segunda-feira, 28 de julho de 2014

Interesses, ideologia e clima

Neste artigo, o prêmio Nobel Paul Krugman (MIT / Princeton) analisa as razões da dificuldade de um consenso politico para a ação contra as mudanças climáticas e conclui que a ideologia econômica liberal somada ao anti-intelectualismo da direita têm sido os principais entraves. A esperança, segundo Krugman, é que as ações necessárias não forçarão as pessoas a aceitarem grandes perdas monetárias.



(Publicado por Paul Krugman no New York Times, em 08/06/2014; traduzido por Délcio Rodrigues)

Há três coisas que sabemos sobre o aquecimento global provocado pelo homem. Em primeiro lugar, as consequências serão terríveis se não agirmos rápido para limitar as emissões de carbono. Em segundo lugar, em termos econômicos puros, a ação necessária não é tão difícil: controles de emissões, se bem feitos, provavelmente vão tornar o crescimento econômico mais lento, mas não por muito tempo. Em terceiro lugar, o consenso político em torno das ações necessárias é, ainda, muito difícil.

Mas por que é tão difícil agir? O que impede a ação são interesses escusos?

Estive estudando essa questão e cheguei à conclusão surpreendente de que não é, principalmente, devido aos interesses escusos. Estes, naturalmente, existem e desempenham um papel importante; o financiamento dos interesses dos combustíveis fósseis tem desempenhado um papel crucial na manutenção da ilusão de que a ciência do clima é menos estabelecida do que realmente é. Mas as apostas não são tão grandes como se imagina. O que torna a ação racional sobre o clima tão difícil é outra coisa - uma mistura tóxica de ideologia e anti-intelectualismo.

Antes de chegarmos a isso, no entanto, uma observação sobre economia.

Eu já observei em colunas anteriores que todos os estudos - ao os menos parcialmente sérios - do impacto econômico da redução de carbono, incluindo o recente estudo pago pela antiambientalista Câmara de Comércio dos EUA, encontram custos modestos, na sua maioria. A experiência prática aponta na mesma direção: na década de 1980 os conservadores alegaram que qualquer tentativa de limitar a chuva ácida poderia ter consequências econômicas devastadoras; na realidade, o sistema de cap-and-trade para o dióxido de enxofre foi muito bem sucedido a um custo mínimo; já os estados do Nordeste dos EUA têm um sistema cap-and-trade para o carbono desde 2009, e até agora as suas emissões têm caído drasticamente, enquanto suas economias cresceram mais rapidamente do que as do resto do país. O ambientalismo não é o inimigo do crescimento econômico.

Mas proteger o meio ambiente, no entanto, imporia custos sobre alguns setores e regiões? Sim, mas não tanto quanto se pensa.

Considere-se, em particular, a tão apregoada “guerra ao carvão”. É verdade que tomar a sério o aquecimento global implica, acima de tudo, cortes (e eventualmente eliminação) da energia do carvão, o que iria prejudicar as regiões dos EUA (e outros países) que dependem da mineração de carvão. O que raramente é dito é quão poucos empregos ainda existem nesta indústria.

Houve um tempo em que o Rei Carvão era de fato um grande empregador: no final da década de 1970, havia mais de 250 mil mineiros de carvão nos EUA. Desde então, porém, estes empregos caíram em dois terços, e não porque a produção baixou – subiu, e substancialmente -, mas porque a maioria do carvão vem agora das minas a céu aberto, que precisam de poucos trabalhadores. Atualmente a mineração de carvão é responsável por apenas um-dezesseis-avos de um por cento do emprego total dos EUA (0,06%); desligar toda a indústria do carvão eliminaria menos postos de trabalho do que os EUA perderam, em média, a cada semana da Grande Recessão de 2007-9.

Ou, colocado de outra maneira: a verdadeira guerra contra o carvão, ou pelo menos contra seus empregos, ocorreu uma geração atrás, travada não por ambientalistas liberais, mas pela indústria do carvão. E os trabalhadores perderam.

Os proprietários de minas de carvão e usinas de energia movidas a carvão têm interesse financeiro no bloqueio da política ambiental, mas mesmo ali os interesses não são lá tão grandes. Então, por que a oposição à política climática é tão intensa?

Bem, pense sobre o aquecimento global a partir do ponto de vista de alguém que cresceu levando Ayn Rand a sério, acreditando que a busca desenfreada do próprio interesse é sempre boa, e que o governo é sempre o problema, nunca a solução. Aí vêm alguns cientistas declarando que a busca irrestrita do interesse próprio irá destruir o mundo, e que a intervenção do governo é a única resposta. Não importa quão amigável ao mercado seja a intervenção proposta, será um desafio direto à visão de mundo liberal.

E a reação natural é a negação - negação furiosa. Leia ou assista qualquer debate mais prolongado sobre política climática e você ficará impressionado com o veneno, a pura raiva, dos que negam a ciência climática.

O fato das preocupações com o clima basearem-se no consenso científico torna as coisas ainda piores, porque isto não significa nada para o anti-intelectualismo - que sempre foi uma força poderosa na vida norte-americana, principalmente para a direita. Não surpreendente que tantos políticos de direita e especialistas rapidamente desenvolvam teorias conspiratórias, acusações de que milhares de pesquisadores ao redor do mundo foram coniventes com uma fraude gigantesca, cujo verdadeiro objetivo é um grande aumento no poder dos governos. Afinal de contas, a direita nunca gostou ou confiou de primeira em cientistas.

Assim, o obstáculo real ao enfrentamento do aquecimento global é a ideologia econômica reforçada pela hostilidade à ciência. Em alguns aspectos, isto torna a tarefa mais fácil: nós, de fato, não precisamos forçar as pessoas a aceitarem grandes perdas monetárias. Mas temos que superar o orgulho e a ignorância deliberada, o que é, de fato, difícil.

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