quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Energia polêmica: a ANP e o fracking


O que você acha de empregar em larga escala uma tecnologia controversa e potencialmente contaminante dos recursos hídricos para aumentar a produção de gás natural? E fazer isto dentro de um contexto institucional no qual não há experiência na lida com os reais impactos do processo? E sem ter uma legislação clara que obrigue a avaliação de impactos antes da exploração?

Pois é isto o que a Agência Nacional de Petróleo fará amanhã e depois de amanhã, dias 28 e 29/11/2013, quando leiloará 240 blocos de exploração terrestre de gás natural nos estados amazônicos do Acre, Amazonas, Tocantins e Maranhão, nos estados nordestinos de Alagoas, Sergipe, Piauí e Bahia, no Mato Grosso e em Goiás, no centro oeste, em São Paulo, no sudeste, e no Paraná, no sul. Nos blocos da Bahia, Sergipe, Alagoas e no São Francisco, a ANP espera encontrar o gás de folhelho, gás natural preso em rochas que é extraído por meio da polêmica técnica de faturamento hidráulico (fracking), muito utilizada nos EUA, mas vetada em países como França e Bélgica por seus potenciais impactos ambientais.

Uma avaliação da Agência Internacional de Energia apontou que o Brasil pode ter seis trilhões de metros cúbicos de gás de folhelho recuperáveis. A ANP calcula que, entre reservas recuperáveis de gás natural convencional e de folhelho, o país deve ter mais de 10 trilhões de metros cúbicos. Se isto se confirmar as reservas brasileiras passariam ao sexto lugar em volume no mundo, abaixo somente da Rússia, Irã, Qatar, Turcomenistão e EUA.

Na técnica de fracking são perfurados poços verticais até as camadas de folhelho. Nestas profundidades a perfuração passa a ser feita horizontalmente e nestes poços é injetado sob pressão um liquido composto de água, areia e produtos químicos. Quando a rocha se rompe e libera o gás, este líquido retorna à superfície junto com o gás natural carregando contaminantes como hidrocarbonetos, metais e os produtos químicos injetados. Estes efluentes contaminados pelo processo devem então ser armazenados e tratados para que possam ser dispostos adequadamente. Em alguns casos, nos EUA, a autoridade ambiental permite que os efluentes sejam injetados em poços profundos de bacias sedimentares. Para se mitigar a contaminação dos lençóis freáticos e dos aquíferos subterrâneos pelo fracking se injeta cimento nas paredes do poço.

Como toda operação industrial e mineradora o fracking apresenta riscos e tem impactos socioambientais: pode contaminar as águas superficiais, dos lençóis freáticos e dos aquíferos profundos com os produtos químicos utilizados no processo; pode aumentar nestes lençóis e aquíferos a concentração de metano, metais pesados e materiais radioativos; emprega grandes quantidades de água que, em parte, se tornam irrecuperáveis ou fortemente contaminadas; em regiões de escassez hídrica pode criar pressões sociais e ambientais importantes em escala local e regional; e pode contaminar o solo por eventuais vazamentos dos efluentes. Por estas razões a técnica é alvo constante de críticas de comunidades afetadas e de ambientalistas.

Por que então tem-se investido tanto nisso, principalmente nos EUA? A resposta é econômica, claro. O gás natural produzido por fracking tem provocado uma grande transformação na matriz energética dos EUA por seu baixo preço, tão grande que tem sido reputada como um dos principais fatores impulsionadores da recuperação econômica daquele país. O gás afastou da matriz energética norte americana uma parcela importante do carvão mineral anteriormente utilizado para geração elétrica, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa deste que é o segundo maior emissor global destes gases. Porém, mesmo nos EUA, nem tudo é positivo: embora reduza as emissões quando comparado ao carvão, o metano componente do gás natural é também um importante gás de efeito estufa e pesquisas recentes mostram que vazam quantidades significativas deste gás à atmosfera durante as operações de extração. Além disso, grande parte dos poços tem apresentado quedas vertiginosas na produção do gás natural em poucos anos de extração. E os potenciais impactos têm se mostrado reais em muitos casos.

No Brasil o leilão da ANP acontecerá sem que tenhamos uma marco regulatório claro sobre como as explorações devem ocorrer. E sem sabermos muito sobre os riscos socioambientais da extração deste gás não convencional nas condições brasileiras, como foi declarado pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da ciência. A SBPC e outras organizações da comunidade científica e da sociedade civil organizada, entre elas o Vitae Civilis, manifestaram-se contra o leilão nos seus pareceres submetidos à consulta pública feita pela ANP. Organizações técnicas e profissionais ligadas às áreas de meio ambiente e de serviços de água e saneamento protocolaram uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff solicitando a retirada da exploração de gás não convencional do edital destas licitações.

De um ponto de vista mais estratégico, o governo brasileiro deve responder sobre como pretende harmonizar suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa para 2020 com mais este sinal de sua franca disposição em sujar a matriz energética brasileira com carbono fóssil. Não somos os EUA que tem uma matriz preponderantemente fóssil e com grande participação do carvão, na qual a entrada de mais gás natural reduz as emissões de gases de efeito estufa, ao menos temporariamente. Não, ainda temos uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Nesta, a entrada de grandes volumes de gás natural para geração elétrica, a qual aparenta ser o destino mais provável do gás a ser extraído, aumentará nossas emissões, as mesmas que prometemos reduzir em mais de 35% até 2020. Com os investimentos no pré sal e, agora, na exploração do gás natural em terra, ficará difícil cumprir as metas e contribuir para a mitigação da crise climática global.

Continuamos pedindo à ANP que suspenda este leilão até que as questões socioambientais que têm sido levantadas sejam equacionadas, se isto for possível.

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