclusão do IPCC.

Não era manchete a mais arrebatadora do IPCC. Outra dizendo que estamos a caminho de impactos globais "graves, generalizados e irreversíveis" recebeu a maior parte da atenção. Esta pode ser um choque apenas para aqueles que não vêm prestando muita atenção. Agora, que as emissões líquidas de CO2 precisam ser reduzidas a zero, e não apenas por um percentual para este ou aquele ano, é revolucionário.

Deixe-me explicar porquê.

Como uma cidadã consciente, digamos que eu decida fazer o meu dever e reduzir minhas emissões de CO2 em 10% este ano, ou em 40% em 2020, ou em qualquer outro percentual (afinal, qual é o quinhão de reduções adequado a uma residente de um rico país ocidental?) Como faço para descobrir o que devo fazer na prática? Quais são as minhas emissões totais? Qual a percentagem de redução de emissões que eu alcançaria deixando de comer carne uma vez por semana, ou me tornando vegetariana? Ou substituindo minha velha geladeira por um modelo mais novo e eficiente? Ou dirigindo um carro elétrico?

Certamente existem calculadoras de emissões que poderiam me ajudar a descobrir essas coisas. Mas eu suspeito que apenas alguns poucos radicais, relativamente falando, iriam até este ponto.

Mas se em última instância vou ter que eliminar minhas emissões de CO2 por completo, e se esta “em última instância” acontecerá mais cedo do que tarde, minha perspectiva muda totalmente. Não preciso de uma calculadora de emissões para descobrir o que preciso fazer.

Isso não vale só para os indivíduos. É ainda mais importante para empresas, investidores, serviços públicos, governos e outros, cujas ações vão literalmente determinar o destino dos nossos filhos, netos e gerações futuras. Levar as emissões a zero implica banir os combustíveis fósseis. Isso faz com que qualquer expansão do sistema energético, a base de carvão ou petróleo, por exemplo, seja uma barganha com o diabo. A partir de agora, qualquer investimento que nos amarre a emissões futuras de CO2 deve ser considerado neste contexto.

Alguns temem que um prazo muito longo para a supressão gradual das emissões enfraqueça a urgência desta medida. 2100? Mas isto está a mais de 85 anos de distância! É moleza, não precisamos nos apressar! Mesmo a supressão gradual das emissões líquidas até 2050 – algo que é tecnicamente viável e nos dará uma chance muito maior de afastar mudanças climáticas globais catastróficas - parece um prazo muito longo.

Na verdade, ainda é necessário que as emissões globais parem de aumentar e comecem a baixar rapidamente antes do final desta década. Mas podemos e devemos comunicar este imperativo como o primeiro dos muitos passos necessários para nos mantermos no caminho da eliminação total dos combustíveis fósseis durante a segunda metade do século.

Além de ser fácil de entender, a chamada pela eliminação total serve a outro propósito. Os governos comprometeram-se a manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C (e vale a pena lembrar que a maioria dos países tem pressionado pelo limite muito mais seguro de 1,5°C). Assim como é difícil para os indivíduos traduzirem reduções de emissões percentuais em ações práticas, é difícil manter os governos encarregados da aplicação de um conceito abstrato como o aumento da temperatura global na avaliação de políticas nacionais concretas. Não admira que o conjunto de políticas governamentais atuais some um devastador 4°C de aumento de temperatura até 2100.

Nisto uma meta obrigatória de progressiva eliminação ajudaria enormemente. Nos permitiria perguntar, quando da avaliação de qualquer projeto: este projeto nos coloca no caminho certo para termos emissões líquidas zeradas até 2050? Se não, o projeto não estará de acordo com os 2°C definidos pelos governos como teto para o aquecimento global e não deve ser permitido. É simples assim. Procurar mais petróleo no Ártico? Não. Xisto betuminoso? De jeito nenhum.

Na prática, a eliminação progressiva das emissões implica empenho e planejamento para um futuro alimentado em 100% por energias renováveis. E com os custos das energias renováveis declinando rapidamente - em alguns mercados as fontes de energia renováveis são já competitivas com os combustíveis fósseis - este futuro pode vir a ser realidade mais cedo do que pensamos.

