segunda-feira, 24 de novembro de 2014

É possível voltar atrás no aquecimento da atmosfera global até 1,5°C ainda neste século? *

A comunidade mundial definiu como teto o aquecimento global de 2°C acima dos níveis de temperatura pré-industriais, mas os pequenos estados insulares e os países menos desenvolvidos têm demandado que se traga de volta o aquecimento para abaixo de 1,5°C até 2100.

Isto ainda pode acontecer desde que sejam implantadas as mais agressivas estratégias de mitigação. Ainda assim é pouco provável que sejamos capazes de evitar os impactos previstos para 1,5°C de aquecimento, que incluem grandes danos aos sistemas de recifes de coral e ocorrências regulares de extremos de temperatura incomuns em grandes porções continentais, conforme destaca o relatório "Turn Down the Heat: Confrontando o novo clima Normal" (TDTH) lançado ontem pelo Banco Mundial (http://www.worldbank.org).

Isso não significa, no entanto, que a elevação da temperatura da atmosfera do Planeta fique necessariamente presa a 1,5°C, nem que seja impossível limitar o aquecimento a 1,5°C tal como solicitado pelos países mais vulneráveis.

Ainda é viável limitar o aquecimento a 1,5°C até 2100. Projeções climáticas feitas com base em cenários futuros de emissões de gases de efeito estufa (GEE) econômico-energéticos mostram que, no melhor dos casos, o aquecimento atingirá o pico de aproximadamente 1,5°C em meados do século antes de diminuir lentamente para abaixo deste nível. E com emissões negativas continuadas pós 2100, o nível de aquecimento pode cair ainda mais.

Infelizmente o pico de 1,5°C até meados do século ainda resultará em danos significativos. Já no atual nível de aquecimento de 0,8°C acima das temperaturas pré industriais os impactos da mudança climática estão sendo sentidos em muitas regiões do planeta. A mudança climática já deixou sua marca negativa sobre o rendimento das culturas, fez espécies marinhas migrarem para águas mais frias, aumentou as ondas de calor e seca, colocou pressão sobre os recursos hídricos e danificou recifes de corais.

Mesmo se a mais agressiva ação de mitigação conseguir limitar o pico do aquecimento a cerca de 1,5°C, ainda assim acontecerão danos substanciais na forma de ondas de calor extremo, problemas com os recursos hídricos e riscos para a segurança alimentar regional. Tanto o IPCC quanto o relatório TDTH mostram que perto de 1,5°C de aquecimento são altos os riscos para sistemas únicos e ameaçados como os recifes de coral, e mostram também que o aumento do nível do mar continuaria por muito tempo após 2100.

O exemplo dado no comunicado de imprensa do Banco Mundial ilustra a escala de risco posta pelo aquecimento de 1,5°C sobre a emergência de ondas de calor extremo: nas três regiões abrangidas pelo relatório TDTH, a ocorrência de ondas de calor extremo incomuns hoje praticamente ausentes aumenta de modo a cobrir entre 10 e 60% dos territórios da América Latina e Caribe, Oriente Médio e África e Sul e Sudeste da Ásia quando o aquecimento global atingir cerca de 1,5°C.




Sobre a viabilidade da manutenção do aquecimento abaixo de 2°C e de redução para abaixo de 1,5°C até 2100

O relatório do grupo de trabalho III da 5ª avaliação do IPCC identificou muitas opções de mitigação que têm uma chance provável de manutenção do aquecimento até 2100 abaixo de 2°C com a faixa central de estimativas entre 1,5 e 1,7°C: “um número limitado de estudos têm explorado cenários que são mais propensos do que não a trazer a mudança de temperatura de volta para abaixo de 1,5°C até 2100”.

Os cenários que indicam a viabilidade de um nível de aquecimento menor que 1,5°C “caracterizam-se por (1) implantação de ação de mitigação imediata; (2) rápido escalonamento do portfólio completo de tecnologias de mitigação; e (3) desenvolvimento econômico de baixa demanda de energia” (IPCC WGIII SPM página 17).

