terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sobre neoliberalismos, desenvolvimentismos e ambientalismos

Polêmica recente entre Dilma e Marina aponta necessidade de mais governo

Marina Silva criticou a politica econômica de Dilma Roussef dizendo que seu governo abandonou o “tripé econômico” adotado desde o governo FHC. Dilma rebateu dizendo que nunca abandonou a geração de superávits primários nas contas públicas, o regime de câmbio flutuante e as metas para a inflação. Aproveitando o bate boca, o jornalista Luis Nassif publicou uma peça política muito precisa (As peças do jogo no discurso velho-novo de Marina Silva), mas que, infelizmente, quando se refere ao discurso ambientalista, segue o senso comum e descuida-se da ciência e do contexto planetário no qual a economia internacional se desenvolve.

Nassif criou um discurso utopista para o ambientalismo (“... os sonhos do silvícola sendo abastecido unicamente pela mãe natureza”) para logo contestá-lo: “É evidente que a nova utopia não responde a questões básicas: como dividir a renda, sem que ela cresça?... Inclusão significa levar energia a todos os lares. Como casar o ambientalismo radical de Marina, que só acredita na energia dos ventos e do sol, com as necessidades dos mais pobres? Como garantir empregos melhores, sem um aprimoramento da industrialização, dos serviços?”.

Nassif diz ainda que o novo discurso de Marina, que seria influenciado por André Lara Resende, cria “uma situação curiosa, que acaba juntando os grandes investidores internacionais e os ambientalistas: o discurso anti-desenvolvimento”. Longe de defender o neoliberalismo econômico e o rentismo aos quais, ainda segundo Nassif, Marina Silva está se associando para construir um discurso oposicionista, me interessa desconstruir este falso entendimento do discurso ambientalista e lembrar algumas questões centrais para o futuro da nossa economia.

A ciência ambiental, a ciência climática e muitos outros ramos do conhecimento nos confrontam com limites reais ao crescimento econômico tal qual construído desde a revolução industrial. A economia baseada no consumismo, na energia abundante e barata e na exploração ilimitada dos recursos naturais vai se esborrachar contra o muro em poucos anos. Segundo artigo recente publicado na revista Nature, o clima global apresentará características totalmente fora das encontradas historicamente já entre 2047 e 2062. Preparando-se para isto, e já respondendo a mudanças correntes nas condições climáticas, governos de vários países constroem diques contra o avanço do mar, lutam contra catástrofes naturais cada vez mais frequentes e destrutivas, tentam adaptar suas economias a secas e enchentes fortíssimas que abalam a produção de alimentos, enfim, buscam adaptar suas economias e infraestrutura à crise climática.

Desde 1989 cientistas de todo o mundo têm dado a receita de enfrentamento desta que é a principal crise global: reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, o que se pode fazer, principalmente, por meio da redução do consumo global de petróleo, carvão e outros combustíveis fósseis.

Sucessivos governos brasileiros têm se posicionado claramente em relação ao assunto afirmando que a responsabilidade sobre as mudanças climáticas é comum a todos os países, mas diferenciada entre estes, na medida em que os industrializados têm contribuição acumulada maior para o problema. O governo Lula foi além e apresentou em 2009 em Copenhagen compromissos voluntários com metas de redução da emissão nacional destes gases para o ano 2020. Com isto Lula foi anti-desenvolvimentista?

Sem entrar na discussão da qualidade das metas apresentadas por Lula, seu governo anteviu o que nem Nassif nem Dilma conseguem ver: que o contexto econômico global criado pelas questões ambientais globais e seus desdobramentos correntes sobre a economia têm forte impacto também no Brasil, ao mesmo tempo em que apresentam grandes oportunidades para o país. Com suas grandes áreas disponíveis para a produção agrícola, suas fontes de energia renovável e programas de biocombustível, seu aço e alumínio de baixo conteúdo de carbono, seu enorme potencial de geração de energia pelo sol e pelo vento e sua gigantesca biodiversidade o Brasil tem condições de ser uma potência econômico-ambiental sem precedentes e sem concorrência internacional. Para o Brasil não há - ou há pouca - limitação ambiental ao crescimento necessário à suplantação da etapa de país de renda média de modo a levar sua população à inclusão econômica e social.

Parodiando cartazes das jornadas de junho, faltam-nos governos “padrão Fifa”. Para lembrar somente alguns dos problemas econômico-ambientais que temos e não foram enfrentados pelos anos de governo neoliberal nem pelos governos desenvolvimentistas recentes:
- falhamos em dar continuidade aos programas de etanol e biodiesel, mesmo tendo a maior eficiência global na produção destes produtos;
- deixamos praticamente toda a produção de soja brasileira se contaminar com sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina, desprezando um possível valor de produto “prêmium” para, pelo menos, parte da nossa produção;
- exportamos a maior parte da soja que produzimos ainda em grão, perdendo a possibilidade de agregar valor pelo esmagamento e produção de proteína, óleo e outros derivados (esta oportunidade nem a Argentina deixou passar);
- destruímos parte importante da Amazônia sem termos um projeto estratégico para a região e sem termos conseguido desenvolver econômica e socialmente grande parte da população da região;
- deixamos correr solta a exploração ilegal de madeiras de qualidade superior na Amazônia sem termos conseguido criar uma cultura florestal e uma indústria de base florestal para a região;
- exportamos a granel grande parte dos minérios consumidos pelo mundo sem conseguirmos desenvolver indústrias relevantes de bens de consumo que empregam estes materiais e têm maior valor agregado;
- construímos cidades insustentáveis e desagradáveis e que oferecem péssima qualidade de vida para a maioria da nossa população.

O enfrentamento disto tudo precisa incorporar o discurso ambientalista, que não é necessariamente anti-desenvolvimentista, mas pró-desenvolvimento com governança adequada. Para superarmos os problemas listados (e muitos outros não listados) acima, precisamos de discursos que unam desenvolvimentismo, ambientalismo e um muito grande apetite de governo.

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