Se você acha que esse conceito é apoiado apenas por grupos verdes ‘hard-core’, pense novamente. Uma nova iniciativa conhecida como ‘Track 0’ está acompanhando de perto estas discussões e compilou evidências de aumento de apoio nos mais altos níveis de influência.

O ‘Trillion Tonne Communiqué’, por exemplo, assinado por mais de 160 líderes empresariais influentes, apela para a definição de um cronograma que zere as emissões líquidas antes do fim do século.

Angel Gurria, secretário-geral da OCDE tem feito fortes apelos para que os governos nos coloquem em um caminho que zere as emissões líquidas resultantes da queima de combustíveis fósseis na segunda metade deste século. Dia desses, Gurria disse que “diferentemente da crise financeira, não temos a opção de tirarmos um ‘bailout’ climático da manga”.

O IPCC fez um apelo científico pela progressiva eliminação total das emissões. Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades do mundo em setembro exigindo uma solução para a crise climática. Quando os governos se reunirem em Paris em 2015 para adotar um novo acordo para o salvamento do clima eles precisam demonstrar que ouviram.

Perda de Espécies, falta d'água em cidades e aumento do custo da energia elétrica são impulsionados pela devastação da Amazônia



Mais de 20% da área original da Floresta Amazônica já foi destruída. Na última década o governo federal conseguiu minimizar o problema, mas a devastação ainda acontece a uma razão de mais de 1.300 km2 por ano. Ou seja, uma área equivalente à do município de São Paulo é devastada todos os anos na Amazônia.

A emissão acumulada de gases de efeito estufa que vem do desmatamento é a principal causa do Brasil ser hoje classificado como o 4º maior responsável pelo aumento da temperatura global.

Para a biodiversidade, o desmatamento e a consequente perda de habitats são fatores de estresse adicionais às já observadas mudanças climáticas globais. O relatório síntese da 5ª avaliação do IPCC lançado no último dia 2 de novembro mostra que existem nove chances em 10 de que uma grande fração das espécies esteja se defrontando com aumentos no risco de extinção devido às mudanças climáticas, especialmente quando estas interagem com outras fontes de estresse. As plantas não conseguem se mover rápido o suficiente de modo a acompanhar as taxas atuais e projetadas de mudança no clima das diferentes paisagens.

Além de contribuir para a mudança do clima do Planeta, o desmatamento da Amazônia contribui para a falta d'água em São Paulo e em muitas outras cidades do Sudeste e, também, para o aumento dos preços da energia elétrica.

Isto ocorre porque cada árvore da floresta Amazônica bombeia 500 litros de água por dia para atmosfera por meio da evapotranspiração. Juntas, as 390 bilhões de árvores de 16 mil espécies diferentes existentes na Amazônia bombeiam 20 bilhões de toneladas de água por dia para atmosfera, mais água do que o Rio Amazonas despeja diariamente no Atlântico, criando verdadeiros “rios voadores”.
Estes rios voadores se transformam em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, no Paraguai, parte da Bolívia, da Argentina e Uruguai. Estudos do meteorologista Pedro Silva Dias, da Universidade de São Paulo, mostram que até 70% da precipitação que ocorre em São Paulo na estação chuvosa depende do vapor d’água amazônico.

Quanto maior o desmatamento menor o número de árvores que fazem este bombeamento e menos chuva cairá. Sem chuva, os reservatórios ficam vazios, as torneiras secas e mais e mais termelétricas precisam ser acionadas para compensar a hidroeletricidade não gerada nos reservatórios.
No último período chuvoso, do final de 2013 ao início de 2014, os rios voadores não chegaram a São Paulo e o nível do Sistema Cantareira, o principal manancial de abastecimento de água da maior região metropolitana do país, atingiu no dia 11 de outubro de 2014 o menor nível da história - 5,1% de sua capacidade de armazenamento -, mesmo contando o ‘volume morto’ do sistema nunca anteriormente computado. Calculado nas mesmas bases, o nível do Cantareira há um ano era 57,8%. Com isto uma população de mais de 20 milhões de pessoas vê ameaçado seu fornecimento de água.

