segunda-feira, 3 de novembro de 2014

IPCC convoca cidades de todo o mundo para o combate às mudanças climáticas

O novo plano diretor de São Paulo e a expansão das faixas de ônibus e bicicleta estão em linha com as propostas do painel internacional de cientistas para a redução de emissões de gases de efeito estufa das cidades



As cidades de todo o mundo são vilãs das mudanças climáticas por serem responsáveis por 75% das emissões globais de CO2. O transporte e as edificações são os maiores emissores dentro das cidades.

O relatório síntese da 5ª avaliação do IPCC afirma que “as próximas duas décadas serão uma janela de oportunidade para a mitigação das mudanças climáticas em áreas urbanas, já que uma grande parte destas serão desenvolvidas durante este período”. Isto decorre da previsão da ONU segundo a qual nas próximas décadas haverá um grande incremento na urbanização no mundo em desenvolvimento.

O Brasil já passou por isto e é hoje um dos países mais urbanizados do mundo. Segundo o IBGE 85% dos brasileiros moram hoje em cidades. As cidades brasileiras também são certamente grandes emissoras, mas infelizmente não existem informações sobre o total de suas emissões, já que os inventários existentes não incluem as cidades entre os setores estudados.

Mas algumas das grandes cidades brasileiras estão estudando suas emissões de GEE para entenderem onde se dão as maiores emissões e como atacar o problema. Eduardo Jorge, quando foi secretário do verde e do meio ambiente da prefeitura de São Paulo mandou elaborar um inventário das emissões do município de São Paulo. Resultado principal: 82% das emissões da cidade vêm do consumo de energia, sendo que só os combustíveis queimados por veículos no município respondem por 61% das emissões totais. Daí que o melhor caminho para reduzir as emissões da cidade é seguir restringindo o uso do automóvel e expandindo e melhorando o transporte público.

Por seu lado, o relatório síntese do IPCC lançado ontem em Copenhague mostra que as cidades terão que se adensar, ampliar o foco no transporte público de massas e adotar o planejamento integrado de modo a reduzirem suas emissões, com o que, provavelmente, se transformarão em lugares mais agradáveis para se viver. O relatório propõe a promoção de bairros de uso misto, o desenvolvimento das cidades orientado pelo transporte, o aumento da densidade e a criação de postos de trabalho próximos às áreas residenciais, todas ações que podem reduzir direta e indiretamente o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa.

É interessante notar como o novo Plano Diretor de São Paulo segue em parte estas recomendações. O urbanista Nabil Bonduki, vereador da cidade e relator do projeto de lei que instituiu o novo plano diretor do município (PDE), disse em entrevista que o PDE buscou adequar o mercado imobiliário às políticas públicas, por exemplo, obrigando que novas construções levem em conta a dinâmica do transporte coletivo. De acordo com o PDE, prédios mais altos só poderão serem construídos em torno das linhas do metrô ou dos corredores de ônibus, o que valoriza estas artérias, enquanto o miolo dos bairros fica reservado a edifícios de no máximo 28 metros de altura.

O novo PDE de São Paulo segue a racionalidade do IPCC ao buscar aproximar o trabalho e a moradia para reduzir a demanda por transporte e ampliar a mobilidade, seja na promoção de bairros de uso misto ou na busca de inclusão social. Entre as diretrizes do plano que contribuem com a redução das emissões futuras estão o aumento de impostos para os edifícios com mais de uma vaga de garagem por apartamento, o estímulo aos prédios residenciais que reservem seu andar térreo para comércio e serviços, a criação das Zonas Especiais de Proteção Ambiental que deve dobrar a área do município ocupada por parques e a localização central das novas Zonas de Especial Interesse Social.

A moradia social ganhou importante espaço no novo PDE. As ZEIS, onde pode haver desapropriações para habitação popular, passam a ocupar 33 km², quase o dobro dos 17 km² do plano anterior. Nestas, 60% das construções deverão serem destinadas a famílias de renda menor que três salários mínimos. Estas famílias não ficarão mais confinadas à periferia porque as ZEIS expandem-se agora por bairros centrais e históricos, como Bela Vista, Brás, Santa Ifigênia, Campos Elísios e Pari.

A sintonia das propostas contidas no relatório síntese do IPCC com as propostas da atual administração de São Paulo vai além do novo PDE. A prefeitura estendeu recentemente 400 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus, o que resultou, segundo a SPTrans, empresa responsável pela coordenação do transporte público, em benefícios para mais de 2,3 milhões de passageiros que passaram usar diariamente as novas faixas exclusivas. Um estudo da CET, Companhia de Engenharia de Tráfego da cidade, mostrou que a velocidade média dos ônibus que agora circulam nas novas faixas aumentou em 68,7%, passando de 12,4 Km/h para 20,8 Km/h.

Além dos 400 km de corredores de ônibus, o impulso que o município vem dando ao transporte público passa pelo bilhete único mensal que beneficia quem usa mais de três vezes por dia o transporte público e pela modernização da frota de ônibus, que está sendo renovada com veículos que possuem ar condicionado e wi-fi.

As faixas exclusivas para bicicletas, que ganharam apoio de 88% da população, também devem ser incluídas no rol de propostas da prefeitura de São Paulo que contribuem com a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Entretanto estas políticas municipais se chocam com a política de redução de impostos para automóveis do governo federal, que tem expandido a frota de automóveis das cidades brasileiras, e com o congelamento informal de preços da gasolina, que tem dado incentivos adicionais ao uso do automóvel.

Os subsídios ao automóvel do governo federal custam caro para os habitantes das cidades, como disse em entrevista recente o médico e ciclista Paulo Saldiva, especialista nos efeitos à saúde da poluição do ar e pesquisador das Universidades de São Paulo e Harvard. Saldiva lembrou que todos pagamos pelos subsídios dados à gasolina e ao automóvel, pagamos com 4 mil mortes adicionais por ano apenas em São Paulo por causa da poluição e mais 1.500 mortes em acidentes de trânsito. Pagamos também com três anos a menos de expectativa de vida por causa da baixa qualidade do ar.

O relatório síntese do IPCC recomenda que, para além do planejamento urbano, se atue sobre as edificações e diz que projetos de edificações inteligentes podem reduzir massivamente o uso de energia, até chegando a zero com conceitos de isolamento térmico e aproveitamento passivo da energia solar e eólica.

As cidades brasileiras estão atrasadas na promoção de edificações de baixo consumo de energia. Os códigos de obra, legislação que regula o padrão das construções, são municipais e quase todos ultrapassados, sendo que nenhum estabelece metas de consumo máximo por metro quadrado, como o fazem legislações modernas para a construção como a da Espanha. Um exemplo: alguns dos códigos de obra dos municípios brasileiros chegam a promover a insustentabilidade das edificações quando obrigam, por exemplo, a instalação de infraestrutura para chuveiro elétrico ou aquecedores a gás, equipamentos perdulários e geradores de emissões de gases de efeito estufa, e não abrem espaço para a instalação de aquecedores solares, equipamentos muito mais sustentáveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário