quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Por que a Apple é tão evasiva sobre como fabrica o iPhone?


Foto: Friends of the Earth; Gallery - Mining for mobiles: devastation in Indonesia.
Artigo de George Monbiot publicado no The Guardian no dia 23 de setembro de 2013.

“Empresa modelo” da moderna tecnologia perde seu brilho por esquivar-se de perguntas sobre mineração de estanho ilegal na Indonésia.

Você está animado com o lançamento dos novos iPhones da Apple? Você decidiu comprar um? Você tem alguma ideia do que você está comprando? Se assim for, você está por conta própria. Quando perguntada sobre onde obtém seus minerais, a Apple, que tanto tem feito para nos convencer de que é hábil, legal, ágil e ‘cool’, parece arrogante, pesada e inexplicável.

A pergunta era simples: a Apple compra estanho de Bangka Island? O contorcionismo feito para responder foi quase cômico.

Quase metade da oferta mundial de estanho é usada na solda de aparelhos eletrônicos. Cerca de 30% de estanho do mundo vem de Bangka e Belitung, ilhas na Indonésia, onde uma orgia de mineração não regulamentada está reduzindo um sistema florestal rico e complexo a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho nas águas costeiras estão acabando também com corais, moluscos gigantes, pesca local, ameaçando o peixe bodião, os manguezais e as praias usadas pelas tartarugas para reprodução.

Ali crianças são empregadas em condições chocantes e, em média, um mineiro morre a cada semana em acidentes de trabalho. A água limpa está desaparecendo, a malária está se espalhando devido à reprodução de mosquitos nas cavas abandonadas pela mineração, e os pequenos agricultores estão sendo expulsos de suas terras. E os fabricantes de eletrônicos – esses modelos de modernidade – contam com estas práticas fora de moda para seu fornecimento.

A ONG Amigos da Terra e seu parceiro indonésio, Walhi, os quais documentaram essa catástrofe, não estão clamando pelo fim da mineração de estanho em Bangka e Belitung: eles reconhecem que a atividade mantem muitas pessoas que não encontrariam trabalho em outro lugar. O que eles querem é transparência da parte das empresas que compram o estanho extraído lá, o que poderia iniciar um acordo para redução dos impactos e pela proteção das pessoas e dos animais selvagens. Sem transparência, não há responsabilidade, sem responsabilidade não há nenhuma perspectiva de melhora.

Eles abordaram os maiores fabricantes de smartphones do mundo, perguntando se estes estão usando estanho de Bangka. Todos, exceto uma das grandes marcas, reconheceram que sim. Samsung, Philips, Nokia, Sony, BlackBerry, Motorola e LG admitiram a compra (ou a provável compra) de estanho da ilha por meio de intermediários, e se comprometeram a ajudar a resolver a bagunça. Mas uma empresa se recusa a falar.

Tim Cook, executivo-chefe da Apple, afirmou no ano passado: "queremos ser tão inovadores com nosso suprimento como somos com nossos produtos. Isto é como salto de vara. Quanto mais transparente formos, mais seremos vistos pelo público. Quanto mais formos vistos, mais outras empresas decidirão fazer algo similar". Que bom seria, se a Apple não parecesse a seguir política oposta.

Mobilizados pela ONG Amigos da Terra, 25 mil pessoas já escreveram para a empresa perguntando se ela está comprando estanho da zona de desastre ecológico da Indonésia. A resposta foi um sonoro "não falamos disto".

Abordei a Apple na semana passada, no que parecia ser o tipo de entrevista que você consegue com alguém que vende televisores atrás de um caminhão. O diretor de relações públicas da empresa recusou-se a deixar-me gravar a conversa e insistiu que esta deveria acontecer ‘off the record’, para pano de fundo da informação somente. Depois de tudo isto o que ele me disse foi... absolutamente nada. Tudo o que ele queria fazer era me dirigir de volta à página sobre a qual eu tinha perguntas.

Esta página diz, com a ambiguidade desconcertante, que "Bangka Island, Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho do mundo. Preocupações recentes sobre a extração ilegal de estanho desta região levaram a Apple a fazer uma visita de averiguação para saber mais." Por que realizar uma visita de averiguação, se você não usa o estanho da ilha? E se você estiver usando, por que não dizê-lo? Nenhuma resposta.

Hoje eu lhe fiz um conjunto diferente de perguntas. Em um artigo anterior, em março, elogiei a Apple pelo mapeamento de sua cadeia de suprimentos que revelou o uso de metais processados por 211 fundições em todo o mundo. Mas, tendo em vista a sua resposta ridícula para as minhas perguntas sobre Bangka, comecei a me perguntar o quão confiável seria este esforço. A Apple ainda não nomeou qualquer uma das empresas da lista, ou forneceu qualquer informação útil sobre seus fornecedores.

Então perguntei ao diretor de RP se poderia ver a lista, e se ela foi auditada: em outras palavras, se há alguma razão para acreditar que esta é um passo para a verdadeira transparência. Sua resposta? Dirigiu-me de volta à mesma página. Desnecessário dizer que ao lê-la pela quarta vez achei-a tão (des)informativa como da primeira.

Enquanto eu estava arrancando meus cabelos com as evasivas da Apple, a empresa Fairphone lançava seu primeiro aparelho no London Design Festival. Esta empresa não se formou apenas para construir um genuíno smartphone ético, mas também para tentar mudar o modus operandi das cadeias de suprimento e das estratégias de trabalho. Parece tudo o que a Apple deveria ser, mas não é. Embora seu primeiro telefone não venha a ser entregue antes de dezembro, a empresa já vendeu 15 mil aparelhos para pessoas que querem a tecnologia do século 21 sem a ética do século 19.

O Projeto Restart, que ajuda as pessoas a reparar os seus próprios telefones (algo que os produtos da Apple, muitas vezes parecem concebidos para frustrar) estava no mesmo festival, apontando que o aparelho mais ético é o que você tem no seu bolso, mantido para superar sua obsolescência programada.

Esta não é a única maneira pela qual a Apple parece desatualizada. Na semana passada, 59 organizações lançaram campanha para uma lei europeia mais rígida que obrigue as empresas a investigar suas cadeias de fornecimento e publicar relatórios sobre os impactos sociais e ambientais destas. Por que uma empresa pode ser capaz de escolher se quer ou não deixar seus clientes e acionistas no escuro? Por que não devemos saber tanto sobre seus impactos como sabemos sobre a sua situação financeira?

Até que a Apple responda às perguntas feitas por aquelas 25 mil pessoas, até que mostre a transparência que Tim Cook prometeu, mas não entregou, não compre seus produtos. Feita por uma empresa que parece matreira, inexplicável e, francamente, ridícula, eles são o epítome do ‘uncool’.

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