Mas esta não é a única consequência para os cidadãos. O baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste fizeram o preço da energia elétrica no mercado de curto prazo ultrapassar R$700 por MWh, sendo que a média histórica deste preço é menor que R$ 100 por MWh. A principal razão disto é a entrada em cena das termelétricas de reserva, que emitem muito mais gases de efeito estufa e têm custos de geração de energia bem maiores. Como isto não estava previsto, o governo federal intermediou empréstimos para as empresas geradoras junto a um grupo de bancos que já chegam a mais de R$26 bilhões, conforme avaliou o ministro José Jorge do Tribunal de Contas da União (TCU).

O impacto destes aumentos de custos sobre a tarifa de energia elétrica é ainda controverso. Ele é estimado entre 20% e 25% por Walter de Vitto, da consultoria especializada Tendências, e em 2,6% por Márcio Zimmermmann, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia.
E devem aumentar ainda mais os custos para os consumidores de eletricidade: em meados deste ano Hermes Chipp, diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), afirmou que as usinas termelétricas deverão ficar ligadas até o final do ano. Isto porque, segundo projeções do ONS, os reservatórios das usinas das regiões Sudeste e Centro-Oeste devem chegar a 18,5% em novembro, caso as previsões meteorológicas se confirmem. Em qualquer caso as termelétricas permanecerão ligadas, segundo Chipp, com o objetivo de garantir o armazenamento, não deixar cair demais o nível dos reservatórios e dar alguma tranquilidade ao ONS.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

IPCC convoca cidades de todo o mundo para o combate às mudanças climáticas

O novo plano diretor de São Paulo e a expansão das faixas de ônibus e bicicleta estão em linha com as propostas do painel internacional de cientistas para a redução de emissões de gases de efeito estufa das cidades



As cidades de todo o mundo são vilãs das mudanças climáticas por serem responsáveis por 75% das emissões globais de CO2. O transporte e as edificações são os maiores emissores dentro das cidades.

O relatório síntese da 5ª avaliação do IPCC afirma que “as próximas duas décadas serão uma janela de oportunidade para a mitigação das mudanças climáticas em áreas urbanas, já que uma grande parte destas serão desenvolvidas durante este período”. Isto decorre da previsão da ONU segundo a qual nas próximas décadas haverá um grande incremento na urbanização no mundo em desenvolvimento.

O Brasil já passou por isto e é hoje um dos países mais urbanizados do mundo. Segundo o IBGE 85% dos brasileiros moram hoje em cidades. As cidades brasileiras também são certamente grandes emissoras, mas infelizmente não existem informações sobre o total de suas emissões, já que os inventários existentes não incluem as cidades entre os setores estudados.

Mas algumas das grandes cidades brasileiras estão estudando suas emissões de GEE para entenderem onde se dão as maiores emissões e como atacar o problema. Eduardo Jorge, quando foi secretário do verde e do meio ambiente da prefeitura de São Paulo mandou elaborar um inventário das emissões do município de São Paulo. Resultado principal: 82% das emissões da cidade vêm do consumo de energia, sendo que só os combustíveis queimados por veículos no município respondem por 61% das emissões totais. Daí que o melhor caminho para reduzir as emissões da cidade é seguir restringindo o uso do automóvel e expandindo e melhorando o transporte público.

Por seu lado, o relatório síntese do IPCC lançado ontem em Copenhague mostra que as cidades terão que se adensar, ampliar o foco no transporte público de massas e adotar o planejamento integrado de modo a reduzirem suas emissões, com o que, provavelmente, se transformarão em lugares mais agradáveis para se viver. O relatório propõe a promoção de bairros de uso misto, o desenvolvimento das cidades orientado pelo transporte, o aumento da densidade e a criação de postos de trabalho próximos às áreas residenciais, todas ações que podem reduzir direta e indiretamente o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa.

É interessante notar como o novo Plano Diretor de São Paulo segue em parte estas recomendações. O urbanista Nabil Bonduki, vereador da cidade e relator do projeto de lei que instituiu o novo plano diretor do município (PDE), disse em entrevista que o PDE buscou adequar o mercado imobiliário às políticas públicas, por exemplo, obrigando que novas construções levem em conta a dinâmica do transporte coletivo. De acordo com o PDE, prédios mais altos só poderão serem construídos em torno das linhas do metrô ou dos corredores de ônibus, o que valoriza estas artérias, enquanto o miolo dos bairros fica reservado a edifícios de no máximo 28 metros de altura.