De acordo com o IPCC, os custos de redução de emissões para a limitação do aquecimento a 2°C são modestos, mesmo sem serem somados cobenefícios como os da segurança energética e de melhorias na saúde geral devido à redução da poluição do ar. Estes custos implicariam reduções anualizadas de crescimento do PIB global estimadas em 0,06% ao longo do século, em relação a uma linha de base de 1,6 a 3% de crescimento anual.

A viabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C até meados do século e baixa-lo a menos de 1,5°C até 2100 é embasada pelo IPCC e pela literatura científica mais ampla (por exemplo Luderer et al 2013; Rogelj et al 2013b; Rogelj et al 2013a).

Da mesma forma, o Emissions Gap Report 2014 recentemente publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente avaliou a literatura sobre os cenários de 1,5°C e concluiu pela viabilidade de limitação do aquecimento global abaixo de 1,5°C até 2100, dede que sejam implantadas ações fortes e precoces de mitigação cujas oportunidades estão se perdendo a cada década de aumento de emissões.

Uma meta-análise das trajetórias de emissão dos cenários do IPCC mostra que para alcançarmos uma alta probabilidade de manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C durante o século e, a seguir, trazê-lo de volta a 1,5°C até o final do mesmo, as emissões de CO2 teriam de ser zeradas já em 2045, no mais tardar em 2065, sendo que as emissões teriam que ser negativas após essa data. Já as emissões totais de GEE teriam que chegar a zero em 2060 - e não mais tarde do que 2080 - com emissões negativas depois destas datas.

Mesmo se todas as emissões de GEE cessassem hoje, a inércia do sistema climático levaria o aquecimento a continuar até cerca 1,2°C acima dos níveis pré industriais, na melhor estimativa, antes de embarcar em um declínio gradual (Schaeffer et all, 2012).

No longo prazo, o limite de aquecimento de 1,5°C requer concentrações de GEE inferiores a de 400 ppm de CO2e. Como uma súbita cessação de todas as emissões é improvável, qualquer via de mitigação visando 1,5°C ou abaixo envolve necessariamente um perfil de pico-e-queda destas concentrações.

Ainda é possível confiar na manutenção do aquecimento abaixo de 2°C, dependendo de ação de mitigação agressiva. Mas se atrasarmos mais uma década na implantação destas ações, provavelmente, ficaremos atados à perspectiva de aquecimento acima de 2°C.

Assim, embora os desafios sejam elevados, ainda é viável manter o aquecimento abaixo de 1,5°C até ao final do século. No entanto, a cada década perdida, esses desafios aumentam e podem, em algum momento, tornarem-se intransponíveis.

A hora de agir é agora.

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* Texto adaptado por Délcio Rodrigues de ‘Is it possible to return warming to below 1.5°C within this century? Science background note on the World Bank report “Turn Down the Heat: Confronting the New Climate Normal”, briefing note produzido para Climate Analytics por Bill Hare, Michiel Schaeffer, Olivia Serdeczny, Carl Friedrich-­‐Schleussner; Berlin 23 de novembro de 2014


Referências
Luderer G, Bertram C, Calvin K, et al. (2013) Implications of weak near-­‐term climate policies on long-­‐term mitigation pathways. Clim. Change online fir:

Rogelj J, McCollum DL, O’Neill BC, Riahi K (2013a) 2020 emissions levels required to limit warming to below 2 °C. Nat Clim Chang 3:405–412. doi: 10.1038/nclimate1758

Rogelj J, McCollum DL, Reisinger A, et al. (2013b) Probabilistic cost estimates for climate change mitigation. Nature 493:79–83. doi: 10.1038/nature11787

Schaeffer M, Hare W, Rahmstorf S, Vermeer M (2012) Long-­‐term sea-­‐level rise implied by 1.5 °C and 2 °C warming levels. Nat Clim Chang 3–6. doi: 10.1038/nclimate1584

UNEP (2014) The emissions gap report 2014. A UNEP Synthesis Report.

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