segunda-feira, 28 de julho de 2014

Elefante na atmosfera

Gestores das maiores empresas de petróleo se chocam com investidores em relação às mudanças climáticas
(traduzido por Delcio Rodrigues: The Economist:19/07/2014)



Em setembro de 2013 um grupo de investidores institucionais que opera investimentos de três trilhões de Libras perguntou às 45 maiores empresas mundiais de petróleo como as mudanças climáticas podem afetar os seus negócios e, em particular, se qualquer de suas reservas de petróleo pode se tornar no futuro “ativos encalhados", inutilizáveis, no caso das leis para a redução de emissões de dióxido de carbono ficarem mais apertadas. Exxon, Mobil e Shell retornaram sua avaliação de risco: zero. "Nós não acreditamos que qualquer uma de nossas reservas provadas vai se tornar 'encalhada'", disse a Shell. Em muitos setores econômicos, investidores e gestores estão tentando aproveitar o poder dos mercados para fins ambientais. No setor de petróleo e – o que, de longe, é responsável pela maior emissão de carbono –investidores e gestores parecem se posicionar em rota de colisão.

Os gigantes do petróleo se escudam em três argumentos. Em primeiro lugar, ao longo dos próximos 40 anos, o crescimento da população e da renda nas nações aumentará a demanda por energia, especialmente nos países em desenvolvimento. A Exxon prevê que os combustíveis fósseis serão responsáveis por três quartos da demanda de energia em 2040 e as energias renováveis (como a solar e eólica) por apenas 5%. A Shell prevê a quota de combustíveis fósseis em dois terços. Isto deverá manter os preços do petróleo em níveis elevados.

Em segundo lugar, as empresas descartam a ideia de que os governos farão algo para mudar este quadro. A Shell disse: "Nós não vemos atualmente os governos tomando medidas consistentes com o cenário de 2°C", isto é, restringindo as emissões de carbono de modo a limitar o aumento da temperatura global a 2°C acima dos níveis pré-industriais. Tais medidas implicariam reduzir em 80% as emissões dos gases que alteram o clima até 2050; e a perspectiva disso, diz a Exxon, está fora "da faixa do que é razoavelmente-provável-que-ocorra entre as hipóteses de planejamento". Jeremy Leggett, do Carbon Tracker Initiative, um grupo que aconselha os investidores, acredita que as empresas de petróleo estão apostando que a energia barata e acessível seja um trunfo contra transformar a mudança climática em uma preocupação política.

Em terceiro lugar, a Shell faz uma afirmação ainda mais estreita: uma vez que o que chama de "reservas-provadas-vida" (reservas provadas divididas pela taxa de produção) é de apenas 11,5 anos, o seu valor atual não será afetado por limites regulamentares em período de 20 ou 30 anos. Embora um projeto de petróleo possa ser executado ao longo de décadas, o prazo de retorno, diz a empresa, está concentrado em seus primeiros anos, por isso os atuais projetos já terão sido pagos muito antes de que leis mais duras entrem em vigor (o que, naturalmente a Shell pensa que não vai ocorrer).

Estarão então os investidores felizes – supondo que as empresas estejam corretas – com a perspectiva de suas ações fazerem grandes quantidades de dinheiro independentemente do que vier a acontecer com o clima do Planeta? Claro que não. O Carbon Tracker escreveu à Shell questionando praticamente todos os argumentos da empresa. O grupo diz que a proporção das emissões globais sujeitas a alguma forma de regulação passou de metade a mais de dois terços desde 2007 (embora a Austrália tenha há pouco desfeito o seu sistema de comércio de carbono); por isso os governos não são tão indolentes como a empresa pensa. Além disso, políticas amigas do ambiente e crescimento econômico não são mutuamente exclusivas: a maioria dos governos quer os dois, e as empresas podem muito bem estarem erradas supondo que os governos vão sacrificar o primeiro para obter o segundo.

O Carbon Tracker também pensa que a Shell está se tornando muito dependente de preços altos, ressaltando que, em números da própria empresa, a proporção de sua produção potencial proveniente de projetos com “breack-even” de US$80 por barril (a preços correntes) duplicará entre agora e 2025. Isto tornaria a empresa vulnerável a uma precificação da emissão de carbono capaz de trocar a demanda por petróleo por uma demanda de energia de baixo carbono.

O grupo consultor critica todas as empresas de petróleo por fazerem muito pouco pela diversificação de seus riscos. Ele diz que as empresas de petróleo estão planejando investimentos de 490 bilhões de dólares por ano – mais de duas vezes o que pagam em dividendos – em reservas que vão exigir um preço do petróleo maior que US$80 para serem rentáveis. Há de se reconhecer que as empresas também estão vendendo mais gás, uma diversificação de riscos, mas, em geral, os consultores indicam, as empresas de energia estão fazendo uma aposta tipo “o-dobro-ou-nada” no petróleo caro.

As empresas de petróleo estão quase certamente corretas em apostarem que os governos não fazem o suficiente para manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C. Esta é ainda a política oficial em quase toda parte, e talvez seja apenas uma questão de tempo até que alguém diga que este limite não poderá mais ser mantido. Mas os investidores podem estar corretos ao pensar que os gestores estão apostando suas empresas em cenários de preços elevados do petróleo, que isto é um jogo perigoso e que a aplicação de um desconto sobre o valor de seus investimentos pode fazer sentido. Claro que, se os chefes do petróleo estão certos, especialmente se o clima não esquentar tanto quanto os cientistas temem, os investidores vão continuar colocando seu dinheiro em ativos de petróleo produtivos. Mas se o Carbon Tracker estiver correto, os investidores vão liquidar suas ações de petrolíferas, o que deve acontecer se as empresas estão fazendo uma grande e falha aposta.

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