O novo PDE de São Paulo segue a racionalidade do IPCC ao buscar aproximar o trabalho e a moradia para reduzir a demanda por transporte e ampliar a mobilidade, seja na promoção de bairros de uso misto ou na busca de inclusão social. Entre as diretrizes do plano que contribuem com a redução das emissões futuras estão o aumento de impostos para os edifícios com mais de uma vaga de garagem por apartamento, o estímulo aos prédios residenciais que reservem seu andar térreo para comércio e serviços, a criação das Zonas Especiais de Proteção Ambiental que deve dobrar a área do município ocupada por parques e a localização central das novas Zonas de Especial Interesse Social.

A moradia social ganhou importante espaço no novo PDE. As ZEIS, onde pode haver desapropriações para habitação popular, passam a ocupar 33 km², quase o dobro dos 17 km² do plano anterior. Nestas, 60% das construções deverão serem destinadas a famílias de renda menor que três salários mínimos. Estas famílias não ficarão mais confinadas à periferia porque as ZEIS expandem-se agora por bairros centrais e históricos, como Bela Vista, Brás, Santa Ifigênia, Campos Elísios e Pari.

A sintonia das propostas contidas no relatório síntese do IPCC com as propostas da atual administração de São Paulo vai além do novo PDE. A prefeitura estendeu recentemente 400 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus, o que resultou, segundo a SPTrans, empresa responsável pela coordenação do transporte público, em benefícios para mais de 2,3 milhões de passageiros que passaram usar diariamente as novas faixas exclusivas. Um estudo da CET, Companhia de Engenharia de Tráfego da cidade, mostrou que a velocidade média dos ônibus que agora circulam nas novas faixas aumentou em 68,7%, passando de 12,4 Km/h para 20,8 Km/h.

Além dos 400 km de corredores de ônibus, o impulso que o município vem dando ao transporte público passa pelo bilhete único mensal que beneficia quem usa mais de três vezes por dia o transporte público e pela modernização da frota de ônibus, que está sendo renovada com veículos que possuem ar condicionado e wi-fi.

As faixas exclusivas para bicicletas, que ganharam apoio de 88% da população, também devem ser incluídas no rol de propostas da prefeitura de São Paulo que contribuem com a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Entretanto estas políticas municipais se chocam com a política de redução de impostos para automóveis do governo federal, que tem expandido a frota de automóveis das cidades brasileiras, e com o congelamento informal de preços da gasolina, que tem dado incentivos adicionais ao uso do automóvel.

Os subsídios ao automóvel do governo federal custam caro para os habitantes das cidades, como disse em entrevista recente o médico e ciclista Paulo Saldiva, especialista nos efeitos à saúde da poluição do ar e pesquisador das Universidades de São Paulo e Harvard. Saldiva lembrou que todos pagamos pelos subsídios dados à gasolina e ao automóvel, pagamos com 4 mil mortes adicionais por ano apenas em São Paulo por causa da poluição e mais 1.500 mortes em acidentes de trânsito. Pagamos também com três anos a menos de expectativa de vida por causa da baixa qualidade do ar.

O relatório síntese do IPCC recomenda que, para além do planejamento urbano, se atue sobre as edificações e diz que projetos de edificações inteligentes podem reduzir massivamente o uso de energia, até chegando a zero com conceitos de isolamento térmico e aproveitamento passivo da energia solar e eólica.

As cidades brasileiras estão atrasadas na promoção de edificações de baixo consumo de energia. Os códigos de obra, legislação que regula o padrão das construções, são municipais e quase todos ultrapassados, sendo que nenhum estabelece metas de consumo máximo por metro quadrado, como o fazem legislações modernas para a construção como a da Espanha. Um exemplo: alguns dos códigos de obra dos municípios brasileiros chegam a promover a insustentabilidade das edificações quando obrigam, por exemplo, a instalação de infraestrutura para chuveiro elétrico ou aquecedores a gás, equipamentos perdulários e geradores de emissões de gases de efeito estufa, e não abrem espaço para a instalação de aquecedores solares, equipamentos muito mais sustentáveis.