terça-feira, 4 de novembro de 2014

A conclusão mais importante do IPCC: precisamos eliminar as emissões de gases de efeito estufa

Publicado originalmente por Kelly Rigg no Huffington Post em 3/11/2014



Acordei esta manhã em Amsterdam com uma manchete de primeira página que nunca imaginei ler: “Em 2100 Emissões Devem ir a Zero" (minha tradução do original holandês). Referindo-se ao relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no fim de semana, o jornal Volkskrant deu manchete para o que considero ser a mais importante conclusão do IPCC.

Não era manchete a mais arrebatadora do IPCC. Outra dizendo que estamos a caminho de impactos globais "graves, generalizados e irreversíveis" recebeu a maior parte da atenção. Esta pode ser um choque apenas para aqueles que não vêm prestando muita atenção. Agora, que as emissões líquidas de CO2 precisam ser reduzidas a zero, e não apenas por um percentual para este ou aquele ano, é revolucionário.

Deixe-me explicar porquê.

Como uma cidadã consciente, digamos que eu decida fazer o meu dever e reduzir minhas emissões de CO2 em 10% este ano, ou em 40% em 2020, ou em qualquer outro percentual (afinal, qual é o quinhão de reduções adequado a uma residente de um rico país ocidental?) Como faço para descobrir o que devo fazer na prática? Quais são as minhas emissões totais? Qual a percentagem de redução de emissões que eu alcançaria deixando de comer carne uma vez por semana, ou me tornando vegetariana? Ou substituindo minha velha geladeira por um modelo mais novo e eficiente? Ou dirigindo um carro elétrico?

Certamente existem calculadoras de emissões que poderiam me ajudar a descobrir essas coisas. Mas eu suspeito que apenas alguns poucos radicais, relativamente falando, iriam até este ponto.

Mas se em última instância vou ter que eliminar minhas emissões de CO2 por completo, e se esta “em última instância” acontecerá mais cedo do que tarde, minha perspectiva muda totalmente. Não preciso de uma calculadora de emissões para descobrir o que preciso fazer.

Isso não vale só para os indivíduos. É ainda mais importante para empresas, investidores, serviços públicos, governos e outros, cujas ações vão literalmente determinar o destino dos nossos filhos, netos e gerações futuras. Levar as emissões a zero implica banir os combustíveis fósseis. Isso faz com que qualquer expansão do sistema energético, a base de carvão ou petróleo, por exemplo, seja uma barganha com o diabo. A partir de agora, qualquer investimento que nos amarre a emissões futuras de CO2 deve ser considerado neste contexto.

Alguns temem que um prazo muito longo para a supressão gradual das emissões enfraqueça a urgência desta medida. 2100? Mas isto está a mais de 85 anos de distância! É moleza, não precisamos nos apressar! Mesmo a supressão gradual das emissões líquidas até 2050 – algo que é tecnicamente viável e nos dará uma chance muito maior de afastar mudanças climáticas globais catastróficas - parece um prazo muito longo.

Na verdade, ainda é necessário que as emissões globais parem de aumentar e comecem a baixar rapidamente antes do final desta década. Mas podemos e devemos comunicar este imperativo como o primeiro dos muitos passos necessários para nos mantermos no caminho da eliminação total dos combustíveis fósseis durante a segunda metade do século.

Além de ser fácil de entender, a chamada pela eliminação total serve a outro propósito. Os governos comprometeram-se a manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C (e vale a pena lembrar que a maioria dos países tem pressionado pelo limite muito mais seguro de 1,5°C). Assim como é difícil para os indivíduos traduzirem reduções de emissões percentuais em ações práticas, é difícil manter os governos encarregados da aplicação de um conceito abstrato como o aumento da temperatura global na avaliação de políticas nacionais concretas. Não admira que o conjunto de políticas governamentais atuais some um devastador 4°C de aumento de temperatura até 2100.

Nisto uma meta obrigatória de progressiva eliminação ajudaria enormemente. Nos permitiria perguntar, quando da avaliação de qualquer projeto: este projeto nos coloca no caminho certo para termos emissões líquidas zeradas até 2050? Se não, o projeto não estará de acordo com os 2°C definidos pelos governos como teto para o aquecimento global e não deve ser permitido. É simples assim. Procurar mais petróleo no Ártico? Não. Xisto betuminoso? De jeito nenhum.

Na prática, a eliminação progressiva das emissões implica empenho e planejamento para um futuro alimentado em 100% por energias renováveis. E com os custos das energias renováveis declinando rapidamente - em alguns mercados as fontes de energia renováveis são já competitivas com os combustíveis fósseis - este futuro pode vir a ser realidade mais cedo do que pensamos.

Se você acha que esse conceito é apoiado apenas por grupos verdes ‘hard-core’, pense novamente. Uma nova iniciativa conhecida como ‘Track 0’ está acompanhando de perto estas discussões e compilou evidências de aumento de apoio nos mais altos níveis de influência.

O ‘Trillion Tonne Communiqué’, por exemplo, assinado por mais de 160 líderes empresariais influentes, apela para a definição de um cronograma que zere as emissões líquidas antes do fim do século.

Angel Gurria, secretário-geral da OCDE tem feito fortes apelos para que os governos nos coloquem em um caminho que zere as emissões líquidas resultantes da queima de combustíveis fósseis na segunda metade deste século. Dia desses, Gurria disse que “diferentemente da crise financeira, não temos a opção de tirarmos um ‘bailout’ climático da manga”.

O IPCC fez um apelo científico pela progressiva eliminação total das emissões. Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades do mundo em setembro exigindo uma solução para a crise climática. Quando os governos se reunirem em Paris em 2015 para adotar um novo acordo para o salvamento do clima eles precisam demonstrar que ouviram.

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